Tradição e articulação política: a escolha do Papa Leão XIV diante do novo contexto global - Revista Esquinas

Tradição e articulação política: a escolha do Papa Leão XIV diante do novo contexto global

Por Ana Laura Ayub : maio 12, 2025

“Acreditamos que todo esse processo é guiado pela ação do Espírito Santo”, diz o padre Paulo Rafael da Cruz Ribeiro. Foto: Wikimedia Commons/Edgar Beltrán/The Pillar

Cardeais de todo o mundo se reuniram no Vaticano para eleger o novo Papa, em um processo marcado por silêncio e busca pelo consenso

O dia 21 de abril marcou profundamente os corações dos fiéis católicos, e até mesmo de quem não compartilha da mesma fé. Foi nessa data que o Papa Francisco, líder da Igreja Católica, faleceu em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).

O falecimento do pontífice argentino, aos 88 anos, encerra um dos papados mais emblemáticos da história recente da igreja. Marcado por discursos de inclusão, reformas internas e posicionamentos progressistas diante de temas sociais nunca antes mencionados pela igreja, o que lhe rendeu tanto admiradores quanto críticos. A notícia da morte foi confirmada pelo Vaticano nas primeiras horas da manhã, gerando comoção mundial e mobilizando líderes religiosos, chefes de Estado e fiéis ao redor do globo.

Papa Francisco foi um pontífice marcante ao longo de sua trajetória na Igreja. Tornou-se Papa em 2013, após a histórica renúncia de Bento XVI, o primeiro a deixar o cargo em quase seis séculos. Com sua morte, a atenção do mundo se voltou ao Conclave, o tradicional processo que define o novo líder da Igreja Católica.

Após dois dias intensos de reflexões, orações e votações dentro da Capela Sistina, os cardeais eleitores chegaram a um consenso e a fumaça branca saiu: Robert Francis Prevost foi escolhido para liderar a Igreja Católica como Papa Leão XIV, tornando-se o primeiro pontífice norte-americano da história, um marco que reflete tanto a força global do catolicismo quanto os novos rumos que o Vaticano pode trilhar a partir de agora.

Conclave

Surgindo no século XIII, o Conclave é o processo tradicional, sigiloso e solene para a escolha de um novo Papa para a Igreja Católica. Conduzido exclusivamente pelos Cardeais eleitores da igreja, é realizado dentro da Capela Sistina, no Vaticano.  A palavra “Conclave” vem do latim cum clave, significando “com chave”, numa referência direta à prática de trancar os cardeais em reclusão total até que um novo pontífice seja escolhido.

Participam do Conclave apenas os cardeais com menos de 80 anos de idade completos antes do início da chamada Sé Vacante, o período entre a morte (ou renúncia) de um Papa e a eleição de seu sucessor. Esses cardeais formam o colégio eleitoral e são responsáveis por escolher, entre si ou fora do grupo, o próximo líder da Igreja Católica. Nesse conclave, foram cerca de 133 cardeais eleitores, vindos de diferentes países e continentes, o que reflete a diversidade global do catolicismo.

Vale ressaltar que, na semana que antecedeu o Conclave, os cardeais fizeram uma série de reuniões e assembleias, onde os eleitores discutiram a realidade do mundo atual, as necessidades da igreja e a realidade na qual eles estão inseridos. A partir dessas reflexões surge um perfil do qual é mais ideal para reger no momento. “Acreditamos que todo esse processo é guiado pela ação do Espírito Santo”, diz o Padre Paulo Rafael da Cruz Ribeiro, 31, do instituto Missionário Servos de Jesus Salvador. E de acordo com os cardeais, quem encaixa nesse perfil é o americano Robert Francis Prevost, naturalizado também como peruano.

Logo depois inicia a votação, todos fazem um juramento solene de manter absoluto sigilo sobre tudo o que ocorre no interior da Capela Sistina. Durante o Conclave, eles são isolados em alojamentos dentro do Vaticano, sem acesso a celulares, internet ou qualquer contato com o mundo externo, e qualquer violação do sigilo pode resultar em sanções severas, inclusive a excomunhão.

