Como as pessoas com ansiedade social encontraram refúgio no isolamento e de que maneira podem enfrentar o retorno à convivência social
Ficar mais de um ano isolado em casa, vendo as mesmas pessoas todos os dias, com a mesma rotina e, ainda, com medo de algo desconhecido, não é nada fácil. A pandemia da covid-19 tem deixado grandes marcas na população e, mesmo com o avanço da vacinação, muitos ainda não se sentem confortáveis com a ideia de sair de casa e retornar à convivência, relatando diferentes níveis de ansiedade.
Até que ponto podemos considerar isso uma reação normal? Em que momento já podemos classificar essa ansiedade e esse medo como uma fobia social?
A psicóloga Rafaela Rimério, especialista em neuropsicologia, diz que a falta de perspectiva de futuro e os danos causados pelo isolamento intensificaram os sintomas de ansiedade, uma vez que a rotina foi interrompida rapidamente, sem previsão de quando voltaria à normalidade.
Nesse sentido, os índices de jovens que precisam de acompanhamento psicológico relacionado a essas questões aumentou durante a pandemia.
Mas, o que é a ansiedade? O corpo humano apresenta, de forma natural, respostas ansiosas em certas situações, como um mecanismo de defesa e sobrevivência. Sendo assim, a ansiedade é uma sensação comum às pessoas que se encontram frente às possibilidades do futuro, necessária para que possamos seguir a vida e enfrentar possíveis situações de risco.
É normal que o corpo comece a apresentar, em momentos de tensão, sintomas como sudorese, frio na barriga, pensamentos acelerados, boca seca, respiração ofegante, entre outros sintomas – que, em geral, são passageiros e vão embora depois de encararmos a situação.
No entanto, existem casos nos quais essa ansiedade ganha maiores proporções e atrapalha o dia a dia da pessoa. O Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) é caracterizado por um distúrbio a partir do qual a pessoa apresenta uma “preocupação excessiva ou expectativa apreensiva”, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM – V).
Quadro ansioso ou síndrome de ansiedade?
No TAG, os sintomas são mais duradouros, intensos e frequentes, e a pessoa não consegue controlar a presença de pensamentos catastróficos desproporcionais à situação que enfrenta. Segundo Rodrigo Teixeira Lopes, psicólogo e pesquisador em Psicologia Clínica, a principal característica dos ansiosos sociais é o medo da avaliação por parte dos outros.
Por causa disso, elas evitam situações nas quais vão se expor para que não sejam avaliadas, chegando ao ponto em que isso causa um impacto no trabalho, nos estudos, nas relações íntimas e nas relações sociais de maneira geral. É nesse momento que o indivíduo deve procurar a ajuda de um profissional.
No contexto da pandemia, no qual o isolamento social foi imposto à sociedade como medida de sobrevivência e segurança, as interações sociais, contatos e conexões com amigos e familiares viraram sinônimo de perigo, criando um alerta no subconsciente.
A partir do momento em que atividades que envolvem estar próximo a outras pessoas voltam, esses alertas começam a ser acionados de maneira involuntária, gerando um medo inconsciente de sair de casa, mesmo que já exista uma vacina eficaz para a doença e, no Brasil, um avanço na vacinação.
Quando a ansiedade e os alertas estão elevados, o subconsciente da população começa a querer evitar as situações sociais. Esse estado extremo impacta negativamente as interações sociais e tarefas práticas como o trabalho, ganhando o nome de fobia social.
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Medo pós-pandemia tem nome
Júlia Tainá Pereira, jovem de 19 anos e estudante na Unifal, faz parte do grupo de pessoas que ainda sente medo só de pensar em estar no meio de uma aglomeração. “Depois de passar mais de um ano sem ter muito contato com as pessoas, ir em locais que tenham aglomeração é algo que me deixa com muito medo, não me vejo frequentando esses lugares tão cedo.”
Leticia Marine Vasconcelos, de 20 anos, acrescenta que o fato de muitas pessoas já estarem indo para aglomerações de maneira irresponsável, sem seguir as recomendações do uso de máscara, torna toda a situação mais preocupante, já que ela não sabe quais cuidados a pessoa, que pode estar ao seu lado em uma sala, está tomando.
“Eu acho que a pandemia ampliou o debate sobre saúde mental. Isso eu consigo afirmar com bastante clareza, em geral. Sobre ansiedade social em específico eu acho que isso teve uma atenção por causa do isolamento social, que é diferente da ansiedade social. Mas a ansiedade social volta para a pauta agora que a gente tem que voltar a sair”, diz Rodrigo.
As fobias sociais sempre existiram, a questão é que, com a pandemia, o número de pacientes que apresentam esse quadro cresceu. A cientista comportamental inglesa Logan Ury inclusive criou, nesse contexto, o termo F.O.D.A, ou Fear Of Dating Again (que, em uma tradução literal, significa: medo de se relacionar novamente).
