O Brasil enfrenta um cenário de forte polarização política desde 2016, e o motivo pode ser explicado pela neurociência
Na manhã desta segunda-feira (29), cerca de 105 milhões de brasileiros, que votaram entre os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) no dia de ontem, acordaram com um novo presidente. Porém, o clima de tensão dentro de lares, no trabalho e até mesmo em escolas é o mesmo. Com uma diferença de um pouco menos de 11% dos votos válidos, Bolsonaro, de 63 anos de idade e 30 de política, é o novo líder da nação. Dividido, é nesse clima de polarização política que 55,1% do Brasil alega, após 14 anos de poder do PT, estar renovando a confiança da população em um sistema posto em xeque.
O cientista político da Universidade de São Paulo (USP) Márcio Juliboni explica que a maioria dos brasileiros está cansada dos debates políticos e busca verdades particulares para comprovar suas ideologias e crenças. “Construir mensagens é um equilíbrio entre você passar a quantidade exata de informação sem fazer ele [o receptor] perder tempo e energia. Em uma situação tão radicalizada de discurso político, vai todo mundo para os memes de Facebook. Você perde a riqueza e o que é necessário para tomar decisões que vão impactar a vida de todos”, afirma Juliboni.
Diante desse cenário sociopolítico, o professor do curso de Jornalismo no Instituto Presbiteriano Mackenzie atenta para os “atalhos mentais”, uma característica biológica que foge das noções básicas dos extremismos políticos. “A simplificação é muito boa para melhorar a receptividade de uma mensagem. Nós, humanos, somos condicionados a filtrar estímulos. É da natureza humana economizar energia”, explica.
Segundo a psicóloga formada pela PUC Paraná Araiê Berger, atalhos mentais são desvios da psique que buscam otimizar tomadas de decisão sempre que problemas mais complexos surgem. “Como há um automatismo no processo mental, não pensamos com profundidade sobre todas as nuances de uma questão-problema, e isso nos induz ao erro de reflexão”, comenta.
Os estudos mais recentes no campo da neuropolítica mostram que a polarização vai muito além das questões ideológicas. Berger cita pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos, por exemplo, que mostram as áreas cerebrais ativadas quando pessoas de diferentes opiniões políticas são analisadas. “Existem diversos estudos científicos sistematizados em andamento que sugerem haver semelhanças neurobiológicas e genéticas em indivíduos com ideologias ditas de esquerda ou de direita”, de acordo com a psicóloga.
Porém, mesmo com as pesquisas recentes, a neurociência ainda não é capaz de comprovar que apenas os fatores biológicos e genéticos são os responsáveis por influenciar a tomada de decisões políticas. Não é possível polarizar as origens da própria polarização. É um fenômeno que deve levar em conta a ótica da complexidade humana desenvolvida por Edgar Morin e outros teóricos da comunicação.
Segundo o neurocientista mestre em Comunicação na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Uscs) Aristides Brito, as eleições de 2018 foram marcadas pelo conceito de atalhos mentais. “É como se a gente fosse para uma zona de conforto. Na prática, eu estou indo para um lado ou para o outro de acordo com as informações que eu resolvi colocar como verdades para mim. A partir daí, a gente se bloqueia de todas as outras informações”, relata.
Desse tipo específico de atalho mental, chamado de Heurística, surge o conceito de pós-verdade. “Ficou uma situação em que a campanha eleitoral se tornou uma campanha que está sendo ditada pelas Regras Heurísticas de Afeto. A pessoa abraça aquilo [a informação dita verdadeira] e leva até o fim. Por isso, tantas brigas e polarizações”, lembra Brito.