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Por Amanda Prado e Luca Castilho Edição #66

Os perigos da simplificação

Diretor científico da Fapesp analisa o cenário atual das pesquisas no Brasil

Fundamentais para a pesquisa científica no Brasil, as bolsas de estudo sofrem com uma sequência de cortes iniciada em 2015. No governo de Jair Bolsonaro, a crise se aprofundou. Em menos de um ano de mandato, 11.811 beneficiados foram afetados – o equivalente a 12% das 92.253 bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado financiadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Além dela, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foi muito prejudicado pela falta de verba. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) é financiada pelo Estado paulista e ainda não foi vítima direta dos cortes. Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, explicou sua visão sobre à forma como a educação e a pesquisa são tratadas no País.

_Quais as diferenças de investimento em pesquisa e educação na Fapesp desde 2005, quando o senhor assumiu a direção científica da instituição?

Houve um crescimento importante no financiamento até por volta de 2012, seguida por uma estabilização e uma queda em 2015, por causa da crise econômica que se instalou no País.

_O senhor já havia presenciado um corte da magnitude do que foi anunciado para o ano de 2020?

Não, mas são coisas diferentes. No estado de São Paulo, o governo tem tido uma política responsável sobre financiamento do ensino superior e pesquisas quanto ao uso dos recursos estaduais. A Constituição obriga a aplicar 1% da receita tributária na Fapesp e um decreto do governador estabelece o repasse de 9,57% dos tributos ao ensino superior. A dificuldade nesse financiamento é que, assim como a atividade econômica do Brasil, a receita tributária do Estado ficou menor. Não é um corte porque não tem o ato de cortar. Eles pagam 1% e, como a receita caiu, esse 1% fica menor. Outra questão é o financiamento federal, que sofreu uma queda muito forte a partir de 2014. Eles financiam as pesquisas no estado de São Paulo pelo CNPq, Capes e Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Metade delas são financiadas pela Fapesp, 30% pelo Capes e 20% pelo CNPq. A pesquisa funciona direito aqui porque tem as três instituições envolvidas.

_O presidente Bolsonaro twitou, no dia 26 de abril de 2019: “O Ministro da Educação @abrahamweinT, estuda descentralizar investimentos em faculdades de Filosofia e Sociologia (Humanas). Alunos já matriculados não serão afetados. O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: Veterinária, Engenharia e Medicina.” Como o senhor enxerga essa escolha  de tirar verbas já previstas para a educação a fim de investir em outras áreas?

O governo atual aparenta gostar de agredir a educação e a cultura sempre que pode, não valorizando a descoberta científica e a pesquisa. O presidente e o ministro da educação prezam atividades de pesquisa que, segundo eles, trazem resultados imediatos, o que me parece um erro sério. A pesquisa que traz resultado imediato é feita usando o conhecimento que foi construído há muito tempo. É isso o que está nos acontecendo, é uma simplificação, um mal entendimento do que é o processo de criação do conhecimento e de riqueza a partir dele. Em universidades no mundo inteiro, a contribuição é criar ideias mais complexas e fundamentais que, em muitos casos, só trarão resultados dali a dez ou vinte anos. Enquanto isso, empresas têm suas próprias atividades de pesquisa e criam ideias que vão ter benefícios imediatos porque precisam disso.

_Então há um erro na visão do que seja pesquisa científica no Brasil por parte do atual governo?

O erro no entendimento do governo é não perceber que tem um tempo e uma função social diferentes para pesquisas feitas nas universidades e nas empresas.  As pessoas no Brasil supõem que o único lugar da pesquisa é na universidade e que ela criará a Filosofia, a Arte, a Psicanálise, a Engenharia Química e a empresa pegará o que interessar e fará um produto. Não é desse jeito. Os países desenvolvidos que produzem riqueza a partir do conhecimento, em geral, têm mais pesquisadores nas empresas do que nas universidades. O Brasil tem um desequilíbrio nisso: menos pesquisadores nas empresas e mais nas universidades, com dificuldade para converter conhecimento em riqueza.

_Levando em conta essa “simplificação”, que problemas, principalmente na área da educação, estão à espera de soluções?

É normal que a população queira uma solução simples para todos os problemas. Quem precisa compreender a complexidade e construir os instrumentos direito são as lideranças no governo, nas empresas e nas universidades. Em Brasília, parece que o presidente e o ministro da educação não entendem isso. Eles têm a responsabilidade de fazer funcionar uma coisa complicada, que não se resolve com palavras fortes, xingamentos e agressão. A gente só vê isso e é preocupante.

_A proposta elaborada para 2020 por Bolsonaro prevê reduzir 18% dos recursos do Ministério da Educação em relação aos valores de 2019. Os cortes vão desde a educação básica até a graduação e pós. Como o senhor enxerga isso?

É preciso ver como o Congresso vai aprovar o orçamento. Se fizerem os cortes que foram anunciados para a CNPq e Capes, vão prejudicar desde a qualidade da saúde, da segurança pública, da educação até a capacidade do Brasil de fazer pesquisa e de criar conhecimento para beneficiar os brasileiros. Até agora não há um plano de governo e uma aparente inimizade com a universidade pública. Se por um lado a maior parte das matrículas está nas universidades privadas, por outro, a maior parte da atividade de pesquisa de criação de conhecimento está nas universidades públicas. Então, essa agressividade do governo para com as universidades públicas poderá trazer prejuízos sérios ao Brasil, fáceis de fazer e difíceis de consertar. Eles não percebem que as pessoas estão sendo educadas para dar benefícios ao contribuinte.

_O que o senhor diria para quem acredita que toda pesquisa deve ter uma utilidade prática?

Não é razoável esperar que toda pesquisa tenha uma utilidade daqui a pouco tempo. Por exemplo, pesquisar arqueologia dos hominídeos que habitaram a América. Você não vai construir uma empresa com isso e nem curar nada, mas todos querem saber a origem dos nossos antepassados. É preciso fazer essas pesquisas para saber sobre o mundo.