Mesmo proibidas, casas de prostituição seguiram funcionando durante a crise sanitária, relatam frequentadores
“Nesta terra há um grande pecado”. Assim as terras tupiniquins foram descritas pelo jesuíta que viria a ser conhecido como fundador do Colégio de Piratininga, padre Manoel da Nóbrega, em 1549. Ele referia-se ao desejo carnal que consumia os colonizadores portugueses que se encantavam com as nativas, e, sobre elas, disseminaram práticas poligamia e crimes como o estupro. Para corrigi-los, o padre encomendou ao reino que enviasse para o Brasil órfãs, ou mesmo mulheres “que fossem erradas”. O plano clerical saiu pela culatra, e, perto das fontes do lugarejo que iria tornar-se São Paulo, essas mesmas mulheres se mercantilizavam na esperança de sobreviver no Novo Mundo. A prostituição ao longo da história foi muito repreendida com multas, cárcere e até banimento, sendo proibida até hoje. Mas o “pecado” que Manoel da Nóbrega expôs mostra-se persistente. Mesmo com uma das maiores crises sanitárias de toda a história, a indústria dos bordéis paulistanos mantém-se pulsante.
Fiscalização nos bordéis
Para boa parte do varejo, infringir decretos do governo e contar com a vista grossa de fiscais é uma situação inédita. Não é o caso dos bordéis. Com receio da fiscalização, as casas de prostituição sempre precisaram operar na surdina, como relata Jorge (nome fictício, como os demais da reportagem), ex-auxiliar administrativo de um bordel da Penha: “Os fiscais passam na frente uma vez por semana, pegam o dinheiro e vão embora. Não entram para conferir nada. Imagina só se vão entrar num cabaré para conferir protocolo de saúde? Nunca tivemos isso, nem para ISTs [infecções sexualmente transmissíveis]. Nos bordéis, não tem álcool em gel, nem máscara, nem nada.”
A falta de protocolos para evitar o contágio da covid-19, no entanto, não intimida a frequência. Para o estudante de medicina Leonardo, 22, “esse tipo de passeio é mais para zoar e ficar iludindo as meninas, o que faz elas ficarem com raiva de nós. Depois, a gente vaza”. Nem sempre as coisas ficam só no papo. O jovem afirma ter contratado os serviços de uma das acompanhantes de um prostíbulo na rua Augusta, um dos 4 frequentados por ele durante a pandemia.
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Histórias de frequentadores
Ao sul da cidade, um outro cabaré manteve-se aberto às espreitas. Era maio de 2020 quando, Márcio, estudante universitário, estava esperando pelo almoço, até que seu tio chegou em casa e perguntou-lhe sobre saírem para comer. O estudante de 20 anos aceitou o convite e, após lancharem no Mercadão, o tio dirigiu com o sobrinho até o que “parecia ser uma clínica” em Moema, Zona Sul de São Paulo. Márcio não entendeu muito bem e só quando estava dentro do estabelecimento compreendeu que não se tratava exatamente de um consultório médico. Uma mulher surgiu e começou a acariciá-lo, deixando-o “muito nervoso, pois nunca tinha transado com uma prostituta. Eu realmente não estava preparado”. O combinado foi um revezamento da garota de programa entre sobrinho e tio, mas o estudante acabou não consumando o ato: “Na minha hora, acabei brochando por causa do nervosismo”.
Para alguns frequentadores, o contexto pandêmico representou, sim, um empecilho. Receoso de ir a bordéis, Rodrigo, 18, preferiu procurar acompanhantes com local próprio. Foram 6 visitas desde março de 2020. A mais marcante representou a infidelidade no namoro. “Me senti culpado. Vai que eu pego alguma coisa”, relata. Leandro não compartilha do receio de Rodrigo e, como argumento, recorre ao seu envolvimento no combate à covid-19. “Estou no hospital toda hora. Se não pegamos lá mexendo com pessoas que estão com coronavírus, como que a gente vai pegar mexendo com umas mulheres?”.
Realidade dos bordéis paulistanos
A preferência por prostitutas com local próprio é compartilhada por João Alexandre, 18, assíduo usuário do site PhotoAcompanhantes. Desde o início da pandemia, ele já se encontrou com duas mulheres que exibiam seus anúncios no catálogo virtual. Ao contrário de Rodrigo, a opção não tem a ver com receio de contágio. “Foi num bordel, inclusive, que perdi minha virgindade. Pretendo voltar, mas não está abrindo por conta da pandemia. Estou cagando para a covid-19”, afirma.
Se tivessem optado por uma ida ao bordel, Rodrigo e João encontrariam cenas que parecem fazer parte de um mundo sem pandemia. “Todo mundo cagando, sem máscara”, narra Leandro. “Todas as vezes que eu fui estava lotado. Você não conseguia andar direito porque esbarrava na mulher. As paredes do clube inteiro estavam cheias de ‘mina’ esperando”. Márcio ratifica a falta de protocolos sanitários: “Não dá para transar de máscara, né? A única proteção que usamos foi camisinha.”