De adversários à aliados, a presença do ex-governador na chapa presidencial conversa com a ala mais conservadora e econômica do país e deixa tom “moderado” na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Em julho deste ano, Geraldo Alckmin (PSB) foi oficializado como candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deixando um histórico de disputa no passado. Em entrevista concedida ao Jornal Nacional em agosto, Lula afirmou ser necessário “juntar os divergentes para derrotar os antagônicos”, citando frase adaptada do educador pernambucano Paulo Freire no livro “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido”, que faz apelo ao diálogo democrático.
Pouco antes do primeiro turno das eleições, houve a sinalização pela formação de uma “frente ampla” em defesa da democracia, que contou com a presença de Alckmin. Em encontro realizado em setembro, com oito ex-presidenciáveis, desde aliados até opositores históricos, Lula destacou a importância da improvável aliança com seu antigo adversário e reforçou ser preciso “deixar desavenças políticas e pessoais para trás pela manutenção da democracia, cidadania e direitos humanos”.
Mas a importância de Alckmin não fica restrita somente à satisfação de pautas ideológicas. Apesar de não decisivo, o papel do candidato a vice continua representando um trunfo de Lula em locais onde, historicamente, o presidenciável não sustenta uma base forte de eleitores, especialmente no interior do estado de São Paulo.
Estratégia e moderação
De acordo com o advogado e professor de Direito Eleitoral, Marcelo Weick Pogliese, a atuação de Alckmin durante o segundo turno possibilitará “uma virada estratégica em relação à Minas Gerais e ao interior de São Paulo, dois grandes e decisivos colégios eleitorais do país”. E complementa: “Trazer um dos maiores expoentes do antigo PSDB para fazer parte da chapa presidencial foi um grande acerto. Apesar de não ter mais o prestígio de antes, o partido ainda é muito reconhecido por prefeitos de cidades do interior, empresários e líderes do agronegócio da região sudeste, o que garante um tom mais ‘moderado’ à campanha petista”.
Já o Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB do Ceará, Raimundo Augusto Fernandes Neto, interpreta a aliança política de ambos como uma forma do presidenciável demonstrar que “independentemente da ideologia, ele [Lula] está sempre ligado à pessoas democráticas”. “Apesar de adversários, Lula e Alckmin sempre se comportaram como tal, nunca como inimigos. E têm em comum o propósito de reestabelecer o ambiente democrático, que foi seriamente ‘lesado’ nos últimos 4 anos. Para tanto, se uniram, comprovando algo até então inimaginável, mas que para o momento se fez necessário”, destaca.
Do ponto de vista religioso, a doutora em Ciência Política pela UFPE, Priscila Lapa, afirma que por ser uma figura proveniente do conservadorismo paulista, Alckmin “tem uma capacidade de interagir com um público que o PSDB por si só não transita muito bem”. “Lula tinha dificuldade em fazer essa interlocução com públicos mais conservadores, e Alckmin tem o ajudado nesse sentido. Ele [Alckmin] representa o resgaste de um embate de ideias que antigamente existia no Brasil para um eleitor mais de centro, que consegue identificar na formação dessa chapa Lula-Alckmin uma sensação de equilíbrio no discurso e alívio para se pensar que extremo mesmo é o Bolsonaro”, complementa.
Em relação à economia, o professor de história pela UnB e mestrando em Educação e Diversidade na UNEB, Felipe De Farias Mendes, relembra a trajetória dos ex-vice-presidentes José Alencar e Michel Temer, durante os governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), e afirma: “Toda vez que o PT trouxe uma personagem da direita, do mercado, como vice, o partido ganhou”. Com isso, segundo ele, o PT não se compromete com assuntos caros para a esquerda brasileira, como a taxação de grandes fortunas, revisão da reforma trabalhista e o teto de gastos. Ainda, trazer uma pessoa da direita econômica, “acalma o mercado”, sinalizando a já esperada habilidade de Lula de mediar os lados e fazer alianças, agora, com o ex-governador de São Paulo.
