Para a jornalista Adriana Vasconcelos, falhas no processo de escolha de candidato comprometem a imagem do partido como bom gestor e exigem reinvenção
Especialista em estratégias eleitorais, Adriana Vasconcelos, 53 anos, coordenou a comunicação do PSDB Nacional por 7 anos e atuou como consultora nas campanhas presidenciais de Aécio Neves (2014) e Geraldo Alckmin (2018). Sua visão sobre o momento atual do partido é pessimista. Para a jornalista, o processo de votação nas prévias do partido, interrompido devido a uma falha no aplicativo, é um momento agudo nessa crise. “Até agora, o resultado prático só expôs mais as divergências internas”.
Apesar de defender que o PT ainda é “o inimigo a ser combatido” e de que houve corrupção nos 13 anos de Lula e Dilma, Adriana avalia que o comportamento do PSDB a partir de 2014 fez os eleitores “se sentirem traidos”. “Os tucanos pagaram um preço pela falta de coerência entre o discurso e a prática”, afirma. Para ela, a postura de Aécio Neves, pego supostamente negociando propina com a JBS, causou “grande dano” ao partido. “Também naquele momento foi um erro questionar o funcionamento das urnas eletrônicas”, diz. Para 2022, a jornalista vê o PSDB “com baixa viabilidade eleitoral” e diz que o partido “vai ter de se reinventar”. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
ESQUINAS As eleições de 2018 marcaram uma mudança negativa para o PSDB. Geraldo Alckmin teve menos de 5% dos votos válidos para a presidência, e na Câmara dos Deputados, o partido perdeu quase metade das cadeiras. Esse cenário era imaginado pelo partido?
Adriana Vasconcelos De fato, eles não esperavam que fosse uma derrota tão acachapante quanto foi. O partido ainda conquistou alguns governos estaduais, mas a sua bancada federal caiu vertiginosamente; ela era a terceira maior bancada da Câmara e passou a ser a sétima.
ESQUINAS Por que o partido perdeu força?
Não deixa de ser fruto e reflexo do que se apurou durante a Operação Lava Jato, que atingiu representantes de diversos partidos, inclusive lideranças exponenciais do PSDB. Então os tucanos pagaram um preço pela falta de coerência entre o discurso e a prática. Além disso, em 2018, Geraldo Alckmin não soube perceber que o principal adversário dele continuava sendo o PT. Em vez disso, resolveu atacar o Bolsonaro, que foi quem conseguiu capitalizar a insatisfação do eleitorado brasileiro com o PT. Depois da grande projeção que ele teve após o atentado, ele conseguiu se destacar numa disputa presidencial pulverizada, com muitos candidatos e com as forças de centro divididas. Então isso é reflexo de uma conjuntura.
ESQUINAS Essa incoerência afetou todas as figuras do partido?
Não. As mulheres do partido, ao contrário dos homens tucanos, cresceram mesmo na adversidade, enquanto eles minguaram. Por quê? Por conta de uma coerência de discurso e de posicionamento mais rígido de combate às irregularidades. Elas não foram coniventes com o discurso “o adversário a gente critica, o aliado a gente passa a mão na cabeça”, que o PSDB tanto criticava no PT. O PSDB pagou um preço alto por ter perdido o seu discurso de combate a corrupção, a sua coerência. Hoje o partido é um pouco o MDB, do qual eles sairiam em 1988 para criar o PSDB por discordarem do comportamento de então.
ESQUINAS O apoio ao presidente Jair Bolsonaro tem causado rachas nos partidos de centro e de centro-direita. Existe uma parte do PSDB que está bolsonarizada?
As últimas votações na Câmara indicam isso. A maior parte da bancada votou a favor do voto impresso e está muito alinhada às pautas defendidas pelo governo Bolsonaro. Parte da bancada tem agido como bolsonarista. A deputada Mara Rocha, a mais votada do Acre em 2018, anunciou no domingo (21) sua ida para o PL e apoio à reeleição de Bolsonaro. A maioria apoiou o candidato do Planalto, Arthur Lira, para a presidência da Câmara e mesmo a PEC dos Precatórios, que não só alimenta a reeleição de Bolsonaro como flexibiliza o teto de gastos.
ESQUINAS Onde o PSDB está hoje no espectro político?
Eu visualizo o PSDB mais como força de centro do que de direita, embora eles tenham feito alianças com a direita. Fernando Henrique teve um vice [Marco Maciel] do antigo PFL, atual Democratas. Mas o Lula também teve uma aliança com a direita quando escolheu José Alencar (PL) como vice. Eu acompanhei essa eleição de perto e vi todas as negociações que foram feitas para que o Lula da esquerda, que tinha uma imagem radical, virasse o “Lulinha paz e amor”, fizesse a Carta aos Brasileiros e dissesse que algumas bandeiras que ele tinha sempre defendido ficassem em segundo plano para dar continuidade à política econômica iniciada no governo do PSDB. Sem essa continuidade, dificilmente o Lula teria tido o apoio que ele teve do empresariado.
