Manifestantes e oposição acusam Aleksandr Lukashenko de fraudar resultado das eleições presidenciais
Belarus, uma pequena república ex-soviética no leste europeu, ficou nos holofotes da imprensa mundial no primeiro semestre deste ano devido à má condução da pandemia pelo líder político Aleksander Lukashenko e suas declarações polêmicas. O presidente não impôs o isolamento social no país, classificou a pandemia como uma “psicose” e recomendou uma dose de vodca para combater o vírus. Porém, desta vez, depois de uma acusação de fraude nas eleições seguida de protestos, Belarus chama atenção não só da imprensa, como também de diversas organizações que defendem a liberdade da imprensa e dos direitos humanos.
No dia 9 de agosto, foram realizadas eleições presidenciais no país. Lukashenko foi reeleito para o seu sexto mandato consecutivo com quase 80% dos votos válidos. Svetlana Thikanovskaia, candidata da oposição, recebeu 7%. Mas os resultados do pleito são contestados tanto pela oposição quanto por veículos de mídia locais e órgãos internacionais, que acusam Lukashenko de fraudar a eleição.
Belarus vai às ruas
Indignada com o resultado, a população bielorrussa, que estava animada com a oposição inédita, saiu às ruas para protestar contra Lukashenko, conhecido no Ocidente como “o último ditador europeu”. Além de pedirem novas eleições, os manifestantes querem a libertação de presos políticos e o fim da violência policial.
Durante esse período de quase um mês de protestos, que levaram centenas de milhares às ruas, aproximadamente 7000 pessoas foram presas. Em Belarus, manifestações sem autorização do governo são ilegais e os protestantes são passíveis de multa e detenção. O que se viu, no entanto, foi uma forte repressão do Estado, com ações truculentas da polícia para conter os opositores.
Paulo Feres, diplomata que ocupa o cargo de embaixador do Brasil em Belarus, comentou a tensa situação vivida no país. “O clima aqui é pesado. A oposição criou uma comissão para fazer a transição do Lukashenko para eles, mas isso não vai acontecer com facilidade, ele não vai sair do poder. Houve fraude na eleição, todo mundo sabe que houve, mas obviamente ele nega”, afirma o embaixador. “Há um impasse, pois temos um presidente a que ninguém obedece, mas ele continua no poder e o núcleo em volta dele continua muito fechado”, pontua Feres.
A Embaixada de Belarus em Brasília não falou com ESQUINAS. Segundo responsável, a ordem do governo é de não conceder entrevistas à imprensa.
Oposição subestimada
A história da candidata vencida por Lukashenko no último mês é curiosa. Svetlana Thikanovskaia, de 37 anos, tornou-se opositora do presidente após praticamente todos os outros adversários políticos terem sido presos, incluindo seu marido, Sergei Tikhanovsky, influente blogueiro no país. A ex-professora de inglês que virou dona de casa para cuidar de suas duas filhas, da noite para o dia viu sua vida mudar totalmente de rumo ao se transformar no principal nome para vencer o autocrata nas eleições.
Com apoio populacional e de candidatos que tiveram suas campanhas indeferidas ou foram presos, ela se registrou e conseguiu as cem mil assinaturas necessárias para ser aceita pelo tribunal eleitoral do país. “O Lukashenko deixou a Svetlana ser registrada pois não acreditava que ela fizesse frente a ele. Mas os adversários que ele tirou da disputa se uniram em volta dela, e ela se transformou na cabeça de um movimento de resistência nacional”, analisa o embaixador.
Atualmente, Thikanovskaia está em exilio político na Lituânia, país vizinho a Belarus, por se sentir intimidada pelo governo. “O Lukashenko ameaça seus adversários com a retirada dos direitos parentais, ele toma as crianças dos pais”, afirma Feres. Junto de suas filhas, a líder atua a distância, conversando com outros políticos europeus e articulando a queda do presidente.
O casamento conturbado de Putin e Lukashenko
A aliança política e econômica com a Rússia de Vladimir Putin é um ponto fundamental para entender a resistência de Lukashenko e a falta de sinais de fraqueza demonstrados por ele. A Rússia, além de ser política e culturalmente próxima a Belarus, antigo membro da União Soviética, é responsável por mais de 70% do mercado externo do país.
A relação dos dois países é um casamento conturbado. O presidente bielorrusso já acusou os russos por diversas vezes de interferência externa no país, mas agora vê o Kremlin de Moscou, sede do governo, como sua única válvula de escape para evitar sanções graves da União Europeia.
“Ele pediu ajuda aos russos, o Putin se prontificou a ajudar, mas ainda não está claro o que a Rússia pretende fazer. Certamente eles não irão invadir, mas o preço dessa ajuda será alto. Tem o risco de o país perder parte de sua soberania, que o presidente afirmou que sempre defenderia”, opina o diplomata. “Os russos não tem mais tanta simpatia por ele”, completa.
Resultado controverso
A situação de Belarus foi discutida no mundo todo e por diversos órgãos internacionais. A União Europeia, por exemplo, não reconheceu os resultados da eleição e já busca apoio dos países membros para aplicar sanções. “Não o reconhecemos como presidente legítimo. Como também não reconhecemos Nicolás Maduro na Venezuela”, afirmou Josep Borell, chanceler da UE, em entrevista ao El País.
Na mesma linha, Feres, que mantém contato com outros diplomatas, comenta: “Todos os embaixadores dos países onde há democracia repudiaram o resultado. Mas, por exemplo, Xi Jinping [Presidente da China] foi um dos primeiros a parabenizar Lukashenko pela vitória. Bashar al-Assad [Presidente da Síria] apoiou, Maduro, ou seja, só ditadores”.
No entanto, para Tiago Carneiro, militante do Partido da Causa Operária e correspondente em Minsk, capital de Belarus, a repercussão negativa do resultado eleitoral se deve “à má fé da mídia ocidental, marionete das potências ocidentais”. Defensor do ditador Lukashenko, Carneiro comparou o cenário do país com o boliviano nas eleições do ano passado. “Para os que acompanham a situação geopolítica, o que se passa aqui é igual ao ocorrido na Bolívia. A oposição já tem tudo preparado para não aceitar o resultado das votações, levanta-se uma denúncia de fraude. Apoio internacional ajudaria a dar o governo aos perdedores. A única diferença é que, até o momento, o governo de Belarus não cedeu às pressões golpistas, como fez [Evo] Morales”, opina.
Bodas de prata com a presidência
Há duas semanas, empunhando uma AK-47, Lukashenko foi até a frente do palácio da presidência para dar apoio aos militares, e chegou a afirmar que não sairia do poder até que estivesse morto. Em outra ocasião, afirmou: “Até que me matem, não haverá outra eleição”. Esta semana, admitiu em uma entrevista ter excedido o tempo na presidência, já que ocupa o cargo desde 1994. Porém, garantiu nesta quinta-feira (10) que não abrirá mão do poder.
“Lukashenko virou um ditador com data vencida, ele ficou obsoleto. O povo passou na frente dele, a realidade em que o país vive não combina com o mundo que ele sempre imaginou existir”, diz o embaixador. Acompanhando in loco esse movimento sem precedentes no país, Feres traduz do bielorrusso para o português o sentimento dos manifestantes. Não é simples fazer previsões sobre o futuro da nação, mas o levante contra a tirania do líder político já é um marco na história de Belarus.