Por que agentes de segurança são também fonte de medo?

Por que agentes de segurança são também fonte de medo?

Por Marina Telent, Raissa Galvão e Sophia Lima : maio 13, 2024

Policiais ao lado de uma viatura | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A alta da taxa de letalidade causada por violência policial afeta, especialmente. os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia

A brutalidade policial é um agravante na violência pública do Brasil desde 1980 e, independentemente do governo, os brasileiros continuam sendo vítimas de agressões e homicídios.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) afirma que as forças policiais foram responsáveis por cerca de 6,3 mil vítimas fatais durante os anos 2022 e 2023. Os índices elevados de abuso por parte dos agentes de segurança na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo são justificados pelos estados pela necessidade de reduzir violência em locais onde os criminosos estão fortemente armados.

Em junho de 2020, no Jaçanã, Zona Norte de São Paulo, Weslei da Fonseca Guimarães, 27 anos, foi vítima de agressões pela polícia enquanto estava caminhando com amigos na calçada. Ele foi derrubado no chão e atingido com tapas e golpes de cassetetes. Em agosto de 2023, em uma cidade interiorana da Bahia, Gabriel Silva da Conceição Júnior, 10, foi morto pela polícia militar enquanto brincava na porta de sua casa. No mesmo período do ano, na Zona Norte do Rio de Janeiro, Wendell Eduardo, 17, foi morto enquanto andava na garupa de uma motocicleta. No mesmo local, Elloáh Passos, 5,  foi baleada dentro de casa.

Rio de Janeiro e a milícia

O Rio de Janeiro foi um dos primeiros estados brasileiros a enfrentar forte violência policial que, anos depois, se tornou comum ao redor do país. No início dos anos 1980, facções criminosas disputavam o controle da áreas do estado e, nos anos 1990, o conflito entre grupos ganhou novos contornos, a partir da estruturação de milícias.

De acordo com o Monitor da Violência, o Estado do Rio de Janeiro registrou 3.388 mortes violentas em 2023, tornando-se o terceiro estado em maior número absoluto de letalidade violenta (LV). A ex-delegada da polícia Kátia Brasil conta que a estruturação de uma sociedade estigmatizada é um dos maiores fatores responsáveis pela manutenção da violência policial. Para ela, com a atual polarização política decorrente das últimas eleições, a reafirmação de ações policiais são necessárias para a proteção da sociedade.

“(…) Não é possível vendar os olhos para a polícia. Precisamos assumir a proporcionalidade dos crimes cometidos e sua punição deve acontecer.”

Quando se trata da violência no estado do Rio de Janeiro, a presença da “Guerra contra as drogas” ganha destaque. A ex-delegada Brasil destaca que o tráfico de drogas, gerador de renda cada vez maior para jovens incluídos nas sociedades periféricas e foco das facções criminosas, é um dos maiores fatores na manutenção da violência militar atualmente.

Ela afirma que, enquanto não existirem políticas educacionais que incluam a todas as classes sociais, ocupando a juventude com atividades que se formam de maneira ética, cada vez mais vão recorrer ao mundo do tráfico de drogas, estimulando a “guerra” contra a polícia militar.

Aumento de 300% na Bahia

O Observatório de Segurança Pública (OSP) indica que houve um aumento de 300% no número de mortes causadas pela polícia na Bahia nos últimos oito anos, com uma taxa de 1,4 mil indivíduos assassinados no ano de 2022.

Segundo a advogada criminalista Edilene Rocha, existem explicações que reverberam o aumento da violência policial em terras baianas, como o silenciamento por parte das vítimas, que resulta na impunidade policial, e a falta de confiança no estado, ocasionada pela convicção enraizada de que não se punirá o agressor da maneira necessária.

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Segundo o documento, a maior parte dos atos de violência causados pela polícia militar na Bahia é direcionada a jovens negros, de 11 a 29 anos. Rocha afirma que o dado é consequência da desigualdade brasileira e da inexistência de políticas educacionais integrativas desses indivíduos à sociedade.

“A formação de famílias sem estruturas físicas, emocionais e financeiras faz cada vez mais jovens, na maioria das vezes criados em comunidades periféricas e dominadas pela criminalidade, se encantarem pelo ‘poder’ demandado pelos criminosos, aumentando a dedicação jovial direcionada a atividades ilícitas, em uma tentativa de suprir aquilo que foi negado pelo estado.”

Ao destacar a identificação dos perfis que são afetados por esse tipo de violência e a intenção de punição para os agentes, Rocha completa propondo “tirar das mãos da polícia militar a responsabilidade total pela segurança pública e entender que o problema principal está na base, na educação”.

São Paulo e os programas de prevenção

Em São Paulo, de acordo com o Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público, os índices de violência policial aumentaram 34% em 2023, comparado ao ano anterior.

Segundo o FBSP, a violência policial teve diminuição de 76,3% durante os anos de 2019 a 2022 por conta da lei de implementação de câmeras de vigilância nos uniformes policiais, conhecida como programa “Olho vivo”. A partir da posse do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em 2023, o programa deixou de receber investimentos na implementação de equipamentos.

“Tarcísio negou a efetividade das câmeras e, por causa disso, não investiu mais no projeto, mas essa fala nega as evidências, os dados práticos. O uso das câmeras policiais não cessam o real problema da violência policial, que é completamente estrutural, mas colocam os batalhões sob uma vigilância necessária para reduzir os números de letalidade”, afirma, em entrevista a ESQUINAS, um advogado criminalista atuante em São Paulo e que preferiu não se identificar.

O estado possui um programa de combate aos crimes chamado de “Operação Verão”, direcionado ao monitoramento de regiões turísticas da cidade e do litoral. Nele, também há o aumento da fiscalização dos corpos policiais por meio  de queixas da população devido ao excesso de violência pela polícia.

Em 2024, dados do Controle Externo de Atividade Policial (CEAP) mostram que a polícia militar foi responsável por 54 mortes na Baixada Santista, entre janeiro e fevereiro. Um aumento de 32% na concentração de mortes deste local, quando relacionadas ao ano interior. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma que as forças de segurança estatais são instituições legalistas e atuam no seu dever constitucional.

As ações da polícia militar no estado são voltadas ao combate ao crime organizado e tráfico de drogas e, como consequência direta desse embate, surgem os confrontos violentos durante abordagens e operações preventivas e ostensivas.

Editado por Julia Tortoriello

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