Em conversa com o Centro Acadêmico Vladimir Herzog, Jamil Chade analisa a imagem externa brasileira durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL)
Jamil Chade estampa uma extensa e reconhecida carreira como jornalista e correspondente internacional. O colunista no UOL foi o convidado do último episódio do CAVHCast, transmitido ao vivo pelo YouTube na quarta-feira, 10 de agosto. O CAVHCast é o programa de entrevistas do Centro Acadêmico Vladimir Herzog, representação estudantil dos estudantes da Faculdade Cásper Líbero.
Por trás dos bastidores da diplomacia na Organização das Nações Unidas (ONU), o mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra consegue reconstruir o atual panorama do país entre a comunidade internacional ao longo do último governo: “O Brasil passou de ser uma ameaça ambiental, para uma ameaça sanitária, e agora uma ameaça à democracia. O governo Bolsonaro, em três anos, proliferou ameaças ao mundo”.
Velejando isolado
Jair Bolsonaro (PL) tem “velejado” o Brasil por águas isoladas da comunidade internacional, ao exemplo de seu padrinho no nacional-populismo, o ex-presidente americano Donald Trump. Para Chade, o governo tranca-se cada vez mais numa agenda de extrema-direita, hostilizando multilateralismos. “O outro lado não tem constrangimento de usar mentiras para criar uma realidade paralela que favoreça seu discurso”, afirma Jamil.
Para o colunista, uma das realidades paralelas mais exageradas é a de que há interesses “globalistas” em relação à Amazônia. A ONU discute, sim, soluções para a região, mas não ao nível de representar – pelo menos no patamar atual de debate – alguma ameaça à soberania brasileira. O organismo multilateral precisa, evidentemente, discutir questões como o massacre de ativistas e indígenas no território, bem como as consequências das mudanças climáticas no bioma. De onde viria, afinal, essa obsessão paranóica do governo?
“O nome ‘Bolsonaro’ passou a ser reconhecido por um crime ambiental. É assim que começa sua trajetória internacional”
De acordo com Jamil, a disputa entre o governo e os olhares do exterior precede a má gestão durante a pandemia de covid-19. O problema começa já em 2019, com as queimadas na Amazônia escancaradas mundo afora. Causadas pelo desmatamento, como indicam relatórios do Greenpeace Brasil, tais queimadas ocorrem em decorrência de crimes ambientais que têm sido levianamente ignorados pelo governo, se não ocultados e apoiados por membros do alto escalão, como o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Jamil Chade analisa que a mobilização da comunidade internacional contra esses crimes foi transformada pelos sectários do governo em uma luta de “bem contra o mal”. Nesse sentido, começa um discurso de que “vão roubar a Amazônia, invadir a floresta e ferir nossa soberania nacional”.
Terra sem lei
“O crime organizado já tomou conta daquilo ali [Amazônia]. São grupos locais com ligação direta com políticos da região. Então, a soberania já não existe mais.”
“Ali” é o lugar onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos. O mesmo lugar em que as terras e os povos yanomami vêm sendo violados por garimpeiros. Lugar no qual 313 pessoas (77% do total) foram mortas por conflitos no campo ao longo dos últimos 10 anos, de acordo com relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Refém do crime organizado que controla a região, a Amazônia está alheia às leis e do governo. Direitos e integridade dos cidadãos que vivem nela são violados. Como aponta Jamil, já não há mais soberania na região, apenas uma nova ordem paralela estabelecida pelo crime.
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Em 2021, veio à tona o caso dos garimpeiros no Rio Madeira. Balsas com dragas de garimpo se estabeleceram no rio para explorar ilegalmente o ouro que supostamente poderia ser encontrado no leito do rio. Afetando a vida das comunidades ribeirinhas que ali viviam e a preservação da região, a Polícia Federal decretou a destruição das balsas e ateou fogo em mais de 130 equipamentos apreendidos por crimes ambientais.
Por trás da invasão, foram relatados abusos às comunidades ribeirinhas e exploração sexual de crianças e adolescentes. Em matéria do portal Amazônia Real, ribeirinhos relataram o retorno da atividade extrativista. “O que nós precisamos falar é sobre o resgate da soberania. Para isso, o Estado precisa voltar, não com uma operação militar, ele precisa voltar na garantia dos direitos daquelas populações daquelas áreas e também na garantia da preservação [da floresta]”, destaca Jamil Chade.
A inviolabilidade das marcações, vale o destaque, é assegurada pela Carta das Nações Unidas. Jamil aponta que, sim, existem interesses comerciais na Amazônia, mas sua preservação é mais urgente do que tudo, visto que nem o presidente do país dá atenção ao tema.
Danos colaterais
A passagem de Bolsonaro pela presidência do Brasil manchou a reputação do país no exterior. De referência na diplomacia, o país virou motivo de chacota no exterior. Seja dentro do parlamento francês, que ri do governo por ainda promover a prescrição de cloroquina contra a covid-19, ou dentro da própria ONU, onde diplomatas riem dos embaixadores brasileiros que ainda tentam vender o Brasil como modelo a ser seguido na defesa dos direitos humanos.
Jamil aponta a imagem positiva no exterior como uma política de desenvolvimento para o país. Sem credibilidade, o governo afasta possíveis investimentos e contratos que podem ser realizados com o Brasil.
Para recuperar a credibilidade, Chade aponta um longo trabalho que os próximos governos terão de fazer. Um trabalho de imagem e mudança de postura deverá ser levado adiante para reestruturar o Brasil deixado por Bolsonaro, sucateado e tachado como ameaça ambiental, sanitária e antidemocrática para a comunidade internacional: “O Brasil se tornou um bastião da extrema-direita no mundo. Passou a cobrir uma agenda específica. Logo o nosso país, que possui uma rede ao redor do mundo”.
Jamil acresce que os danos, entretanto, não são irreparáveis: “O Brasil não desapareceu da ONU, se manteve ativo, mas para cobrir os interesses da extrema-direita. A primeira grande mudança que vai ter que acontecer é o retorno à agenda de desenvolvimento nacional. Precisa repensar a postura sobre Amazônia, acordos comerciais, guerras e campos sociais… Não vai ser uma ‘lua de mel’ mudar o governo, o trabalho vai ser muito duro”.