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Por Luca Castilho Edição #62

É falta grave

Problema antigo no futebol, racismo ainda é pouco denunciado por entidades e jogadores no Brasil

O ano é 1914 e o tradicional time do bairro das Laranjeiras no Rio de Janeiro, o Fluminense, contrata o jovem jogador Carlos Alberto. Pelo preconceito de ser o único negro no time, a mando do clube, o jogador começou a passar pó de arroz no rosto antes das partidas. Porém, ele foi reconhecido pela torcida do seu ex-clube, o América-RJ, durante uma partida e seu disfarce acabou. Os torcedores do América passaram a apelidar a torcida do Fluminense de pó de arroz, alcunha que continua até os dias atuais.

Agora, o ano é 2014 e a equipe paulista do Santos vai a Porto Alegre enfrentar o Grêmio na Arena do clube pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Enquanto a partida acontece, o goleiro do time do Santos, Mário Lúcio Duarte Costa, mais conhecido como Aranha, é alvo de ofensas racistas por parte dos torcedores gaúchos. O clube do Rio Grande do Sul foi excluído da competição. Embora separadas por cem anos, infelizmente, o racismo é algo que coincide em ambas as histórias.

Segundo o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, órgão que analisa supostas ocorrências de racismo e que combate essa prática, 41 casos foram registrados no Brasil tanto nos estádios quanto na internet em 2017. Um número muito maior ao ano anterior, que foi de 25 casos. O Observatório utiliza como base os casos apresentados na imprensa brasileira e denúncias enviadas por torcedores nas redes sociais.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva determina no Art. 243-G que quem “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência” está sujeito à “suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de 120 a 360 dias, se praticada por qualquer outra pessoa submetida a este Código, além de multa, de 100 a 100.000 (cem mil reais)”.

Apesar de o código penal ser severo e enfático nas punições e no que considera um ato racista, poucos são os casos que realmente vão para a Justiça. De acordo com o Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD,) foram julgados dois casos em 2016 e, em 2017, nenhum caso de injúria racial foi sequer analisado. O ex-jogador Sergio Chulapa, atacante negro e maior artilheiro da história do São Paulo e grande ídolo do Santos, afirma que “nunca viu alguém tomar uma atitude, e nem nunca viu ninguém preso por racismo”. Para ele, não há saída, se não a prisão para quem comete esses atos.

Somos iguais

O preparador de goleiros do Santos, Arzul, completa a fala de Chulapa e afirma que quando chegava nas partidas, especialmente por ser goleiro, escutava muitas ofensas racistas, mas como não tinha o que fazer, apenas ignorava. Ele diz que “esse foi o nosso mal. Nas décadas de 1990, era uma coisa bem natural, e a gente não fazia nada, infelizmente”.

Os processos são julgados em primeira e segunda instâncias pelo Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), e se houver recurso, chega ao Supremo. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pouco tem feito para reverter esse grave quadro no futebol nacional. A campanha “Somos Iguais”, idealizada pela Confederação, tem como intuito diminuir os casos, mas na prática, pelos números apresentados pelo Observatório, surtiu pouco efeito. A entidade costuma ser criticada por não se pronunciar mais sobre o assunto e pelo pouco posicionamento sobre a causa.

A Fifa também apresenta em seu Código Disciplinar que “um clube ou seleção pode ser punido e até mesmo afastado de competições caso seus torcedores, dirigentes, jogadores, árbitros ou demais membros manifestem-se de forma racista ou discriminatória”.

Outro ponto é a imprensa, que noticia o ocorrido na hora, mas pouco se solidariza pelo atleta e trata o caso como mais um no âmbito esportivo. Alberto Helena, jornalista esportivo da TV Gazeta, diz que há sempre uma ponderação formal da imprensa, mas não há uma campanha ou posição permanente de indignação contra isso. A imprensa, para ele, deveria se envolver com a causa e combatê-la de todas as formas possíveis.

O goleiro Aranha também responsabiliza a classe de jogadores brasileiros. “Não vejo interesse em jogadores de futebol sobre o assunto, sua história, o que acontece” e afirma que o seu caso repercutiu “porque conheço meu povo, minha história, e como já tinha uma projeção na mídia, a história apareceu, além de ter o que falar, tinha um discurso a ser falado”.