Médico na linha de frente contra a covid-19 garante que o desafio será maior que em 2020
Passado um ano desde o início da pandemia de covid-19, diversos países caminham para a estabilização e declínio do número de casos e mortes decorrentes da doença. O Brasil, na contramão, enfrenta seu momento mais crítico desde então, com mais de 2 mil mortes diárias — e batendo recordes consecutivos –, além da falta de recursos nos hospitais, como oxigênio e leitos de UTI. O colapso do sistema de saúde, tanto na rede privada quanto na pública, já é realidade em diversas cidades. Em outras, é iminente. Ainda nesse cenário, a crise política emerge como fator agravante.
Na fase inicial da pandemia, em 2020, havia uma tentativa de achatar a curva de contaminação, a fim de evitar o colapso do sistema de saúde. Contudo, de acordo com o médico da Santa Casa de São Paulo, Fábio Almeida, 27 anos, esse discurso caiu no esquecimento, e o Brasil caminha rumo ao caos. “A crise é evidente e inegável. Regredimos, e muito, no combate à pandemia. Sem sombra de dúvidas, hoje estamos perdendo a guerra”, afirma.
Neste momento, a alta ocupação de leitos de UTI destinados aos casos de covid-19 gera preocupações quanto à espera de pacientes de outras doenças — no caso dos oncológicos, por exemplo, é inviável aguardar por longos períodos. É nesse cenário que relatos de mortes devido à incapacidade de assistir todos os pacientes já são realidade (e rotina).
Almeida atuou majoritariamente no combate ao coronavírus dentro do Hospital de Campanha do Anhembi, na Zona Norte de São Paulo, que foi desativado em setembro de 2020. Segundo ele, medidas como a suspensão de consultas ambulatoriais, o cancelamento de cirurgias eletivas (sem caráter de urgência) e o fim da exclusividade de quartos dizem respeito a um redirecionamento orçamentário e de fluxo e são decisões “duras de se tomar, contudo necessárias, visto o atual contexto pandêmico”.
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Para o médico, atribuir a responsabilidade do caos inteiramente ao governo é uma atitude simplória, já que “é urgente a necessidade de entendimento e adesão da sociedade para realizar o lockdown”. No entanto, ele defende a ideia de que são as políticas adotadas que traçam o rumo da pandemia e critica a postura de Jair Bolsonaro e sua relação com os governos estaduais e municipais.
“O desserviço do governo Bolsonaro para com a saúde pública nacional é incomensurável e desrespeitoso — para não dizer criminoso. Porém, o maior impasse da nossa luta é o descompasso entre as esferas governamentais. As ideias não são alinhadas. O governo federal mantém seu negacionismo, não adota medidas de contingenciamento a nível nacional; governos estaduais discordam e elaboram as suas próprias políticas e os municipais alteram diariamente suas normas. E em meio a esse fogo cruzado, a população sem saber qual lado seguir. É indispensável o diálogo e a harmonia das propostas entre os três âmbitos para termos um resultado considerável e maior aceitação e confiabilidade da população.”
Almeida analisa o negacionsimo que rodeia o País e ataca institutos de pesquisa, como o Butantã e a Fiocruz, e julga, ainda, que “o boicote diuturno do governo Bolsonaro em relação às medidas restritivas e à vacinação, associado a uma promessa milagrosa de cura com medicação improfícua é muito mais ‘palatável’ e mais fácil de captar a população”.
De acordo com ele, as pessoas se apoiam em discursos negacionistas porque são mais confortáveis do que aceitar a realidade do Brasil hoje. “É ingênuo esperar que a sociedade brasileira entenda a metodologia científica utilizada por esses institutos, ainda mais quando o presidente do País apresenta um caminho mais fácil, mesmo que totalmente ilusório”, diz.
No momento, também há uma grande preocupação a respeito do surgimento de novas variantes da doença e seu impacto no aumento disparado da média móvel de mortes. Mas, segundo Almeida, ainda é cedo para afirmar se as novas cepas são o fator principal, já que o relaxamento de medidas restritivas é um dos grandes responsáveis. No entanto, a relação não foi descartada, visto que muitos jovens vêm apresentando cada vez mais casos graves, incluindo evoluções a óbito.
O futuro da pandemia permanece incerto. Ainda de acordo com o médico, a crise sanitária, em conjunto com a já instaurada crise político-econômica, segue anestesiando a sociedade há mais de um ano. “O número de mortes diárias já não nos abala como antes. Seguiremos perdendo cada vez mais vidas, enquanto nosso foco não for prioritariamente a nossa maior arma no momento: a vacinação.” Para ele, o desafio será maior do que em 2020.