Além disso, de acordo com o professor: “O eleitorado do interior de São Paulo costuma ser mais conservador, do que o da capital. A presença de Geraldo Alckmin consegue trazer alianças que estão no campo da direita”. Segundo pesquisa Datafolha realizada em 4 de dezembro de 2017, durante o último ano de Alckmin (na época PSDB) como governador do Estado de São Paulo, seu índice de aprovação no interior era 40%, maior do que na capital, com 24%. Uma semana antes do primeiro dia de eleição, 20 prefeitos do PSDB do interior de São Paulo disseram a Alckmin que devem apoiar Lula no primeiro turno.
E destacou: “Alckmin migrou de um partido como o PSDB para um mais de centro esquerda, mas ele continua sendo Alckmin. Caso Alckmin assuma, que a gente não pode descartar vendo o avanço da idade do Lula, o risco é ele mudar as políticas econômicas e sociais, que são os principais pontos de divergência entre a própria história do Alckmin e a do Lula”.
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Guilherme Boulos, em entrevista no Roda Viva no dia 3 de outubro, afirma que a aliança com a figura católica e conservadora se vê essencial para restabelecer a democracia ameaçada por Jair Bolsonaro. “Em nenhum momento as ideias liberais do Alckmin foram incorporadas ao programa de governo da chapa Lula-Alckmin, não houve qualquer promessa nesse sentido”, reforça o recém-eleito deputado federal. “O Alckmin foi posto como expressão de uma frente democrática anti-Bolsonaro”, finaliza.
Contudo, em entrevista ao Jornal Nacional, Lula disse aos apresentadores que “ele [Geraldo Alckmin] não irá me ajudar a ganhar eleição. Ele vai me ajudar a governar”. A população responde a tal articulação da Coligação Brasil da Esperança, identificando-a como “moderada”, segundo levantamento feito pela Quest. A candidatura, feita “a quatro mãos”, como os candidatos afirmam, diminui as tensões e incertezas que circundam a imagem de Lula por parte da população.
Apesar do candidato petista ser historicamente considerado um político de esquerda e defender pautas como cotas raciais, estatuto do desarmamento e a consolidação de fortes empresas estatais, o ex-presidente da república entende que não conseguirá passar as suas propostas a frente sem negociação, uma vez que as eleições para o Senado e para a Câmara favoreceram o partido de Bolsonaro e que negociar será imprescindível para a chamada “governabilidade”.
A “importância” histórica de um vice-presidente e os embates políticos entre Alckmin e Lula
Se há algo que o brasileiro já deveria ter aprendido é de que o vice não é um cargo “só para preencher campanha” nas eleições. Dos 38 presidentes do período republicano no Brasil, oito destes haviam sido vices, sendo dois os que assumiram o cargo máximo do executivo através do processo de impeachment.
Lula (PT), no entanto, convidou Geraldo Alckmin (PSB) para ser seu candidato a vice, fazendo com que a reação de seu eleitorado fosse imediata, tanto os que apoiaram a chapa, assim como os que teceram duras críticas à união dos candidatos. Vale lembrar que ambos travaram embates ideológicos dentro da política brasileira nos últimos 16 anos. Em 2006, por exemplo, disputaram à presidência da república e foram para 2º turno, eleição essa que teve como vencedor o então candidato à reeleição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Outra corrida presidencial que os dois políticos disputam, ainda que indiretamente, ocorreu no ano de 2018. Alckmin era candidato pelo PSDB e Lula, que havia sido preso por corrupção e lavagem de dinheiro, estava apoiando o candidato pelo PT, Fernando Haddad. Daí vem o logotipo usado na campanha de Haddad: “Haddad é Lula”, como se o ex-prefeito de São Paulo representasse o ex-presidente petista nas eleições daquele ano.