O impacto do conflito entre Rússia e Ucrânia se espalhou pelo planeta, e alguns países saíram ganhando com isso
Consequências da Guerra na Ucrânia: qual o impacto econômico?
A guerra na Ucrânia também deve ser analisada sob a esfera do seu impacto econômico mundial. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) fez algumas projeções que indicam que a guerra deve consumir cerca de US$ 2,8 trilhões, até o final de 2023.
Com relação à essa conjuntura, Adalton Franciozo Diniz, economista formado pela PUC SP e doutor em História Econômica pela USP, avalia que a cadeia de distribuição global já estava desorganizada, por conta da pandemia.
“A guerra atingiu em um momento que a economia mundial já estava fragilizada. A guerra afeta um aspecto importante dessa economia, o mercado de commodities: petróleo, gás e produção agrícola.”
Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções contra o petróleo russo, o que levou a um aumento do seu preço. O barril chegou a ser negociado a US$ 129,78, atingindo seu nível mais elevado desde o ano de 2008. As exportações marítimas russas também sofreram com a imposição de um teto de preço. A Rússia chegou a responder às medidas ocidentais cortando em torno de 5% da sua produção de petróleo, o que eleva ainda mais o seu preço.
Dado que as cadeias produtivas não podem ser pensadas isoladamente, o preço do petróleo, diretamente ligado ao preço dos combustíveis, impacta em inúmeras esferas, como a dos alimentos. Além disso, a Rússia é uma grande exportadora de trigo e a Ucrânia de milho. Por conta dos conflitos, a produção diminuiu, já que uma porção das lavouras não foi semeada. O recente bombardeio russo aos portos ucranianos, após a quebra do acordo de grãos, elevou ainda mais o preço das commodities agrícolas.
O Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação atingiu, em março de 2022, seu maior nível desde 1990. As consequências mais graves da crise dos alimentos se deram nos países economicamente mais frágeis, que dependem, em sua maioria, dos grãos provenientes da Ucrânia. No intuito de contornar o impacto disso, Vladimir Putin prometeu grãos sem custo para alguns países africanos.
A energia é mais uma questão sensível no conflito, principalmente para os países da União Europeia, que importam em torno de 40% do gás natural russo. Destaca-se ainda que grande parte desse gás é canalizado, atravessando terras ucranianas. Com a guerra e as sanções impostas à Rússia, Putin diminuiu as exportações para a Europa, que busca por alternativas. O preço do gás também aumentou.
As sanções causam outros efeitos no mínimo estranhos, como o fato da Índia, país sem nenhum poço de petróleo e maior comprador da matéria prima russa, que embarcou por volta de 90 mil barris de gasolina e diesel para os Estados Unidos em janeiro de 2023, maior volume em quatro anos. Para a Europa, os recordes se mantêm, com 172 mil barris de diesel exportados, maior número desde 2021.
Anderson Calefi, Commodity Trader para Sucden Asia em Hong Kong, explica que atividades de atravessador estão gerando milhões de dólares em lucro para empresas no sudeste asiático como Hong Kong, Singapura, Tailândia etc.
Esses desdobramentos e impactos da Guerra no comércio internacional causaram um aumento da inflação no Ocidente. Como resposta, os juros aumentaram, o que encarece o crédito e leva à uma queda do consumo. Adalton avalia que o maior prejudicado pela Guerra, além da própria Ucrânia, é a Europa, destacando o cenário inflacionário.
Quanto ao Brasil, o economista analisa que o país é um ator secundário nesse cenário internacional, mas que, em certa medida, consegue tirar algumas vantagens dele. “Esse recuo da Ucrânia no mercado internacional de milho e trigo beneficiou o Brasil. A produção e exportação brasileira de grãos aumentou, ocupando parte desse vácuo. No caso do petróleo, não podemos esquecer que, se por um lado o Brasil demanda por petróleo, ele também é ofertante. Eu diria que é quase um jogo de soma zero.”
Por fim, Adalton pondera que a história econômica vive ciclos de abertura e retração, apostando que, dentro dessa conjuntura atual, haja uma tendência de fechamento, em uma tentativa de proteger o nível de emprego e bem-estar. “Acredito que haja uma retração dessa globalização e abertura desenfreada. Na Europa já se percebe um movimento de retomada do que chamamos de economia de política industrial, por exemplo. Não sei qual vai ser a extensão desse movimento e apostaria que não voltamos para uma economia muito fechada como era há 40 anos, mas certamente teremos uma retomada de uma economia mais nacionalizada.”
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Quem está ganhando com a guerra?
É certo que os civis ucranianos não estão ganhando com a guerra, nem os russos convocados contra as suas vontade. A infraestrutura da Ucrânia jaz em ruínas com sua produção agro industrial. A Rússia viu embargos jogando sua economia próximo ao abismo, mas foi salva pelos chineses, sem perspectivas de grandes crescimentos nos próximos anos.
Militarmente, os entrevistados foram unânimes ao dizer que a Rússia fracassou na sua “operação militar especial”. No primeiro momento do conflito, todos se surpreenderam com a resistência ucraniana à invasão, considerando isso como uma vitória.
“É uma guerra que era muito interessante dos Estados Unidos, talvez menos pra Europa (por conta da crise energética que Gerou). Os Estados Unidos conseguiram trazer a Europa de novo para sua esfera de influência, de forma muito profunda. Talvez o maior feito nesse conflito foi afastar a China da Europa, principalmente nas áreas de cooperação em alta tecnologia”, explica o jornalista Yan Boechat, correspondente de guerra que esteve na Ucrânia cinco vezes durante o conflito.
Para Diniz, a maior vitória é da China. Segundo o professor, ela consegue manter a economia russa de pé mesmo com as sanções do ocidente, o congelamento das reservas internacionais e o atentado que acabou com o fornecimento de gás pelo NordStream. Além disso, a China aproveitou as ótimas condições para comprar participação em gigantes, como a Gazprom – maior empresa do ramo de gás no mundo.
Vários interesses dos Estados Unidos também foram atendidos no conflito.
“É uma guerra que era muito interessante dos Estados Unidos, talvez menos pra Europa (por conta da crise energética que Gerou). Os Estados Unidos conseguiram trazer a Europa de novo para sua esfera de influência, de forma muito profunda. Talvez o maior feito nesse conflito foi afastar a China da Europa, principalmente nas áreas de cooperação em alta tecnologia”, explica o jornalista Yan Boechat, correspondente de guerra que esteve na Ucrânia cinco vezes durante o conflito, destacando que a vitória dos Estados Unidos está no afastamento entre a China e a Europa e a reaproximação entre Washington e o velho continente.
Já a professora de Relações Internacionais Cristina Pecequilo, doutorada em Ciência Política pela USP, cita o muro real que se impõe sobre a Rússia: a entrada da Finlândia e da Suécia na OTAN corta qualquer passagem para o ocidente.
“Essa guerra utiliza a Ucrânia como um pivô para atacar a Rússia, mas também para atacar a China, indiretamente”, avalia Pecequilo ao afirmar que essa é uma Proxy War – Guerra de Procuração.
Apesar de não ter iniciado como uma guerra de procuração tradicional, Adalton, Pecequilo e Boechat concordam que ela se tornou uma, com China e EUA apoiando lados opostos, buscando o melhor resultado para si nesse conflito.
Não se pode deixar de lado o fato de que as exportações de energia dos EUA para a Europa aumentaram significativamente (gás natural e derivados de petróleo).
O lucro, ao custo de sangue e tragédia, continua a movimentar o mundo.
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