O que é Ferrogrão? Veja como projeto de ferrovia volta ao debate político brasileiro - Revista Esquinas

O que é Ferrogrão? Veja como projeto de ferrovia volta ao debate político brasileiro

Por Thiago Galante e Gustavo Alencar : agosto 27, 2024

Ferrogrão promete contribuir na redução das emissões de gases de efeito estufa, diminuindo o tráfego de caminhões. Foto: Ricardo Botelho/Minfra

Entenda como projeto do Ferrogrão parou no STF e quais benefícios a instalação dessa ferrovia trará ao agronegócio nacional

Em 2012, a Estação da Luz Participações (EDLP), em parceria com tradings agrícolas que operam no Brasil, lançou o projeto Ferrogrão. Após estudos de campo e pesquisas de viabilidade técnica, apresentaram ao Governo Federal um extenso relatório com 3.998 páginas e 630 plantas de engenharia, demonstrando a eficácia do projeto.

“O estudo talvez seja um dos mais completos já realizados sobre infraestrutura logística no país”, afirma Guilherme Quintella, presidente da EDLP, em entrevista à reportagem “O Maquinista da Ferrogrão”, publicada na 12ª edição da Plant Project.

Quatro anos depois, a Ferrogrão foi formalizada como Medida Provisória (MP). No ano seguinte, a MP foi aprovada no Congresso e sancionada como Lei n° 13.452. A proposta visava construir uma ferrovia que ligasse Sinop, no Mato Grosso, a Miritituba, no Pará, facilitando o escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste brasileiro. Dos 933 quilômetros propostos, 53 km atravessariam o Parque Nacional do Jamanxim, cujos limites foram alterados pela MP para acomodar os trilhos da obra. Segundo Edeon Vaz, diretor-executivo do Movimento Pró Logística de Mato Grosso,“apenas 396 hectares dos 840 ha desafetados pela MP seriam de fato utilizados para a construção da Ferrogrão, o que significa um impacto de 0,054% do total do parque”.

Anos depois, em março de 2021, o projeto avançou para o Tribunal de Contas da União (TCU) para a publicação do edital de leilão de concessão. No entanto, em dezembro do mesmo ano, a silga PSOL interveio com uma ação direta de inconstitucionalidade, contestando a alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim. A ação foi acolhida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o projeto e encaminhou a questão para o Centro de Soluções Alternativas de Litígios (Cesal) do próprio STF.

Com o passar do tempo, o projeto da Ferrogrão enfrentou diversos desafios burocráticos. Apesar de sua paralisação, o interesse e a discussão sobre a sua importância para a logística brasileira continuaram a crescer. Em junho de 2023, a pauta voltou ao STF, onde Moraes autorizou a retomada dos estudos da ferrovia, mas com cautela, para evitar futuros questionamentos. Vaz comenta que Moraes “já entendeu a importância da Ferrogrão, mas não quer tomar uma medida contrariando qualquer possibilidade de que isso venha a ser questionado no futuro”.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), consultado pela reportagem, destaca a necessidade de novas análises sobre o estado do projeto, e destaca que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) estava em fase inicial e precisaria de adequações conforme o Termo de Referência emitido pelo órgão. Em nota, o Ibama esclarece.

“O processo foi suspenso enquanto durar a decisão cautelar no âmbito da ADI 6553 em trâmite no STF, não tendo alterações em seu status após a manifestação do Ministro Alexandre de Moraes do dia 01/06/2023, que autorizou as retomadas dos processos administrativos”.

Em setembro de 2023, Moraes deu um prazo de seis meses para a conclusão dos estudos sobre a obra, após o procedimento de mediação ser finalizado em agosto. Em março de 2024, o PSOL informou ao STF que o Ministério dos Transportes havia criado um grupo de trabalho sobre o tema, mas que necessitava de mais tempo para concluir os estudos. O partido argumentou que ainda havia “pontos cegos”, especialmente no campo socioambiental, que impediam uma avaliação completa e a tomada de decisões informadas sobre a viabilidade do projeto. Os advogados do PSOL disseram na petição que “remanescem intocados muitos pressupostos, como é o caso de não se seguir com o traçado atual em face da inconstitucionalidade da lei que o autorizou, e pontos essenciais no campo socioambiental, sem os quais não se pode avaliar e concluir com alguma razoabilidade e legalidade a viabilidade dos estudos prévios do projeto”.

