Entre debates sobre corrupção e sigilo na Justiça, há questionamentos a respeito da possibilidade de o presidente ser cercado judicialmente após o fim do mandato. Se perder, Bolsonaro pode ser preso?
O tema corrupção tem sido recorrente no embate entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). O petista afirma que suspenderá os sigilos de cem anos impostos sob uma série de processos e trâmites judiciais que envolvem a família do presidente ou o próprio chefe do executivo. O próprio Bolsonaro já demonstrou preocupação com a possibilidade de ser preso ao perder o foro privilegiado, caso seja derrotado nas urnas.
Durante ato no 7 de setembro de 2021, em plena avenida Paulista, o presidente da República afirmou que nunca seria preso. Imaginando o futuro, especulou os únicos três finais possíveis para seu mandato atual, que se encerra ao fim de 2022.
“Só saio preso, morto ou com vitória. Direi aos canalhas que eu nunca serei preso”, declarou na manifestação.
Bolsonaro poderia ser preso? O temor do presidente não é descabido. Atualmente, ele é alvo de cinco investigações no Supremo Tribunal Federal (STF). São elas:
1) Tentativa de interferência na Polícia Federal;
2) Divulgação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral;
3) Ataque às instituições de forma organizada nas redes sociais;
4) Vazamento de dados de investigação sigilosa da PF;
5) Relação falsa entre a vacina da covid-19 e a AIDS.
Todas as apurações estão nas mãos do gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Mas, em caso de demoção do cargo presidencial, tudo pode mudar.
Para Fernando Castelo Branco, mestre e doutorando em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), as acusações contra o mandatário podem ser agrupadas em três grandes categorias: crimes contra o sistema eleitoral, contra a saúde e contra o Estado Democrático de Direito.
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Tipificação dos crimes
Os crimes contra o sistema eleitoral englobam as declarações falaciosas que põem em dúvida a integridade das urnas eletrônicas, já verificada por especialistas e observadores internacionais como confiáveis. Além de alegar possibilidade de fraude sem o embasamento factual, as críticas contra decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são recorrentes.
A respeito dos delitos na área de saúde, destaca-se a propagação de fake news em meio à pandemia de covid-19, gerando desinformação e confusão para o público nas campanhas de vacinação pública. Quanto à compra de vacinas, o ministério da Saúde atrasou a aquisição de imunizantes em 45 dias, afetando os prazos de envios da matéria-prima, como relatou a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia, do Senado Federal.
Uma possível prevaricação de Bolsonaro em relação a um potencial esquema de propina na compra dos imunizantes também consta no relatório da CPI e está sendo investigada por autoridades superiores.
No caso dos crimes contra o estado democrático, estão incluídas todas as condutas do presidente contra as instituições públicas e os valores garantidos na Constituição. Nessa categoria, se enquadram as interferências em órgãos independentes, como a Polícia Federal, ou a promoção de ataques generalizados contra o STF, seja em ambientes digitais ou em protestos antidemocráticos presenciais.
“Tudo isso faz parte de um pacote tão absurdo e tão equivalente que eu não arriscaria dizer qual é o mais grave. Porém, creio que atentar contra o Estado de Direito seja o pior, declara Castelo Branco.
Materialidade e devido processo legal
A materialidade dos supostos crimes pesa contra Bolsonaro, uma vez que qualquer desmentido do presidente contra pode ser contraposto por registros em vídeos e áudios de suas falas.
Enquanto ocupar a posição de chefe do executivo, ele pode ser julgado por uma única instância: o Supremo Tribunal Federal. Esta condição especial de julgamento é denominada foro por prerrogativa de função e também é conhecida como foro privilegiado.
Esse status promove, em teoria, um processo de julgamento mais cauteloso e longo para os trâmites que envolvam a gestão pública, a fim de zelar pela estabilidade das funções políticas e, consequentemente, da democracia.
O professor da PUC-SP explica que o “foro privilegiado foi uma criação, pensada de maneira positiva, para a proteção das instituições e não daqueles que estão representando estas por um certo período de tempo”.
Ritmo do julgamento
Em um processo que vise ao Presidente da República, há uma tramitação própria. Admitida a acusação contra o líder do executivo – que só pode ser autorizada por dois terços da Câmara dos Deputados -, o governante será submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
A partir do momento em que Bolsonaro deixar de ser presidente, se perder a eleição, ele deixa de ter o foro privilegiado. Uma série de crimes poderá, então, ser redistribuída para varas comuns de primeira instância e, com isso, ter um ritmo de mais célere de tramitação em relação ao que poderia ocorrer em caso de andamento com ele ainda na Presidência. Bolsonaro será preso
Dessa forma, qualquer promotor ou procurador poderá decretar uma ordem eventual de prisão de Bolsonaro, sendo temporária ou preventiva, caso seja proposta após o trânsito em julgado – ao fim se esgotarem todos os recursos judiciais possíveis. A blindagem e proteção anteriores ao cargo de ordem pública se esvaem.