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Comunismo, urna eletrônica, artigo 142, STF, Israel e Tio Sam. Há de tudo na manifestação de 7 de setembro convocada por Jair Bolsonaro (PL) e movimentos conservadores na avenida Paulista nesta quarta-feira, menos celebrações ligadas diretamente à Independência do Brasil, que completa 200 anos hoje.
O ano de 2022 foi por vezes citado como especial pelos participantes da manifestação em São Paulo, mas sobretudo em razão da eleição à Presidência do Brasil, cujo primeiro turno será realizado daqui a menos de um mês, no dia 2 de outubro. O bicentenário da Independência, por sua vez, foi preterido pelos presentes na avenida.
Nomes como o de Alexandre de Moraes, ministro do STF, e Tarcísio de Freitas, candidato do Republicanos ao governo de São Paulo, estavam presentes em panfletos, adesivos, cartazes e discursos – referências a Dom Pedro I e José Bonifácio, líderes da secessão em 1822, ou à importância do fato para o país, porém, foram nulas.
Bandeiras estrangeiras
Abdul Fagundes Dias Júnior, 38, tremulava uma bandeira americana junto à flâmula brasileira. Para o professor de educação física, celebrar uma nação estrangeira tem um sentido complementar à independência do Brasil. “A bandeira dos Estados Unidos representa o parceiro comercial e tudo que o Donald Trump passou por lá, essa perseguição política. O [ataque ao] Capitólio foi forjado. É para representar a liberdade americana. O armamento, o direito à defesa, liberdade de expressão, liberdade acima de tudo. O americano é livre”, declara Fagundes, citando a invasão ao Congresso americano em janeiro de 2021.
Hasteando a bandeira de Israel, o corretor de imóveis Lucas Rocha, 27, afirma que a independência do Brasil representa valores próprios do judaísmo. “O Brasil representa valores judaicos. Mas eu não tenho judaísmo como religião. Faço parte de uma linha de judeus que não segue o judaísmo”, justifica.
Grafias estrangeiras também marcaram presença. Ivonete dos Santos, 61, funcionária pública, segurava um cartaz em inglês com os dizeres “We are against communism”. “Nunca estive na Paulista no 7 de setembro, mas neste ano resolvi vir. Estou muito feliz, vendo muitos patriotas aqui. É uma luta do bem contra o mal, e o comunismo é algo que não aceitamos”, destacou Ivonete.
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Tradição e desfiles
Embora tenham perdido força desde a ditadura militar, as celebrações mais tradicionais de 7 de setembro ainda são os desfiles cívicos. Manifestantes ouvidos pela reportagem afirmam ter prestigiado os desfiles por muitos anos. É o caso de Graça Oliveira, aposentada de 61 anos que voltou a celebrar o feriado. “Era uma data muito importante para a gente. Mais jovem, eu ia aos desfiles militares. Era muito legal. Estava há muito tempo sem comemorar, sentia falta”.
Maurício de Paula, 51, também tinha o costume de acompanhar as marchas cívicas. “Esse feriado era dia em que sempre íamos às ruas para ver o desfile militar, de escola, Esquadrilha da Fumaça… Costumava prestigiar sempre”, afirma o aposentado.
Neste ano, porém, o ato na Paulista é mais importante para Maurício: “É tempo de eleição presidencial, para governador… Devemos garantir a consciência de eleger bons representantes”.
A publicitária Erika Mello, de 26 anos, é muito jovem para ter vivido o auge dos desfiles militares de independência, mas garante apreciar as cerimônias. Para ela, a eleição também torna o protesto mais importante que as solenidades tradicionais.
“Gosto de desfiles porque acho que o militarismo é um bom regime para o Brasil, mas hoje é importante estar aqui [na Paulista], principalmente por ser ano eleitoral”, declara Mello. “Eu sou uma pessoa de direita e nós não temos outra opção senão o Bolsonaro para eleger pessoas que pensam como a gente. Além de comemorar, quero dar esse apoio”, completa.
Política no 7 de setembro
A marca governista em atos no Dia da Independência fica mais evidente a partir de 2021, quando Bolsonaro, politicamente isolado, elevou a tensão entre o Poder Executivo e o Judiciário.
No dia 7 de setembro do ano passado, o presidente fez menção ao ministro Alexandre de Moraes em palanque na Paulista. “Acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha. (…) Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá”, afirmou na ocasião. A declaração teve repercussão bastante negativa entre autoridades públicas e obrigou o líder do executivo a reduzir o tom de ameaça.
O gancho político do feriado costuma ser adotado em contextos de turbulência política. Antes de 2021, protestos semelhantes na avenida Paulista foram registrados em 2011 e 2013. Nessas ocasiões, a convocação para os atos, espalhados por diversas cidades em todo o Brasil, declarou-se apartidária e adotou como pauta principal a anticorrupção.