Vitor Marchetti: “Conflito com ministro da Saúde expõe extrema desarticulação em momento grave” - Revista Esquinas

Vitor Marchetti: “Conflito com ministro da Saúde expõe extrema desarticulação em momento grave”

Por Ana Ferrari : abril 7, 2020

Relação desgastada entre o Presidente Jair Bolsonaro e o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta pode interferir no combate a pandemia.

Para o cientista político Vitor Marchetti, Bolsonaro não consegue assumir a responsabilidade de coordenação que se espera de um presidente durante uma crise

Para os atores políticos, a crise decorrente da pandemia do novo coronavírus exige liderança de posições firmes nas principais frentes dessa crise: sanitária e econômica. Jair Bolsonaro tem caminhado no sentido oposto, desdenhando dos perigos do vírus,  terceirizando e sabotando decisões de seu próprio ministério. A opinião é de Vitor Marchetti, cientista político e professor do curso de políticas públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC). Em entrevista a Esquinas, o especialista projetou qual será o preço desta pandemia ao futuro político do presidente. 

Vitor Marchetti, doutor em Ciências Sociais
Acervo Pessoal

ESQUINAS: COMO A POSTURA DO PRESIDENTE JAIR BOLSONARO DURANTE A PANDEMIA AFETA O PAÍS?

VITOR MARCHETTI: O que temos visto é que ele não assumiu uma liderança para organizar as crises econômica e sanitária. O presidente, na realidade, tem sido um vetor de crises, porque quando faz discursos contra as medidas de isolamento horizontal, se baseia na crise econômica que pode ser gerada e, ao mesmo tempo não apresenta soluções para esse cenário econômico, como se simplesmente cancelar o isolamento fosse o suficiente. Então se tem uma falsa dicotomia, porque como estamos diante de uma crise mundial, mesmo que o país não adote medidas mais restritivas, nós teremos uma crise bastante aguda. A retomada do pipoqueiro da esquina, da lojinha de bairro no meio desse contexto não vai se sustentar. Isso não vai reaquecer a economia. 

ESQUINAS: O QUE ELE DEVERIA ESTAR FAZENDO?

MARCHETTI: O que se espera nesse momento é que o estado retome o seu papel de conter a crise, mas o presidente prefere ficar no plano dos discursos. Isso na verdade é uma marca do estilo de liderança política que não desce do palanque e não assume de fato suas responsabilidades de governo. O modo que ele tem agido reforça sua imagem para parte de seus seguidores: daquela liderança que fala o que quer e tem uma veia populista. Ao mesmo tempo, isso também tem colocado para alguns setores da sociedade brasileira uma imagem de irresponsabilidade nesse momento tão difícil. O saldo disso tem sido bem negativo para a imagem dele.

ESQUINAS: BOLSONARO CONTRADIZ INFORMAÇÕES DO MINISTRO DA SAÚDE. QUAL O IMPACTO DISSO NA SOLUÇÃO DA CRISE?

VITOR MARCHETTI: Mostra-se uma extrema desarticulação do governo, o oposto do que se esperava neste momento. Porque quando se coloca a ideia de que o presidente da república deveria liderar este processo, não é que ele sozinho deveria conduzir esta crise, mas de que deveria ser um articulador nas diferentes áreas que tem de estar em sintonia para oferecer soluções ao país. O que o governo diz e os conflitos entre o presidente e os ministérios vão gerando uma sensação de instabilidade no país. Afinal de contas, o que vale? A palavra do ministro da Saúde ou do presidente? 

ESQUINAS: COMO VOCÊ AVALIA O DIRECIONAMENTO E A QUANTIDADE DE RECURSOS PARA O ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA?

V.M: As medidas econômicas para mitigar a crise tem sido bem tímidas em relação ao resto do mundo. A gente teve o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizendo que a constituição limita medidas mais drásticas por conta dos entraves fiscais que ela coloca, mas isso já foi desmentido por uma série de atores importantes, como o ministro do STF Gilmar Mendes e Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente — órgão vinculado ao Senado. Além disso, com a decretação do estado de calamidade pública, então a emenda constitucional do teto dos gastos públicos não tem validade neste ano. Também vimos a aprovação no congresso nacional da renda básica, então este órgão, que está assumindo um protagonismo desde o começo do mandato, produz algum tipo de solução para garantir a injeção de recursos na economia. Isso nos leva a pensar: qual o papel dos bancos públicos nessa história? Qual o papel dos órgãos públicos que poderiam contribuir com a redução da crise econômica? 

ESQUINAS: COMO A CONDUÇÃO DA CRISE NO PAÍS PODE AFETAR A RELAÇÃO ENTRE BOLSONARO E OS OUTROS PODERES?

V.M: Eu acho que reflete no relacionamento dele com todos os atores políticos do país. O isolamento dele está cada vez mais forte na relação com o parlamento, por conta de seu modo de conduzir o país, colocando o poder executivo em rota de colisão com o parlamento, que já tinha assumido um protagonismo inédito na história do país. Nomes como Rodrigo Maia se destacam como organizadores da agenda do país — algo que não é norma, pois essa deveria ser uma atribuição do presidente da república. Diante da crise, esse confronto com os atores políticos se intensificou, principalmente com os governadores, lembrando que eles têm um poder de influência muito grande sobre as bancas tanto da Câmara, quanto do Senado, afinal as bases eleitorais dos senadores e deputados estão nos estados.  

ESQUINAS: COM AS MEDIDAS TOMADAS POR BOLSONARO E OS PANELAÇOS QUE VÊM OCORRENDO, VOCÊ PENSA QUE O PRESIDENTE ENFRAQUECEU?

V.M: Acho que sim, lembrando que ele já era o presidente com o índice mais baixo de aprovação desde a redemocratização. O modo de condução dessa crise destrói ainda mais seu apoio. Agora, ele ainda tem redutos bastante fortes de sustentação e quando ele toma posturas de um discurso mais agressivo, de manter o comércio aberto, ele consegue reorganizar a “tropa”, mas que tem, cada vez mais, um número reduzido, apesar de ser animada e ativa na defesa do presidente. Porém este grupo me parece mais isolado e tem características mais radicais, pregando um discurso contra o sistema. 

ESQUINAS: QUAL IMPACTO DESSA CRISE NAS ELEIÇÕES DE 2022?

V.M: É impossível prever o que vai acontecer em 2022. Com as crises política, sanitária, econômica, a gente ainda não tem a dimensão exata de como a eleição vai se desdobrar aqui no país, pois as crises estão apenas começando, tendendo a apresentar impactos ainda mais fortes. Isso certamente vai reverberar lá na frente, não dá para saber agora como os atores políticos vão estar quando tudo isso passar e a eleição presidencial começar a ser discutida. O que temos hoje no cenário são algumas lideranças que podem ser concorrentes do presidente, como o governador de São Paulo, João Doria, que têm se fortalecido do ponto de vista político. 

ESQUINAS: EXISTE A POSSIBILIDADE DE UM IMPEACHMENT?

V.M: Acho muito improvável que ocorra durante a crise. Quando ela passar, certamente teremos um presidente muito enfraquecido e tudo vai depender de como ele vai agir. Se continuar alimentando um confronto político, é provável que a tese do impeachment comece a tomar corpo no Congresso Nacional. Se resolver moderar suas ações, pode ser que cozinhem seu mandato em banho-maria até 2022. Minha aposta é que ele não adotará uma postura mais amena, então não me parece improvável que esse tema comece a ficar mais forte até o fim deste ano.