Fim da 'Onda Rosa'? Reação conservadora pode barrar esquerda latina - Revista Esquinas

Fim da ‘Onda Rosa’? Reação conservadora pode barrar esquerda latina

Por Alexandre Zerbinato, Enzo Impalá, Felipe Belli, Giovanni Stein e João Gustavo Machado. : junho 25, 2024

A maioria dos países latinos já passaram, e ainda passam, por eventos de repressão política, censura e violações dos direitos humanos, característicos de regimes ditatoriais. Foto: Ryan/Pexels

Como a inconsistência política tem afetado a conservação da democracia nos países latinoamericanos

A América Latina tem enfrentado uma oscilação política entre democracias e ditaduras, refletindo um cenário de instabilidade regional. Alternando entre esquerda e direita, a região luta por uma democracia completa, desafiando conceitos de estabilidade e progresso.

Nos últimos anos, a região assistiu à ascensão de governos de esquerda, movimento conhecido como a “onda rosa”. Contudo, esta tendência não se manteve estável e foi substituída por uma reação conservadora e por um fortalecimento da direita em alguns países. A Argentina acaba por ser um exemplo desta oscilação ideológica, alternando entre governos Kirchneristas, movimento político argentino baseado em ideias populistas de esquerda, e governos de direita, como na recém eleição de Javier Milei.

Para o professor Tiago dos Santos Silva (44 anos), formado em geografia na UNESP, esta oscilação entre direita e esquerda na política latino-americana reflete uma descrença generalizada do povo nas instituições políticas, forçando o próprio a recorrer à antipolítica. Isto é, o povo tende a preferir, e consequentemente eleger, candidatos que mais se distanciam do perfil de ‘político’ e mais se aproximam do perfil de ‘povo no poder’.

“As alternâncias de orientação política, evidenciadas pelas eleições de líderes como Milei na Argentina, Bolsonaro e Lula no Brasil, e governos de ideologias opostas na Colômbia e México, revelam uma busca por soluções para problemas estruturais herdados desde a colonização. Então, há um balanço entre direita e esquerda, mas não vejo nenhuma ideologia predominar na América Latina. Acredito que existam grupos que se mantêm firmes entre direita e esquerda, mas não uma predominância”, defende.

Ainda segundo o professor:

“Essa instabilidade política é agravada pela falta de instituições sólidas e enraizadas na América Latina. Instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), faculdades e igrejas, que forneceriam uma base mais estável para a vida política, ainda não alcançaram uma presença consistente na região.”

Dos Santos cita o fenômeno da “antipolítica” e como ele tem ganhado força com candidatos que se apresentam como outsiders (pessoas com pouca ou nenhuma experiência política) e buscam se distanciar do establishment (ordem econômica e política, que constitui uma sociedade ou um Estado), contribuindo para uma despolitização crescente da sociedade latino-americana.

Repressão política na América Latina

Uma outra forma de analisar a América Latina, seria olhar para seu histórico recente envolvendo ditaduras cívico-militares. A região possui uma longa história envolvendo governos ditatoriais, que surgiram em sua maioria na segunda metade do século 20, em razão da Operação Pan-Americana. Este movimento, liderado pelos Estados Unidos, forneceu apoio militar, econômico e político a líderes não democráticos, reprimindo movimentos de esquerda, financiando ditaduras e treinando forças de segurança repressivas, com a finalidade de combater o avanço da esquerda na América Latina.

A maioria dos países latinos já passaram, e ainda passam, por eventos de repressão política, censura e violações dos direitos humanos, característicos de regimes ditatoriais. O Brasil, de 1964 a 1985, o Chile, de 1973 a 1990 e a Argentina, de 1976 a 1983, enfrentaram ditaduras, porém conseguiram reverter parcialmente ou totalmente a situação. Já países como a Venezuela, Nicarágua e Cuba, ainda lidam com governos autoritários, destacando a complexidade da imposição da democracia na região. 

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Mudanças políticas América Latina

Diante deste cenário, Henrique Soares Carneiro (64 anos), professor do departamento de História da USP, destaca que as mudanças políticas na América Latina não são meramente ideológicas, mas sim impulsionadas por interesses socioeconômicos subjacentes, “nenhum governo sai dizendo que é contra o interesse da maioria da população, que é a favor de aumentar o lucro dos grandes capitais, contra a distribuição de renda ou que é a favor dos interesses estrangeiros. No entanto, essa é a realidade que está por trás, sobretudo daquilo que se chama de ideologia neoliberal.”

Soares ressalta que as ineficiências governamentais em áreas importantes como a economia, educação e saúde, apontam para a complexa dinâmica do subcontinente e enfatiza que estas mudanças revelam a situação em que a classe política dá prioridade aos interesses do grande capital industrial e agrícola, em detrimento das necessidades da maioria da população. 

Analisando as complexidades políticas e socioeconômicas da América Latina, é evidente que a região enfrenta um desafio significativo na busca por estabilidade e progresso democrático. A oscilação entre governos de direita e esquerda reflete não apenas uma questão ideológica, mas também a presença de interesses econômicos, destacando a necessidade de abordagens abrangentes para enfrentar as desigualdades e promover o bem-estar da da sociedade latino-americana.

Editado por Mariana Ribeiro

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