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Agora, em maio de 2024, a Ferrogrão voltou ao centro das atenções com a recente decisão de Moraes de prorrogar por mais 90 dias a suspensão do processo, concedendo um prazo improrrogável para a conclusão dos estudos sobre os impactos da ferrovia. “Esse novo prazo permitirá uma avaliação mais profunda e inclusiva dos impactos e benefícios do projeto”, afirma o ministro. Com essa autorização, os próximos passos dependem do Tribunal de Contas da União (TCU), que deve repassar os serviços ao Ministério dos Transportes, à Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) e à Infra S.A., responsáveis por atualizar e validar a viabilidade do projeto.

O Centro de Soluções Alternativas de Litígios (Cesal) do STF também deverá ouvir as populações afetadas pela ferrovia. Em nota técnica mais recente, datada de 2020, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas não registrou reivindicações fundiárias ou impactos significativos nas áreas indígenas próximas. Vaz deseja que “os anos de 2024 e 2025 sejam dedicados à conclusão da parte burocrática, com a possibilidade de licitação até o final de 2025. A partir daí, estima-se uma década de construção”.

Atualmente, a produção agrícola do Centro-Oeste do Brasil segue principalmente por dois caminhos: uma pequena fração pelos portos do Norte e a maioria pelos portos do Sul e Sudeste, distantes cerca de 2 mil km. No Sul, os corredores levam aos portos de Paranaguá, Antonina, São Francisco, Vitória e Santos, já conectados por redes ferroviárias. A ferrovia Rondonópolis (MT) ao Porto de Santos, operada pela Rumo Logística, é um exemplo destacado.

“O trecho de 1.655 km é formado por duas concessões (Malha Norte e Malha Paulista). Durante o pico da safra de soja, embarcamos mais de 80 mil toneladas por dia”, informa a companhia ferroviária.

Em 2023, a Rumo transportou 26 milhões de toneladas de grãos pela ferrovia. Sobre a Ferrogrão, a empresa optou por não comentar, uma vez que o projeto ainda está em fase de estudos governamentais. Para o Norte, o principal corredor, Sinop-Miritituba, é rodo-hidroviário. A produção agrícola do norte do Mato Grosso é transportada por caminhões pela BR-163, que liga Tenente Portela (RS) a Santarém (PA).

“Nossas estradas estão sobrecarregadas, causando muitos acidentes. Precisamos de um transporte mais eficiente para garantir segurança aos produtores rurais”, afirma Roberto Dorner, prefeito de Sinop-MT. A carga chega aos portos fluviais de Miritituba e é enviada para os portos de Santarém (PA) ou Barcarena (PA).

“A BR-163 não suporta o volume crescente de tráfego, mesmo com duplicações ou novas faixas”, completa Vaz. Em 2022, 14,7 milhões de toneladas de soja e milho foram transportadas pela BR-163, com uma projeção de mais de 17 milhões de toneladas para este ano e um aumento anual de 3 milhões de toneladas a partir de 2024.

O projeto da Ferrogrão visa transportar grãos e etanol de milho para Miritituba, retornando com produtos da zona franca de Manaus e combustíveis importados pelo arco-norte. Além dos benefícios logísticos, a Ferrogrão contribuirá para a redução das emissões de gases de efeito estufa, diminuindo o tráfego de caminhões. Dados da ANTT indicam que a ferrovia poderia reduzir a emissão de 1 milhão de toneladas de CO2 por ano.

“Um comboio da Ferrogrão, com 160 vagões e 3 locomotivas, transportará 16 mil toneladas de grãos. Isso equivale a substituir 400 caminhões por 12 motores, é um grande ganho ambiental”, exemplifica Vaz.

Com os novos prazos estabelecidos pelo STF, a expectativa é que os próximos meses sejam decisivos para o avanço ou a redefinição deste ambicioso projeto.

Editado por Ronaldo Saez

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