1º de maio em São Paulo foi marcado por protestos antagônicos separados por poucos quilômetros de distância; conheça personagens e histórias dos atos
* Reportagem publicada simultaneamente pelo UOL
Faltavam 15 minutos para as 14h quando o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP) iniciou a rotina obrigatória de seus compromissos públicos: uma versão à capela do clássico “Blowing in the Wind”, de Bob Dylan. O sol forte começava a espantar a concentração diante do palco na praça Charles Miller. À espera da fala de Lula no 1o de maio das Centrais Sindicais — prevista para 13h, concretizada somente às 16h —, muita gente transformou em arquibancada os barrancos arborizados nas laterais da entrada principal do estádio do Pacaembu.
“Não está massivo, mas também não está esvaziado”, avaliava Inês Paz, vereadora do PSOL em Mogi das Cruzes e uma das abrigadas sob as sombras. “As centrais estão unificadas para derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo”.
Houve quem discordasse. “O Brasil está numa fase muito boa”, defendia o comerciante Josê Geraldo de Carvalho. O combo calvície, terno verde e camisa amarela justificava a alcunha “Zé da Havan” – José Geraldo se apresenta como funcionário da loja e pré-candidato a deputado federal.
“Sou brasileiro e admiro Luciano Hang e Bolsonaro. Quero mudança para esse país”. Em um dos trios, o orador puxava o refrão de “Eu te amo, meu Brasil”, canção de Dom e Ravel identificada com a Ditadura Militar. Eram 14h em ponto e a avenida Paulista, palco do 1o de maio bolsonarista, registrava dois quarteirões com as duas vias ocupadas. No pico da manifestação, às 16h, foram 3 quarteirões cheios.
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Divergências entre as manifestações 1º de maio
Entre as duas manifestações, mais divergências do que as cores nas camisas e as óbvias escolhas de candidato à presidência. O 1o de maio das Centrais Sindicais registrou mais diversidade de raça, gênero e faixa etária. Entre os bolsonaristas, concentração semelhante de homens e mulheres, com predomínio de brancos e pessoas mais idosas. Na praça Charles Miller, a maioria dos participantes veio em caravanas de sindicatos, partidos e movimentos sociais, de van ou ônibus.
O metrô foi território das camisas amarelas. Por volta do meio-dia, a reportagem testemunhou grupos pró-Bolsonaro na linha Verde, que corta a avenida Paulista, e nenhum militante visualmente identificado com a esquerda.
Alguns entrevistados mencionaram o temor de conflitos. “Até iríamos de metrô, mas, como sabíamos de um protesto diferente, evitamos o transporte público para vir ao Pacaembu”, afirmou o professor Ernesto Maeda.
“Desci na Paulista e me assustei. Está pior do que clássico de futebol“, contou o desempregado Cícero Eduardo, morador de Heliópolis, na zona Sul paulistana.
Na boca dos manifestantes, o esperado: palavras de ordem radicalmente diferentes, ecoando as tentativas das duas militâncias de pautar o debate eleitoral. Do lado bolsonarista, críticas aos ministros do STF (“fora urubus”, dizia uma das faixas), adesão ao conservadorismo (“Deus, pátria e liberdade”), demonização das esquerdas (“pela criminalização do comunismo”) e pouca relação com o dia do trabalhador.
“Minha razão é defender a liberdade, coisa que não se compra. É o que permite que possamos viver em harmonia”, afirmou o operário da construção civil Diego Oliveira Almeira, 28 anos. “Estou mentalizando a paz e a liberdade do povo. A vibração de todos juntos por um ideal é tudo”, contou o aposentado Pedro Vinci.
No Pacaembu, a pauta defendia a revogação da reforma trabalhista – em menor intensidade, a da reforma previdenciária também -, o combate à carestia e ao desemprego. “O dia do trabalhador precisa ser reconectado às lutas por direitos e oportunidades”, afirmou a bancária Lenielle Gonçalves Paciente. As eleições de outubro também estavam nas falas do público. “É a chance mais clara que temos de ganhar desde 2016”, opinou o publicitário Igor Rodrigues.
Presenças folclóricas ficaram restritas à Paulista. Um Batman ao lado do Youtuber conservador Paulo Kogos, um senhor de terno que exigia ser ouvido pela “omissão da verdade”, um homem com um colar de calcinhas, referência jocosa ao ex-governador João Dória (chamado pelos bolsonaristas de “calcinha apertada”.
Quanto aos protagonistas do evento, se a entrada de Bolsonaro por vídeo na avenida Paulista mal foi ouvida por conta do áudio prejudicado, os 16 minutos de discurso de Lula parecem ter agradado que enfrentou horas de sol. “Achei simbólico ele começar o discurso pedindo desculpas [aos policiais, que segundo Lula devem ser “tratados como trabalhadores”], foi importante”, opina a doutoranda Luciana Galvão Martins.