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Por Luana Gotardo Edição #63

Sátira digital

Memes já estão no museu e são cada vez mais usados como forma de expressão política no Brasil

Os memes podem ser entendidos como uma ideia em imagem digital, que viraliza rapidamente por meio da internet, correspondendo em geral à alteração humorística ou satírica de outra imagem. O termo vem do grego mimema, que significa algo imitado, copiado. O biólogo Richard Dawkins usou a expressão pela primeira vez em 1976 no livro “O Gene Egoísta”, em que descreve o ser humano como fruto de dois tipos de replicação constante: a de genes, por meio da formação do código genético, e a de elementos culturais, chamados de “meme”. O conceito, na época, dizia respeito aos componentes responsáveis pela formação social de um indivíduo, desde suas superstições até a política de uma sociedade.

Com a chegada dos ambientes digitais, o conceito se tornou insuficiente. Pensando nisso, a Universidade Federal Fluminense (UFF) passou a proporcionar desde 2012 encontros regulares entre os alunos para o estudo dessa forma de expressão que só crescia. A iniciativa, em 2015, passou a ser o #MUSEUdeMEMES, “dedicado à preservação da memesfera brasileira”, como se autodefine. Viktor Chagas, coordenador do projeto, afirma que o museu surgiu da busca dos próprios alunos por bibliografias e conhecimento a respeito do tema.

Memes são um caminho mais fácil para acessar diversos assuntos, como a política. Usando piadas simples, imagens e associações a ícones da cultura pop, eles simplificam e transformam acontecimentos complexos em entretenimento, tornando-os mais atrativos. “Estamos acostumados a encarar a política como uma atividade séria e que demanda muito rigor. Mais pessoas ganharam acesso ao debate político, pessoas que não tinham o costume de debater política”, comenta Chagas. A criadora da página Esquerdogata Felinazi do Facebook, com cerca de 40 mil curtidas, que não quis ser identificada, acrescenta que esse processo de transformar uma ideia complexa em um conteúdo imagético simples, engraçado e que gere uma reflexão no leitor é o maior desafio de quem os produz.

Eles tornam o debate público acessível, interessante, e podem ser o estopim para uma curiosidade maior pela política. João Victor Roubertie, de 19 anos, anarcocapitalista e dono da página República do Ancapistão, com 12 mil curtidas, não hesita ao declarar o papel que essa forma de comunicação teve na sua formação política. O meme fez ele se interessar e pesquisar sobre economia e o movimento que defende.

Esse interesse pode ser gerado também pelo questionamento da veracidade das informações dos memes. Foi o que influenciou Gabriel Amorim, colaborador de 16 anos da Corrupção Brasileira Memes, com um milhão de curtidas. Por causa dessa dúvida, passou a se aprofundar no debate político e a preparar seu próprio conteúdo, divulgado entre amigos e em páginas da internet.

Por mais que a viralização de memes envolva pequenas ações individuais, como curtidas e compartilhamentos em redes sociais, o coordenador do #MUSEUdeMEMES afirma que eles dão vazão a uma ação coletiva. Isso se dá pelo acúmulo das interações, o que chama atenção. Assim, o conteúdo está mais próximo da população e gera um maior sentimento de pertencimento dentro do movimento político. Amorim relaciona a viralização à quantidade de pessoas que concordam com a ideia expressa no meme. Isso faz o jovem sentir sua opinião mais ouvida e o motiva a continuar a produção memética.

Essa capacidade de retórica causada pela grande propagação também funciona como uma forma dos representantes políticos se aproximarem das camadas populares. Rômulo Teixeira, de 23 anos, é administrador do Partido Memista, com 18 mil curtidas. O jovem classifica a página como “de direita, mas que atira para todos os lados” e lembra até hoje do meme que o fez começar a pensar sobre ideologias políticas. Ele o descreve como um personagem usando um computador que não funcionava, antes deste exibir uma imagem do martelo e da foice, símbolos do Comunismo. O meme alude ao sistema como falho, que, tal qual o computador, “não funciona”.

Essa forma de comunicação foi também explorada em 2016, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Na ocasião, aqueles que eram opostos à então Presidente disseminavam ideias machistas e difamadoras de sua imagem. Porém, ainda eram de produção e circulação popular.

Chagas não pode afirmar com certeza qual o futuro dos memes, mas acredita que serão cada vez mais utilizados por membros da política para disseminar suas campanhas, o que será bastante observado nas eleições de 2018. Podem ser apropriados por políticos para a manutenção do poder, mas não deixarão de ser uma manifestação cultural de toda a população.