Ator negro promove paralisação em Carrefour do Rio de Janeiro em protesto ao assassinato de João Alberto - Revista Esquinas

Ator negro promove paralisação em Carrefour do Rio de Janeiro em protesto ao assassinato de João Alberto

Por Matheus Silva : dezembro 18, 2020

O homicídio intensificou as manifestações antirracistas no Brasil e obrigou o Carrefour a se posicionar

No dia seguinte à morte de João Alberto, homem negro assassinado em um Carrefour de Porto Alegre, o ator e comunicador Ricardo Fernandes, 31 anos, se reuniu com um grupo de manifestantes em frente ao Carrefour da Barra da Tijuca e se surpreendeu quando encontrou o mercado aberto. Para ele, seria importante que o estabelecimento fosse fechado naquele dia como um ato de respeito à vítima, além de ser dia da Consciência Negra.

Indignado, Ricardo então começou a pensar em maneiras de intervir na operação da loja, até que encontrou um jeito. “A gente organizou as pessoas e deu a instrução para que elas entrassem no mercado, fizessem a ‘compra dos sonhos’ e, quando chegassem no caixa, dissessem que estavam sem dinheiro ou que tinham desistido da compra”, conta. Segundo ele, a ação travou todos os caixas e o estabelecimento não conseguiu resolver o problema, fazendo com que, de fato, o Carrefour parasse.

Na noite do dia 19 de novembro, véspera do feriado da Consciência Negra no Brasil,  João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos, foi espancado até a morte por seguranças que prestavam serviços a uma loja do hipermercado Carrefour no bairro Passo D’Areia, em Porto Alegre.

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O acontecimento gerou revolta em grande parte da população nacional. Em menos de 24 horas após o homicídio, diversos manifestantes começavam a se reunir em lojas da rede por todo o Brasil,a fim de, como Ricardo, protestar contra o acontecimento e, principalmente, contra o racismo estrutural. Segundo o sociólogo Davi Correia Santos, 37 anos, essa revolta é válida. Analisando o caso, ele chega à conclusão de que qualquer força de policiamento está diretamente ligada à opressão. “Em qualquer situação que tenha um indivíduo em um ambiente de segurança, ele é automaticamente visto como uma pessoa que pode exercer repressão”, explica Davi.

Na mesma semana do ocorrido, viralizou na internet um vídeo em que Ricardo fazia um discurso e pedia a demissão de Noel Prioux, o CEO do Carrefour no Brasil. É a ele que o comunicador atribui a responsabilidade do assassinato, argumentando que a luta não pode ser contra um racismo “invisível”, mas contra quem o coordena, comanda e direciona.

A declaração de Ricardo é um dos símbolos da intensificação da luta antirracista em 2020. O sociólogo Davi Correia acredita que existe um motivo para a difusão do movimento no atual cenário: “Esse ano acabou sendo mais catalisador por todo o contexto, a pandemia e o sofrimento dos grupos minoritários. Essa catalisação fez com que os grupos acabassem sendo mais impulsionados a agir, mas esse é um movimento que já vem ganhando força faz tempo”, explica.

Caráter dos protestos e plano antirracista do Carrefour

Apesar das manifestações estratégicas e pacíficas citadas pelo manifestante, também ocorreram diversos protestos violentos, que divergiram opiniões. Em nota, o Carrefour legitimou as manifestações, mas, muitos criticaram a postura violenta de alguns manifestantes em lojas da rede, que chegaram a ser depredadas e incendiadas.

Ricardo acredita que essa forma violenta de protesto se deve a um ódio acumulado de tantas outras tragédias. “Quando esse problema é gerado há cinco séculos, a gente tem a infeliz possibilidade de agir com o nosso emocional”, justifica. Segundo ele, os limites de qualquer protesto não devem ser impostos por quem oprime. “O opressor precisa reconhecer o lugar dele, que hierarquicamente é acima do oprimido, e só se calar. Ele tem que achar soluções para que essas questões sejam reduzidas, e não dizer qual é o limite e como tem que ser a reação”, afirma.

De acordo com a assessoria do Carrefour, como forma de impedir que ocorram novos casos como o de João Alberto, foi iniciado no dia 14 de dezembro um processo de internalização da segurança, começando por quatro hipermercados localizados no Rio Grande do Sul. “O processo de recrutamento e treinamento dos profissionais para as lojas contará com uma associação que reúne empreendedores negros da região de Porto Alegre. Todo o processo de internalização da segurança terá como foco a implementação de práticas antirracistas e de uma cultura de respeito aos direitos humanos, além de considerar a representatividade da população brasileira (50% de mulheres e 56% de negros) como um compromisso”, diz a nota.

O plano de ação da empresa também inclui uma política de tolerância zero, que enfatiza o tratamento rigoroso de casos de discriminação e racismo por parte de colaboradores, clientes e fornecedores da rede. Também será feito um programa de inclusão e contratação de empreendedores e profissionais negros.

O sociólogo defende a postura da empresa e considera válida. “É possível e tem como dar certo. Eu vi muita gente criticando, mas não tem como negar que é um esforço que deve ser feito de alguma forma. Na pior das hipóteses, você está defendendo um grupo”, justifica.