Para que um cardeal seja eleito Papa, é necessário que ele alcance uma maioria qualificada de dois terços dos votos, regra que busca garantir legitimidade e consenso dentro da Igreja. Ao final de cada sessão de votação, as cédulas são queimadas. Se nenhum candidato alcançar o número necessário de votos, a fumaça liberada é preta, sinalizando que ainda não há decisão certeira de quem será o próximo pontífice.

Quando o pontífice é finalmente eleito, um produto químico é adicionado para que a fumaça saia branca, o tradicional sinal de que Habemus Papam: temos um novo Papa.

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Nova organização mundial

A morte de um Papa e a consequente eleição de seu sucessor não são eventos que dizem respeito apenas ao Vaticano ou aos fiéis católicos. Trata-se de um acontecimento com repercussão global, que mexe com diplomacias, reconfigura alianças e interfere diretamente no papel que a Igreja exerce nas questões sociais, políticas e culturais do mundo contemporâneo.

Com o fim do Conclave nesta quinta-feira, 8 de maio, e a escolha de um novo Papa, o mundo fica incerto sobre os rumos que a Igreja Católica tomará diante dos desafios contemporâneos, desde questões sociais urgentes até o seu papel político em meio a um cenário global cada vez mais polarizado. “A figura do Papa tem grande influência na geopolítica, principalmente por defender ou se impor a certas causas”, afirma Maria Antonieta Ribeiro, 22 anos, jornalista especializada em Relações Internacionais.

A sucessão papal ocorre em um momento delicado para o cenário internacional: avanço de discursos extremistas, guerras em curso, crise climática e aumento das desigualdades sociais. Diante disso, a escolha de Leão XIV carrega o peso de expectativas que ultrapassam os muros do Vaticano e podem influenciar diretamente posturas diplomáticas e decisões políticas em diversas partes do mundo.

“A escolha do novo Papa obtém grande parte da atenção da mídia e de políticos”, observa Maria Antonieta. “Se o novo Papa for contra movimentos como: direitos das mulheres, causas LGBTQIA+, causas raciais, criminalização do assédio sexual, paz mundial, etc., as chances de haver um desequilíbrio dentro da Igreja e entre os fiéis são grandes. Mas um Papa se opor a assuntos como esses não influencia apenas a Igreja e seus fiéis – também impacta diretamente os meios políticos e decisões, principalmente em países católicos.”

Internamente, a Igreja Católica também passa por um momento de tensão e redefinição. De um lado, há cardeais que defendem a continuidade das reformas de Francisco, baseadas em abertura ao diálogo, inclusão e descentralização do poder eclesiástico. De outro, alas mais conservadoras pressionam por uma retomada de posturas doutrinárias rígidas, que remontam a períodos anteriores à modernização da Igreja. Papa Leão XIV terá, portanto, a difícil missão de mediar essas forças, conciliando tradição e renovação em um cenário global polarizado.

“Vai existir um impacto no equilíbrio dentro da Igreja e nas relações internacionais”, finaliza Maria Antonieta. “Mas isso não quer dizer que será algo necessariamente negativo ou positivo. O que realmente vai impactar são os ideais, ações e a maneira de governar do próximo Papa, que será também chefe de Estado.”

Enquanto o mundo observa os primeiros passos de Leão XIV no comando da Igreja Católica, permanece viva a memória do pontificado de Francisco – um Papa que buscou humanizar a instituição e aproximá-la dos que mais sofrem. Como resume o Padre Paulo, em tom de despedida:

“O Papa Francisco deixa para nós um legado de misericórdia… Acredito que esse é o legado do Papa Francisco: fazer com que o homem percebesse que não somos super-heróis, mas frágeis e que necessitamos uns dos outros, necessitamos amar, se doar, escutar e acolher.”

Editado por Luca Uras

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