'Cuidado paliativo': o atendimento à saúde de refugiados no Brasil - Revista Esquinas

‘Cuidado paliativo’: o atendimento à saúde de refugiados no Brasil

Por Ana Rutkoski, Duda Kabzas, Gabriel Alvarenga, Giulia El Houssami, Matheus Perez e Sofia Kansbock Bianco : setembro 24, 2024

Refugiados negros e indígenas tem mais dificuldade de acessar o SUS. Foto: Julie Ricard/Unsplash

Iniciativas para cobrir pontos fracos do SUS são insuficientes; caso do ganês Evans Ossêi Ússu escâncara realidade na saúde de imigrantes

No último dia 13, o ganês Evans Ossêi Ússu, 39, que buscava refúgio no Brasil, morreu em decorrência de uma infecção grave, depois de uma longa estadia no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Após sua chegada no país, Ossêi passou sete dias retido na chamada “área restrita”, local destinado a imigrantes durante o processo de solicitação de refúgio.

​Em 2023, o Brasil aprovou cerca de 117 mil pedidos de refúgio a estrangeiros. Os dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, retrata a quantidade de pessoas que chegam ao país com diversas necessidades. Uma das mais latentes é o acesso ao tratamento médico, que, apesar de ser garantido legalmente a todos, pode ser dificultado por uma variedade de impeditivos, como o não acesso ao SUS e a ineficiência do sistema de saúde.

IMPEDITIVOS À SAÚDE

É comum que profissionais indevidamente orientados recusem tratamento a estrangeiros em situação irregular, de acordo com Alexandre Branco, pesquisador do Promigras, observatório da Universidade Federal de São Paulo, com foco em Estudos Migratórios e Saúde Mental.

Branco explica que, mesmo que o Brasil seja reconhecido por facilitar a solicitação de documentos por imigrantes, há dois principais impeditivos para a regularização: falta de conhecimento dos processos burocráticos e o valor da multa que, em sua maioria, os imigrantes não possuem condição de pagar. Tudo isso estigmatiza a condição da pessoa migrante e cria ainda mais obstáculos no acesso ao SUS.

“No centro de São Paulo há Unidades Básicas de Saúde que estão acostumadas a lidar com a população migrante, então há ações que ajudam a garantir o acesso, como não cobrar documentação ou aceitar comprovante de residência escrito à mão.” O pesquisador explica que isso ocorre pela falta de comprovantes de endereço dos imigrantes, especialmente em áreas periféricas.

Além destas dificuldades, o processo se torna ainda mais prejudicado em populações racializadas devido ao preconceito no acolhimento. “Refugiados negros e indígenas têm muito mais dificuldade de conseguir integração econômica, emprego equivalente à formação que possui e mais dificuldade de acessar o SUS”, diz Branco.

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“Nenhum sistema de informação do Ministério da Saúde está adaptado para coletar informações sobre imigrantes”, acrescenta. Essa falha torna ainda mais difícil localizar comunidades que estão sem acesso ao sistema de saúde, perpetuando a vulnerabilidade desses imigrantes e dificultando o envio adequado de recursos e serviços necessários para atender suas necessidades.

“Atualmente, existem conversas com o Governo Federal sobre a realização de um censo da população imigrante no Brasil com foco na saúde, mas ainda não há nenhuma ação prática para iniciar essa coleta de dados”, afirmar Branco, que destaca a importância do Estado com sistemas robustos de coleta e análise de dados relacionados aos imigrantes.

NÚCLEO DE ASSISTÊNCIA saúde

Murched Omar Taha, chefe do ambulatório de refugiados no Hospital São Paulo, identificou a falta de acesso à saúde para refugiados e criou o Núcleo de Assistência à Saúde do Refugiado. Taha, com a ajuda de outros médicos voluntários, iniciou o projeto a partir do Sistema de Medicina Suplementar, onde os pacientes já eram atendidos no próprio hospital universitário UNIFESP.  

O idealizador da iniciativa, analisa que o principal atendimento para os imigrantes deva ser do ponto de vista psicológico e psiquiátrico. Taha explica que a dificuldade do refugiado não é apenas médica, mas existencial, envolvendo questões, como alimentação, documento e idioma. À exemplo da conversação entre médico e paciente, que quando a dor é física não consegue se entender o que é dito, e quando o problema envolve questões mentais, o imigrante não se sente confortável em se “abrir”.

Hoje, o Núcleo possui mais de 40 médicos e enfermeiras voluntárias, entre eles dentistas, ginecologistas, psiquiatras e psicólogos. O projeto atende refugiados de 12 países diferentes, com destaque para Egito, Palestina, Afeganistão e Índia. O Núcleo que está de mudanças para um novo endereço (Rua Botucatu, 611), planeja estabelecer uma ONG que realize o mesmo objetivo.

Editado por Luca Uras

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