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Por Guilherme Magalhães e Isabella Zugliani Edição #66

Do templo ao divã

Cientistas e homens da fé discutem a mente humana e a “cura” da homossexualidade

Em 1990, a homossexualidade saiu da lista de doenças mentais da Organização Mundial da Saúde (OMS). Já virou consenso pela comunidade científica mundo afora que a diversidade sexual é um traço da natureza humana. 

Apesar disso, terapias de reorientação sexual ainda são discutidas e implementadas. “Até a segunda metade do século 20, diferentes ramos da psicologia trabalhavam a ideia de que haveria uma justificativa para a homossexualidade, considerando-a uma forma desviante de viver. “À medida em que se avançava no campo da ciência e do ativismo, essa abordagem foi perdendo força e voz”, diz Jean Ícaro, psicólogo especialista em terapias cognitivo-comportamentais e autor do livro Cura Gay, que será lançado em março de 2020. 

Damares Alves, ministra da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, reuniu-se, em agosto de 2019, com uma comissão reacionária no Conselho Federal de Psicologia em apoio à chapa de psicólogos e “ex gays” favoráveis à “cura gay”. Eles foram derrotados na votação, mas a ministra fomentou a polêmica que retornou ao debate público.     

Os dois grupos que compunham a comitiva têm como ponto de encontro a crença na “cura gay”. Eles são o Movimento Ex-Gays do Brasil, uma parcela dissidente da comunidade LGBTQI+, e o Movimento Psicólogos em Ação (MPA), encabeçado pela psicóloga Rozangela Justino que, em 2009, foi advertida pelo Conselho Federal de Psicologia por oferecer tratamento de “reversão sexual”. Isso vai contra a Resolução N° 1/99, que há 10 anos estabelece normas de atuação para psicólogos em relação à orientação sexual dos pacientes e proíbe procedimentos que caracterizem a homossexualidade como passível de tratamento. O escândalo repercutiu e o discurso de Justino foi apropriado por aqueles que buscam preservar a heteronormatividade.

“A orientação sexual e a identidade de gênero são questões inerentes ao indivíduo e se estruturam nos primeiros anos de vida. O profissional de saúde não deve interferir nisso. Seu papel é respeitar o paciente e auxiliá-lo nesse processo que traz um estresse emocional e psicológico”, afirma o psiquiatra Marcelo Máximo Niel. “Pacientes que passam por terapias conversivas podem desenvolver disfunções sexuais, intensificação de depressões e ansiedades e tendência suicida”, completa.

 “Os terapeutas favoráveis às terapias de redesignação sexual se utilizam de leituras teóricas ultrapassadas”, revela Jean Ícaro. Ele afirma, ainda, que essa prática continua porque há interessados e que alguns psicólogos entendem que precisam ajudar essas pessoas a se livrar de um sofrimento. “O argumento vai pelo lado da benevolência, mas, na verdade, esconde preconceitos”, observa o psicólogo.

Waldemir da Costa, 59 anos, é evangélico e se considera um “ex-ex-gay”. A confusão na nomenclatura ilustra sua conturbada história de vida. “Minha sexualidade me incomodava muito porque eu achava que deveria ser hétero. Na adolescência, não demorou para eu começar a participar dos rituais da igreja. Tive que fazer jejuns, promessas e rezas insistentes. Foi um processo de anos.”, desabafa. Ele casou, teve filhos e chegou a pensar que esse assunto nunca mais bateria à sua porta. Mas revela emocionado: “Isso nunca saiu de dentro de mim”.

Apesar da existência de profissionais da área da saúde que se valem de seus diplomas para tentar “corrigir” a homossexualidade, considerando-a um desvio de comportamento, há religiosos que não acreditam nas terapias de reorientação sexual e acolhem aqueles que sofrem com a lgbtqfobia.     

Ainda que uma instituição milenar como a Igreja Católica tenha suas doutrinas e fundamentos, o maior representante dela, o Papa Francisco, declarou, em abril de 2019: “Se alguém tem uma tendência ou outra, isso não lhe tira a dignidade como pessoa. Quem decide rejeitar o outro por um adjetivo não tem coração humano”. Uma postura mais acolhedora que já vem sendo adotada por alguns clérigos no Brasil.

Em Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo, a Igreja da Garagem, do Pastor João Berlofa, está sempre aberta para todos. “Há dois mil anos, Jesus falou sobre a Igreja, mas ela acabou virando o que é hoje: uma instituição hierárquica, dominante e machista. Nossa proposta é nos desligar  de tudo isso. Não temos uma ideia hierárquica, mas horizontal. Somos uma igreja protestante que não exclui absolutamente ninguém”, comenta Berlofa, evangélico de criação e filósofo de formação. 

“Acolho com muito carinho aqueles que fazem parte do movimento LGBTQI+ e que querem viver a sua espiritualidade cristã. Sempre penso em fazer o que Jesus faria se estivesse no meu lugar. Ele acolheu os marginalizados: prostitutas, cobradores de impostos e estrangeiros. Ele foi extremamente carinhoso e inclusivo com quem era colocado à margem. E eu não faria diferente”, afirma o padre Pedro Luiz Amorim.  

Padre Amorim finaliza: “Eu sou categórico, não acho que exista a “cura gay”. Até porque é uma violência e isso não combina com o Evangelho de Deus naquilo que foi revelado por Jesus Cristo”.