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Por Gabriel Cruz e Laura Andrade Edição #62

O ensino da convivência

Projetos buscam integrar refugiados e imigrantes na rede Municipal de Ensino de São Paulo

A maior onda de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial, em 1945, ocorre atualmente. Situações geopolíticas conflituosas e guerras civis são fatores que explicam as redistribuições populacionais pelo globo, geradoras da massa de, segundo o Alto Comissariado da Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 65,6 milhões de deslocados. O Brasil vem acolhendo cada vez mais pessoas. Entre os anos de 2015 e 2016, houve um aumento de 12% do número total de refugiados em território nacional, sendo eles 9.552 pessoas de 82 diferentes nacionalidades, de acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Dentre as adaptações que os recém-chegados precisam fazer estão o aprendizado da língua e o acesso à educação formal.

Em São Paulo, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Infante Dom Henrique, no bairro do Canindé, Zona Norte, promove para os recém-chegados aulas de Língua Portuguesa. Cláudio Marques da Silva Neto, diretor da EMEF, garante que os êxitos da escola em que trabalha partem de sua abertura à comunidade que está em seu entorno, pois a Infante Dom Henrique se localiza em uma área com grande concentração de imigrantes. A escola inspirou a Secretaria Municipal de Ensino (SME) na construção do curso de Português para Imigrantes. De acordo com a SME, são 3569 unidades educacionais espalhadas por todo o território paulistano. Apenas dez delas foram contempladas com o Projeto de Português para Imigrantes. Nota-se que o esforço do poder público municipal, além de tímido, está no sentido de garantir o acolhimento educacional apenas de imigrantes. “A gente não trabalha com o termo refugiado”, disse Alvara Bianca Teixeira, assessora da Secretaria. Apesar dos termos semelhantes, imigrantes e refugiados não participam sempre do mesmo cenário.

Refugiados são pessoas que tiveram que deixar seus países por causa de guerra ou medo de perseguições raciais, religiosas, de nacionalidade ou por fazer parte de um grupo social ou de opinião política contrária ao regime em que se encontram. Por sua vez, imigrantes são pessoas que mudam de país, podendo estar fugindo da pobreza ou estar em busca de melhores oportunidades.

O Projeto de Português para Imigrantes é a única política pública da cidade de São Paulo na área de educação voltada para imigrantes. Em 2013, esses estrangeiros representavam 2.448 alunos matriculados na rede municipal de ensino, número que saltou para 4.747 em 2017, segundo a SME. O programa se divide pelas Zonas Norte e Leste de São Paulo, não contemplando as outras regiões, oeste, sul e central. Essa falta de suporte, de acordo com Alvara Bianca Teixeira, ocorre devido à pouca concentração de imigrantes nas outras regiões da cidade.
Entretanto, o site Dados Abertos SP mostra uma realidade diferente. É possível notar na região do Butantã e Campo Limpo, Zonas Oeste e Sul, respectivamente, um número significativo de imigrantes. Ao todo são 175 estudantes de diversas nacionalidades como: sírios, togolês, malinês, entre outras.

Outra falha da SME parece ser a divulgação do programa. O “boca a boca” é a fonte principal de chegada ao ambiente escolar desses imigrantes, segundo os estudantes e professores. Os canais de comunicação ainda se encontram insuficientes à demanda crescente da cidade. A ausência do poder público paulistano se mostra também na confusão entre quem são os refugiados ou imigrantes. Tal confusão, entretanto, se explica: o critério para definir o que é um refugiado, versus aquilo que se entende por imigrante não é tão simples. A fala de dois colegas de classe, sentados lado a lado, mostra isso.

Louis Abalo, de 46 anos, faz parte do ciclo básico de Português para Imigrantes da escola Infante Dom Henrique e adquire uma feição grave ao ser perguntado sobre os motivos que o levaram a se mudar para São Paulo. Ele responde seco: “Problemas políticos”. Seu país, o Togo, na África, passa por problemas de ordem não apenas financeira, mas também na sua forma governamental. Abalo é um refugiado em São Paulo. Já Mahamadou Kaba, de 24 anos, está há um ano e quatro meses no país. Risonho, o habitante do Mali brinca que veio ao Brasil para ficar rico e achar uma esposa. Apesar de mais próximo da definição de imigrante, Kaba também é um refugiado. Seu país tem intervenções militares recentes da Organização das Nações Unidas (ONU).

A professora deles, Helena de Oliveira, relata sobre a experiência do ensino do idioma nacional aos imigrantes. Segundo ela, alguns estrangeiros vêm sem saber absolutamente nada e outros, com a comunicação mais afiada, dificultando a logística do ensino. Além do Português para Imigrantes, a escola ainda abriga outra iniciativa chamada Escola Apropriada. Nesse último esforço, os alunos de primeiro grau do período da manhã se reúnem quinzenalmente e recebem convidados de diferentes países a fim de experimentar no ambiente escolar o contato com outras culturas. O bom resultado dessa luta travada pela sociedade civil está nos olhos dos irmãos sírios, também refugiados, Mohammed e Mayas Ghazi.

Mohammed, menino de 11 anos, está no Brasil há três anos e meio. “Aqui é muito melhor do que lá”, responde ao ser perguntado sobre como era sua vida na Síria em comparação a São Paulo. Já a menina, Mayas, sua irmã, de 7 anos, não fala nada sobre sua experiência aqui. Ela brinca alegremente com os colegas do primeiro ano, estrangeiros e brasileiros, mostrando que é possível a harmonia entre nacionalidades diferentes. A inserção de refugiados no Ensino Municipal da cidade de São Paulo é ainda tímida e carece de maior atenção do poder público. Entretanto, há realizações como a da EMEF Infante Dom Henrique que mostram como a escola pode cumprir um papel formador e de adaptação na vida dos imigrantes e refugiados.