O conceito faz referência ao elevado número de pessoas que afirmam ter medo de voltar a se relacionar com outras pessoas ou acham que não sabem mais como estabelecer essas relações agora que precisam sair de suas casas para enfrentar o mundo pós isolamento.
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Pessoas introvertidas foram as mais atingidas pela ansiedade social
Segundo o psicólogo Rodrigo Teixeira Lopes, extroversão e introversão são considerados, dentro da psicologia, traços de personalidade e, dessa forma, dificilmente uma pessoa extrovertida se tornará introvertida no período de alguns anos.
Desse modo, podemos pensar que pessoas que já gostavam de sair, estar rodeadas por outras pessoas o tempo todo, ou participar de eventos, têm mais facilidade no contato social e continuaram com esses traços mesmo depois do isolamento social.
“Essas pessoas provavelmente ficaram mais deprimidas durante o isolamento. Talvez elas não tenham tanta dificuldade na volta, porque já têm essa vontade de estar com o outro, não têm esse medo do outro”, acrescenta Rodrigo.
Por outro lado, as pessoas introvertidas se “encapsularam”, evitando situações que normalmente as deixariam ansiosas e sentindo um alívio na ansiedade resultante da ausência da necessidade de interação. No entanto, agora, com as situações sociais voltando a algum nível de normalidade, essa predisposição a ter ansiedade volta com mais força.
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O psicólogo ainda fala do princípio de habituação, que considera que o ser humano tende a pensar que a ansiedade, em situações específicas, aumenta exponencialmente. Ele afirma que, na verdade, ela aumenta até um ponto máximo e, depois disso, passa. Então, quando as pessoas evitam as situações sociais, como foi o caso das pessoas introvertidas durante a quarentena, elas fogem no momento em que a ansiedade está no ponto mais alto.
Quanto mais distantes da interação social, mais perigosa ela parece para o indivíduo, já que ele começa a imaginá-la como pior do que ela realmente é. Rodrigo descreve essa questão com a imagem de um monstro imaginado dentro de um armário: a ideia do monstro é muito mais assustadora do que a realidade, que é a de um armário vazio.
O medo desproporcional à realidade causado pela distância também ocorre com as situações de interação social para as pessoas que sofrem desse tipo de ansiedade.
Bruna Gomes, de 16 anos, é um exemplo desta situação. Ela afirma saber que com o aumento da vacinação, a volta de atividades de entretenimento que causam multidões é inevitável e não faz sentido adiá-las, apesar de sentir muito medo delas. Ela diz: “Eu, sinceramente, não acho que agora seja a hora de retomar esse tipo de atividade. Mas, como esperar mais um pouco seria como ‘enxugar gelo’, acho que prover mais higiene seria o essencial, principalmente em transportes públicos, como metrô.”
Ao contar como pensar em aglomerações afeta o seu psicológico, Bruna diz: “Estar em meio a multidões já me deu crise de pânico! A sorte é que eu estava com alguém do lado para cuidar de mim. A pandemia agravou muito o quadro de ansiedade que eu já tinha.”
Considerando que as pessoas que já sofriam de algum tipo de ansiedade social serão as mais afetadas com a volta das atividades presenciais, que se apresentam como uma situação desafiadora para esses indivíduos, é importante que, como sociedade, estejamos preparados para lidar com esse cenário. O psicólogo Rodrigo Lopes ressalta a importância da escuta e do acolhimento, da valorização da ciência e da razão.
Quando, por que e como buscar ajuda?
Em relação a medidas mais práticas para ajudar aqueles que se sentem ansiosos, além da busca pela ajuda profissional, o psicólogo cita três ferramentas.
A primeira delas é focar mais no externo do que no interno, ou seja, tirar o foco dos seus processos internos e do medo do julgamento alheio e jogá-lo para as outras pessoas, dando maior atenção ao que elas estão dizendo, no lugar onde você está, na situação em si.
A segunda medida é o conhecimento, ou reconhecimento, dos próprios pensamentos. A partir disso, é possível enfrentar a ansiedade e os processos que a causam de maneira racional, questionando até que ponto eles realmente condizem com a realidade.
A terceira e última ferramenta é a exposição: Rodrigo afirma que, por meio do processo de habituação é possível enfrentar as situações sociais, começando por aquelas que causam menos medo até aquelas que são fonte de uma ansiedade mais intensa.
Apesar de a ansiedade social ser, em geral, uma condição crônica, especialmente considerando a tendência das pessoas que sofrem dessa questão em se afastar cada vez mais das situações que exigem alguma interação social, existem formas de tratá-la.
Com a volta às atividades presenciais e a uma certa “normalidade”, após quase dois anos de isolamento social em maior ou menor grau, é de extrema importância que, como sociedade, estejamos preparados para escutar, acolher e ajudar as pessoas que ainda se sentem ansiosas diante de situações sociais.