Em meio a duras críticas ao resultado de eleições na Venezuela, especialista analisa postura equilibrada do Brasil. “Tentou mediar a crise”
No dia 29 de julho de 2024, o conselho nacional eleitoral da Venezuela declarou a vitória de Nicolás Maduro, sendo reeleito para um mandato de 6 anos. A oposição, porém, contestou o resultado, já que as atas eleitorais nunca foram divulgadas. As pesquisas indicavam que Edmundo González, candidato da oposição, tinha 60% das intenções de voto.
Maria Corina Machado, líder da oposição, em um discurso após a divulgação do resultado, categorizou as ações do mandatário venezuelano não só como fraude, mas como uma violação grosseira da soberania popular. Mediante as acusações de fraude, muitos países não reconheceram a vitória de Maduro, dentre eles: Chile, Uruguai e Costa Rica. Em agosto, após declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil se juntou aos países que não reconhecem a legitimidade do resultado da eleição venezuelana.
Para entender melhor como fica esse cenário, ESQUINAS entrevistou Marcela Franzoni, internacionalista formada pela UNIFESP, mestra e Doutora em Relações Internacionais, pelo programa San Tiago Dantas, especializada em América-Latina. Atualmente leciona no Centro universitário Belas Artes e no IBMEC-SP.
P. Qual a importância do Brasil, no contexto global e latino-americano, se posicionar firmemente a favor da democracia?
“A política externa Brasileira sempre buscou não se posicionar e não interferir nos assuntos de outros estados, principalmente países em desenvolvimento. A complexidade do Brasil em relação à Venezuela é o fato de que, por um lado, existe uma cobrança do sistema internacional cada vez maior de que os países se posicionem em relação à violação dos direitos humanos e na questão da democracia. Ao mesmo tempo, existe uma linha de ação na política externa brasileira que não interfere nos assuntos internos de outros estados. Essa foi a complexidade da posição em relação à Venezuela.”
P. Durante o Governo Bolsonaro, o Brasil se distanciou da Venezuela, mas, com a volta Lula ao governo, as relações diplomáticas foram realinhadas, com Maduro convidado para visitar o Brasil. O que explica a mudança no posicionamento do Presidente em relação ao governo Venezuelano?
“Eu acho que sempre houve um certo alinhamento político e ideológico do governo brasileiro, principalmente o governo do PT, em relação ao Nicolás Maduro. É importante pensar que essa cobrança em relação a democracia, e em relação ao sistema político venezuelano, tem aumentado nos últimos meses. O Brasil participou da mediação do acordo de Barbados em 2023, que propunha e acordava junto com o governo e a oposição a realização de eleições livres, e o que a gente viu foi uma série de denúncias de fraude no sistema eleitoral venezuelano. Vários governos da América Latina tiveram posições bastante duras logo de início em relação às eleições alegando que foram fraudadas. O Brasil tentou ter uma posição mais cautelosa para mediar essa crise venezuelana.”
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P. Apesar do governo Lula não reconhecer a vitória de Maduro, o Presidente declarou que não pretende cortar relações com o país, como você avalia esse posicionamento?
“Me parece que não dá para cortar as relações com a Venezuela. Ela é nossa vizinha, temos uma série de temas em comum. Existe uma preocupação aqui na região da América Latina, com relação à instabilidade da Venezuela, e os impactos que podem reverberar para os outros países da região. Cortar relações com a Venezuela, de fato, não me parece o melhor caminho. Me parece que ação do governo brasileiro foi muito condizente à tradição da política externa brasileira.”
P. O posicionamento do governo brasileiro, em relação a Venezuela, pode mudar em janeiro de 2025, quando começar o novo mandato de Maduro?
“Com relação ao novo mandato de Maduro, isso vai acontecer. Vai acontecer porque as relações internacionais são pautadas pelo princípio da soberania, muitas pessoas adotam uma política mais dura em relação a Venezuela, mas o Brasil não tem o que ganhar se cortar relações com ela, e ao mesmo tempo precisa preservar esses, princípios que são fundadores do direito internacional. O que a gente tem visto é uma comunidade internacional bastante mobilizada em relação a isso. O Brasil não ganharia com isso e não deveria ter uma posição nesse sentido.”
P. Assim que o resultado das eleições foi divulgado, o Partido dos Trabalhadores (PT) reconheceu a vitória de Maduro. Lula, porém, não o fez. O que isso quer dizer?
“A posição do PT me pareceu bastante precipitada, justamente em um momento em que o governo e a diplomacia brasileira estavam tentando fazer essa mediação em relação ao governo venezuelano e a oposição. O que aconteceu foi uma divergência no núcleo do PT, parte do partido apoiando a eleição do Nicolás Maduro e a outra parte pleiteando uma posição mais dura em relação à própria Venezuela. Acabou, na minha visão, atropelando um pouco desses esforços diplomáticos.”