Árabes e jornalistas discutem a mudança de perspectiva da cobertura midiática ocidental e a ascensão da islamofobia
Com a tomada do poder de Cabul, capital do Afeganistão, pelo grupo extremista Talibã, em agosto de 2021, os olhos do mundo se voltaram novamente ao Oriente Médio. Contudo, para muitos árabes e islâmicos, esse fato se tornou uma preocupação com a forma como isso poderia ser mostrado pela grande mídia. Após 20 anos dos ataques do 11 de setembro, a população árabe de forma geral lembra da ascensão da islamofobia e da xenofobia nos Estados Unidos e no mundo ocidental como um todo.
O jornalista Marcelo Favalli, da CNN Brasil, acredita que o ano de 2001 foi um “divisor de águas” na percepção da mídia sobre o Oriente Médio. Para ele, anteriormente, a região era vista como uma área cinzenta no jornalismo, ou seja, não era considerada relevante o suficiente para receber maior destaque nas apurações. E, com o atentado terrorista ocorrido em 11 de setembro, o despreparo da mídia para tratar as questões dessa parte do globo se fez pesar. “Criou-se muitas distorções, talvez a pior delas tenha sido privar a ideia de que o islamismo e o terrorismo andam de mãos dadas, uma ideia do ‘terrorismo islâmico’, isso é um falso cognato”, afirma.
O preconceito longe do Oriente Médio
Apesar de ser nascido na Tunísia, país de maioria muçulmana e fora do território definido como Oriente Médio, Shkander Khadri, de 25 anos, não é adepto da religião. Porém, seus traços árabes se mostram suficientes para ser vítima de ataques preconceituosos na França, onde mora atualmente: “Eu estou andando na rua e as pessoas atravessam quando me veem. Posso dizer que isso acontece duas, três vezes por semana comigo. Outra coisa que acontece é quando você caminha em direção a uma mulher e ela na sua, ela segura a bolsa dela com mais força, achando que você vai roubá-la ou qualquer coisa do tipo”.
Para Shkander, a perpetuação desses comportamentos ocorre, em partes, por conta da abordagem da mídia local. Ele destaca uma mudança comum na cobertura jornalística do país ao noticiar diferentes fatos: “Quando um árabe faz algo de bom, algo ‘heroico’, a mídia o chama de imigrante francês, e quando é uma notícia ruim sobre um árabe, mesmo que ele tenha nacionalidade francesa, eles não o chamam de francês, eles falam que um mulçumano fez isso ou aquilo”. O tunisiano também aponta que até mesmo uma parte da população francesa já se mostrou crítica a esse tipo de tipificação da mídia.
Skhander também chama a atenção para a nocividade da cobertura dentro de sua vivência. Ele conta que a perpetuação da visão de que países árabes e do norte da África são violentos e perigosos favorece os terroristas. A Tunísia, por exemplo, tem como grande fonte de renda as atividades turísticas, que são muito prejudicadas pela influencia da opinião pública. “Esse é o objetivo dos terroristas, eles querem que as pessoas vão pouco para lá, porque assim eles podem acessar o país com mais facilidade. Eles querem fazer com que os países árabes sejam extremistas”, afirma.
Veja mais em ESQUINAS
Islamismo além do primeiro olhar
Israel x Palestina: especialista explica contexto histórico e implicações do novo conflito
As marcas do 11 de setembro
A síria Sumaya Ali, de 19 anos, moradora da cidade de Columbus, nos Estados Unidos, desde seus quatro anos, afirma que, apesar de já estarmos em 2021 – 20 anos após o atentado terrorista ocorrido em 11 de setembro – os ataques daquele dia ainda são lembrados em assédios realizados por veteranos de guerra e agentes governamentais.
Comentários referentes ao líder do grupo terrorista Al Qaeda, Osama Bin Laden, além de xingamentos preconceituosos e olhares tortos são apenas algumas das atitudes as quais Sumaya e suas amigas são obrigadas a tolerar em seu dia a dia, mesmo nem sendo nascidas na época do atentado.
Além disso, para ela, a mídia tradicional americana é uma das maiores culpadas da criação desse preconceito contra os islãs. “Eles fazem parecer que lá é um lugar horrível de se viver, onde mulheres são oprimidas e você não tem liberdade, o que não é verdade”. Sumaya também afirma que a abordagem jornalística é um fator importante e que legitima a perpetuação dos assédios e preconceitos sofridos por ela diariamente.
A adolescente, porém, não se mostra completamente desesperançosa. Ela aponta que a internet tem permitido que muitos islâmicos ganhem voz e tenham uma participação ativa na comunidade global, como ela mesma faz na sua conta no Tik Tok (@zzugzwang), que tem mais de 18 mil de seguidores.
@zzugzwangSTOP ETHNIC CLEANSING 🇵🇸🇵🇸##freepalstine🇵🇸 ##freepaletine ##protest ##TWDSurvivalChallenge ##MaxPlumpJump ##TostitosUnspokenBonds♬ dammi falastini by mohammad assaf – nora
Com uma maior conexão entre diferentes culturas e possibilidades de expressão, Sumaya relata que as pessoas têm sido mais abertas à pluralidade nessas discussões: “Eu ainda tenho esperança, porque acho que as pessoas estão mais abertas a conversar sobre islamofobia e ouvir um ponto de vista diferente de pessoas que são muçulmanas e que mostram que nós somos algo diferente de um ser humano normal”.
O novo olhar jornalístico para o Oriente Médio
De acordo com o jornalista Marcelo Favalli, a falta de preparo da mídia na cobertura dos atentados do 11 de setembro foi a principal causadora da intensificação do preconceito contra seguidores da religião islâmica na época e também nos anos seguintes.
Segundo dados do Centro Nacional de Contraterrorismo do governo americano, 98,9% das vítimas de ataques terroristas são os próprios islâmicos. Dessa forma, o jornalista afirma que o ideal seria que a mídia cobrisse com mais afinco e cautela todas as questões que envolvem as guerras civis e políticas da região e que respingam do mundo ocidental.
Apesar disso, Marcelo acredita que a mídia vem evoluindo na maneira com que trata os fatos relacionados com o terrorismo no Oriente Médio. Sobre a cobertura da tomada de Cabul pelo Talibã, ele afirma que nós finalmente aprendemos. Com a globalização e a expansão dos estudos sobre o Oriente Médio e o norte da África, o jornalista tem esperança de que no futuro os jornalistas possam evoluir na forma como enxergam as regiões menos assistidas do globo, como uma forma de corrigir os equívocos da velha mídia.