Mesmo antes da pandemia catadores, catadoras, cooperados ou autônomos já lidavam com situações de instabilidade, precariedade e jornadas de trabalho exaustivas
Os catadores e catadoras são responsáveis por mais de 90% da coleta de materiais recicláveis no Brasil. A situação desses trabalhadores se tornou mais crítica após a pandemia. “Nós já éramos os mais vulneráveis, mesmo antes do vírus. A sociedade joga no meio do lixo reciclado: vidro quebrado, cachorro morto, seringa… Já estamos expostos a vírus e doenças há muito tempo”, relata Cristiano Cardoso, catador de materiais recicláveis ligado à ReciFavela — cooperativa da favela de Vila Prudente, em São Paulo.
Na cidade de São Paulo, existem 25 cooperativas de catadores habilitadas pela Prefeitura. Mas, de acordo com dados do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNRC), existem outras 30 não habilitadas. Com isso, chega-se a cerca de 750 famílias em situação de vulnerabilidade.
A principal fonte de renda desses trabalhadores e de suas famílias vem da coleta e da venda de materiais recicláveis. Porém, com o fechamento do comércio, dos restaurantes e das fábricas, as principais fontes de materiais usados pelos catadores diminuíram. Até as pessoas comuns, que antes ofereciam seus materiais para a reciclagem, não estão mais entregando.
“A questão mais urgente para os catadores em meio a pandemia é permanecer vivo e não morrer de fome”, explica Cardoso.
Segundo Lucia Oliveira da Silva, presidente da cooperativa Central do Tietê, durante a pandemia a situação dos filiados às cooperativas está cada vez mais complicada: “Tenho cooperados passando necessidade. Tenho oito que são do grupo de risco e mães que não têm onde deixar seus filhos, porque não têm creches nem escolas abertas”, relata.
Além disso, segundo Cristiano Cardoso, em todas as cooperativas têm pessoas com mais de sessenta anos e com problemas de saúde crônicos, como diabetes, pressão alta e problemas respiratórios. Tudo isso soma-se ao fato de que a maioria das atividades exercidas pela categoria ocorre em áreas públicas, e o contato com resíduos possivelmente contaminados é constante.
Por isso, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) recomendou através de um guia que os serviços de coleta seletiva sejam paralisados durante esse período. Justificando que em alguns materiais recicláveis, como o plástico, a sobrevivência do vírus pode durar vários dias o que torna a atividade dos catadores ainda mais arriscada.
A recomendação da ABES é que por meio de um auxílio social temporário, instituído por governos locais, os catadores e catadoras sejam recompensados pela paralisação de suas atividades. Outra orientação é que os moradores de locais onde há casos confirmados da covid-19 não entreguem materiais recicláveis aos catadores.
No dia 23 de março, a Defensoria Pública da União, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado São Paulo, emitiu uma nota de recomendação oficial em prol dos catadores, cooperados ou autônomos, em meio à pandemia. O documento solicita a criação de espaços de higienização e equipamentos de proteção individual (EPIs) se o serviço de coleta permanecer. Porém, independente das atividades continuarem ou não, também é requerido que haja garantia de renda básica emergencial e segurança alimentar.
No dia 31 de março, o Prefeito Bruno Covas anunciou que, em razão da situação de calamidade pública, será disponibilizado aos catadores das cooperativas habilitadas pela prefeitura, um auxílio de R$ 1.200,00, por até três meses. Para os não filiados à uma cooperativa será disponibilizado a mesma quantia, só que a prefeitura irá arcar com metade dos custos e o governo federal com o restante.
Entretanto, muitos catadores e catadoras não obtiveram acesso aos auxílios, seja por falta de documentação ou por dificuldade de ingresso nos sistemas do governo. “Tem cooperado passando necessidade porque nem todos conseguiram receber o auxílio emergencial do governo”, conta a presidente da cooperativa Central do Tietê.