Excesso de trabalho pode levar a Síndrome do Esgotamento Profissional, também conhecida como Burnout, um distúrbio emocional causado pelo esgotamento físico e psíquico
Você já ouviu falar na Síndrome de Burnout? A expressão vem do inglês burn, que significa ‘queimar’ e out, que significa ‘fora’. A síndrome foi citada pela primeira vez pelo psicólogo Herbert J. Freudenberger, na década de 70. Herber observou as mudanças de humor que o trabalho pode provocar, de forma que definiu a Síndrome de Burnout como uma exaustão profissional. A síndrome, que talvez não seja tão conhecida pelo nome técnico, é muito presente no mundo corporativo e pode desencadear outras doenças, como a ansiedade e a depressão.
Em janeiro de 2022, a Organização Mundial de Saúde incluiu a síndrome no código internacional de doenças (CID). Estima-se que um terço da população brasileira seja afetada pelo Burnout.
“Burnout é uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. É caracterizada por três dimensões:
Sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia;
Aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho; e
Redução da eficácia profissional”(Organização Mundial da Saúde/Definição da Síndrome de Burnout)
Segundo a psicanalista Camila Custódio, o Burnout é um distúrbio caracterizado pelas tensões e desgastes emocionais que levam o indivíduo a um esgotamento físico, profissional e mental . “O esgotamento se relaciona com as condições de trabalho. Dentro desse quadro de esgotamento, a pessoa não consegue mais pensar, se motivar ou agir como gostaria, é como se ela estivesse anestesiada emocionalmente”, explica.
Síndrome de Burnout dentro da sociedade contemporânea
A visão da sociedade contemporânea sobre a Síndrome de Burnout acompanha a visão da sociedade do desempenho, que é descrita pelo filósofo Byung-Chul Han em um de seus ensaios, conhecido como A Sociedade do Cansaço (The Burnout Society, no título em inglês).
O filósofo aponta que há um desejo inconsciente dentro das sociedades de maximizar a produção. Como contraponto, Byung-Chul defende que a sociedade do desempenho e a sociedade ativa geram um esgotamento excessivo, assim como a Síndrome de Burnout. A psicanalista Custódio explica que a síndrome não está apenas relacionada ao trabalho, podendo também ser fruto do acúmulo de tarefas escolares ou acadêmicas e até mesmo domésticas.
A auditora Ana Beatriz Mendes Pereira, de 24 anos, sentiu na pele a pressão da sociedade. Em seu antigo trabalho, de estagiária, Ana conta que não tinha muita rotina e nem contato com o que era apresentado para ela realizar. “Sentia que estava muito atrás, sempre fazia horas extras, não remuneradas ou adicionadas em banco de horas. As seis horas do estágio de segunda a sexta foram se tornando oito horas todos os dias. Me pediam pra fazer um trabalho na sexta de tarde para entregar na segunda, e eu achando que precisava entregar mais pra ser reconhecida pelo esforço já que não dominava o trabalho”, explica Ana.
Foram dois meses dentro de uma rotina desgastante e sem dias de folga. Dentro desse contexto, a auditora encontrou dificuldades para conciliar o trabalho e faculdade, suas as notas caíram. Apesar das dificuldades, ela sempre “ia dormir pensando que no outro dia ia ser diferente”. Os excessos levaram Ana a um quadro de Síndrome de Burnout e seu cansaço se manifestava através de apagões, “dava tela preta e muita dor de cabeça”, relembra. Depois de chorar na frente dos colegas de escritório por não conseguir fazer uma planilha simples e entender as instruções passadas, a jovem chegou em casa e dormiu por 26 horas seguidas. “Eu faltei ao trabalho na segunda e na terça, aguardando a consulta com o psiquiatra. Eu já fazia psicoterapia, mas, durante esse período, eu só tive tempo para fazer duas sessões. Passei em uma consulta e fiquei 14 dias afastada. O psiquiatra não me diagnosticou naquele momento, quem conseguiu me alertar sobre a gravidade do que eu estava passando foi a minha psicóloga, quase 3 semanas depois”, relata Ana sobre sua experiência.
Kemilly Muniz, de 21 anos, também enfrentou o Burnout, em setembro de 2022. Ela conta que, em seu ambiente de trabalho ela era completamente ignorada, “era como se eu estivesse louca, ou sendo emocionada”. Em ambos os casos, as jovens se sentiram pressionadas pela sociedade. “Sempre sinto que preciso alcançar o meu desempenho máximo, eu me julgo como preguiçosa e isso só aumenta minha insegurança com qualquer coisa que eu realizo”, conta Ana Beatriz.