ESQUINAS Você também trabalhou na campanha de Aécio Neves à presidência, em 2014. Naquele ano, ele chegou a dizer que perdeu as eleições para “uma organização criminosa”. Como você avalia essa declaração?
Isso não deixa de ser um pouco verdade. As condenações e o que se descobriu sobre o PT foram fatos muito relevantes. Hoje, por mais que o Supremo tenha anulado as sentenças do Lula, não anulou realmente porque não foi pela ausência de fatos, mas por causa do local que essas investigações foram realizadas. Essa narrativa está sendo usada pelo PT como se tivesse sido uma absolvição total de todos os erros. Pode ter havido excessos no processo, mas, pela primeira vez, os principais empresários do país foram presos por pagar propina para partidos políticos e governos.
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ESQUINAS E quanto ao pedido de recontagem dos votos?
O Aécio foi muito pressionado pelos próprios eleitores a questionar, sim, o resultado das eleições gerais, porque você tinha na condução do processo o ministro que havia sido advogado do PT, o [Dias] Toffoli. Talvez o erro dele tenha sido justamente naquele momento questionar o funcionamento das urnas eletrônicas. Hoje, a gente sabe que se a democracia brasileira conseguiu se consolidar de uma maneira firme foi justamente por ter um sistema de votação menos suscetível a fraudes.
ESQUINAS Depois o próprio Aécio virou alvo da Lava Jato por supostas propinas da JBS.
Ele não deu continuidade [ao discurso anticorrupção] e não deu o apoio no momento seguinte às manifestações [pelo impeachment]. Uma parte do eleitorado se decepcionou pela falta de continuidade daquele discurso tão duro e firme em relação ao governo, além dele ter sido pego numa gravação de uma conversa com empresários pedindo dinheiro.
ESQUINAS Quais foram as consequências disso para o PSDB?
Foi um grande dano. Até pelo fato dele [Aécio] não ter no primeiro momento se afastado do partido para que as investigações seguissem. Isso causou mal estar interno. A repercussão junto à opinião pública foi matadora. O eleitor se sentiu traído. Justamente aquela pessoa que a gente achou que poderia fazer frente ao que estava acontecendo foi pego numa situação dessa. Aécio também não abriu mão do poder que ele tinha dentro do partido. Hoje, o PSDB paga um preço.
ESQUINAS As prévias do PSDB têm sido marcadas pelas desavenças entre Eduardo Leite e João Dória. Como você avalia esse embate?
A estratégia dos tucanos de dar visibilidade aos seus postulantes à vaga de candidato do partido ao Planalto era até positiva. Mas o resultado prático até agora só expôs ainda mais as divergências internas. Eduardo Leite, um grande quadro, que conheci como vereador de Pelotas, traz frescor para o partido. Mas talvez tenha feito concessões demais para ganhar apoio interno, adaptando seu discurso às circunstâncias. João Dória, por sua vez, obstinado pela vaga de candidato, tentou, sim, se livrar de Aécio Neves com a mesma rapidez que abandonou a campanha de Alckmin em 2018. E assim ganhou outro inimigo de peso. O governador paulista perdeu a guerra interna contra Aécio por ignorar como funcionam as estruturas partidárias. Os mineiros aguardaram o momento certo para dar o troco, como se viu durante as prévias. Arthur Virgílio, o mais velho dos três e com chance zero de vitória nas prévias, foi o único a propor que o PSDB fizesse mea culpa dos erros cometidos nos últimos anos.
ESQUINAS Houve também falhas graves no aplicativo de votação, a ponto de impedir a conclusão da eleição.
No último domingo, o presidente do partido, Bruno Araújo, expôs o atual amadorismo do PSDB: o partido que lançou o Plano Real e desde então passou a se apresentar como um ótimo gestor, nadou e morreu na praia, com o vexame do aplicativo que não suportou 44 mil eleitores votando ao mesmo tempo.
ESQUINAS O que você espera para o futuro do partido e para as eleições de 2022?
Os últimos acontecimentos mostram que esse é um ninho autofágico. Há grandes lideranças e um arsenal de ideias até capaz de tirar o Brasil dessa sinuca na qual estamos. Mas é baixa a viabilidade eleitoral em 2022. Resta saber qual será o resultado final das prévias, mas até agora o que ficou mais evidente é que o racha inicial do partido segue igual ao do começo da disputa.