Grupo extremista, que ameaça direitos básicos da população do país, reconquistou o território do Afeganistão após retirada de tropas estadunidenses
“Um grupo é terrorista quando propõe uma leitura literal de alguma escritura considerada sagrada, para embasar atos de violência e assassinato em nome da fé”, afirma o historiador Fernando Rodrigues da Silva, que ministra aulas de história no Colégio Nossa Senhora do Rosário e no Cursinho Poli, em São Paulo. A retomada de poder no Afeganistão por parte de um desses grupos ocorreu de forma muito rápida.
Em maio deste ano, os Estados Unidos anunciaram publicamente que suas tropas seriam retiradas do país asiático até o dia 11 de setembro. No entanto, já no último domingo, 15 de agosto, o Talibã avançou para a capital Cabul e retomou o poder na região. A maior autoridade do Estado, o até então presidente afegão Ashraf Ghani, fugiu do país horas depois da invasão “para evitar banhos de sangue”, como declarou.
Passado e presente do Afeganistão
No início da formação do Talibã, em 1994, o grupo dizia almejar a restauração da paz e da segurança no Afeganistão sob a imposição de uma interpretação extremista da Sharia, um mandato religioso muçulmano. Contudo, as ações da facção tornaram-se tão violentas – com execuções públicas e perseguição a outras crenças – que passaram a ser consideradas também terroristas.
Apesar da ascensão do Talibã, a disputa entre o grupo e os Estados Unidos só começou em 2001. Segundo Fernando, isso aconteceu “quando George W. Bush [então presidente dos EUA] coordena os ataques ao Afeganistão, sob a justificativa de que o país serviu de base para recrutamento e treinamento dos extremistas da Al Qaeda, que realizaram os atentados de 11 de setembro”. Até este ano, as tropas estadunidenses ocupavam o Afeganistão impedindo a manifestação do grupo terrorista em grande escala. Porém, o movimento continuou vivo nas áreas mais afastadas e periféricas do país.
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O exército permaneceu no território afegão por quase duas décadas. Em fevereiro de 2020, o governo dos Estados Unidos, ainda sob comando de Donald Trump, assinou um acordo com o próprio Talibã para a retirada dos soldados. O grupo extremista então se comprometeu a não usar a área ocupada para planejar ações que ameaçassem a segurança do país norte-americano.
Em maio de 2021, o atual presidente Joe Biden determinou o fim da estadia militar no Afeganistão, estabelecendo o dia 11 de setembro deste ano como data limite – dia marcante por ser o vigésimo aniversário do atentado às torres gêmeas. Mas, pela pressão dos terroristas em retomar o controle do país, a maioria das tropas partiram antes da data prevista e deixaram o caminho livre para a volta do governo opressor. “A rapidez da tomada do poder pelo Talibã se explica pela capacidade do grupo de recrutar militantes e de financiar a compra de armas, por meio de rendas obtidas pelo tráfico de ópio”, explica o historiador.
Desta vez, não houve resistência por parte das autoridades governamentais do Afeganistão: Ashraf Ghani fugiu do país e foi recebido nos Emirados Árabes. “A fuga do presidente Ghani representa uma tragédia para o povo afegão, sobretudo para as mulheres. A imprensa, a arte, a educação, as universidades e as diversidades de todos os tipos serão reprimidas em nome da imposição de uma visão de mundo extremamente machista e ceifadora das liberdades individuais”, diz o professor.
As consequências para um futuro já próximo
O povo está desesperado, pois sabe da violência que o Talibã pode impor no controle do país, e arrisca todas as possibilidades para fugir do território – até se pendurando em asas de aviões, como foi possível ver em imagens que circularam pela internet na última semana.
“O que se verifica internacionalmente é uma grande preocupação com os cidadãos estrangeiros residentes no Afeganistão e uma provável crise migratória, já que milhões de pessoas vão tentar fugir do país”, diz Fernando. De acordo com ele, a melhor rota de fuga é pela fronteira com o Paquistão. Já pelas divisas ao norte, a situação está ainda menos favorável: o Uzbequistão fechou a sua fronteira e o Tajiquistão possui regiões altamente montanhosas difíceis de serem atravessadas por terra.
Em meio ao caos imposto pelo Talibã, direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, devem ser praticamente extintos do país. Os mais prejudicados nesse cenário são as mulheres e as crianças. O professor ressalta: “As mulheres não poderão trabalhar, estudar ou participar da política. As crianças serão educadas de modo a reproduzir essa cultura religiosa fundamentalista, de intolerância e opressão”.
A ativista paquistanesa e ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 2014, Malala Yousafzai, pediu que as potências globais, regionais e locais, impusessem um cessar-fogo imediato na região. A jovem, que em 2009 foi baleada pelo grupo por lutar pelo direito à educação feminina, disse estar “profundamente preocupada com as mulheres afegãs”.