Após o episódio de apagão, a auditora foi chamada pelos chefes para uma reunião. “Me colocaram de frente com três homens de poder e eu não consegui falar a verdade, que era por causa do trabalho, explicar tudo que tinha acontecido. Eu menti, falei que eram problemas pessoais, mas que eu voltaria a trabalhar e melhoraria”. No caso da jovem, a empresa ofereceu à ela uma licença sem remuneração, mas, por precisar do dinheiro, não aceitou o convite, “me pareceu mais uma forma de me tirar da vista dos outros funcionários”, diz ela.
A também auditora, Kemilly, conta que, após seu episódio, aprendeu a ajustar sua rotina “de uma forma que eu procrastine menos e também sem tanta cobrança pessoal”. Já Ana, começou a colocar limites em seu antigo trabalho, entretanto, passou a ser vista como preguiçosa. Um mês antes de sair do emprego, ela conta que sentiu todo o lado esquerdo de seu corpo formigando e dormente, “foi quando eu percebi a gravidade da situação”. Após ficar internada por dois dias, a jovem foi diagnosticada com estresse. “Recebi uma mensagem de um dos gerentes, ele foi o único que realmente viu a gravidade de toda situação, mas uma pessoa não consegue mudar a cultura organizacional. Só consegui encontrar a paz depois de ser demitida deste trabalho. E hoje, eu busco qualidade de vida e equilíbrio em todas minhas tarefas, minha principal ajuda para isso é a psicoterapia”, conta.
Como a doença apareceu na mídia
A doença, que não é novidade na rotina de inúmeras pessoas, não tinha sua relevância dentro da mídia. Em 1864, o neurologista americano George Beard levantou os problemas da exaustão, defendendo que a neurastenia, um transtorno psiquiátrico, era na realidade o cansaço generalizado causado pela civilização moderna.
Contudo, somente na década de 70 surgiu a primeira descrição científica do burnout, feito pelo alemão Herbert Freudenberger que foi vítima do problema também. Apenas em 1999 a doença foi reconhecida pelo Ministério da Saúde brasileiro como doenças relacionadas ao trabalho.
Nos últimos anos, o termo foi ganhando força na internet, principalmente nas redes sociais. A intenção era conscientizar a população sobre este problema e evitar sua banalização. Junto aos posts, diversas matérias explicando desde os estágios do burnout até como isto pode afetar a empresa foram lançados.
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A Síndrome de Burnout no dia a dia
Mesmo sendo uma doença da qual todos podem estar suscetíveis, pessoas que enfrentaram o Burnout, mesmo após o episódio, ainda precisam lidar com a falta de empatia e compreensão de terceiros que, por vezes, não entendem a gravidade do caso.
A psicanalista Camila explica que a síndrome vai se manifestando de forma gradativa, através de apagões, lapsos de memória, alterações bruscas de humor, ansiedade e sono de baixa qualidade. No corpo, os sinais também são evidentes e se caracterizam principalmente por palpitações, dores de cabeça, dores musculares e problemas estomacais.
É necessário ter empatia com quem enfrentou ou enfrenta a síndrome, de forma que seja possível construir um ambiente seguro e respeitoso para que a pessoa que está convivendo com o Burnout possa, aos poucos, se recuperar. No trabalho, a psicanalista explica ser importante a atenção e acolhimento por parte das lideranças, “dar espaço para falar sobre a síndrome, a importância dos cuidados com a saúde mental e emocional e o quanto a negligência com esses cuidados vai impactar também nos resultados e nas entregas desse trabalho”.
“Não tem como acolher se o sofrimento do outro não for validado, se considero fraqueza o fato da pessoa pedir ajuda”, diz Camila.
Contudo, atualmente, a Síndrome de Burnout não é, de fato, respeitada dentro da sociedade sociedade. Assim como outras doenças, o Burnout precisa ser entendido, estudado e aceito em meio aos ambientes pessoais e profissionais. Camila finaliza explicando ser preciso rever as linhas que dividem os limites entre trabalho, família e lazer, “hoje as pessoas não se permitem parar, pedir ajuda e principalmente impor limites que é a maior dificuldade dos indivíduos afetados pela síndrome, já que não existe produtividade sem descanso e muitas vezes esquecemos disso”.