"É preciso falar”: casos de estupro no futebol chamam atenção pela forma como repercutem na mídia - Revista Esquinas

“É preciso falar”: casos de estupro no futebol chamam atenção pela forma como repercutem na mídia

Por Gabriela Belchior e Pedro Nascimento : outubro 4, 2024

Os casos discutidos na grande mídia recentemente foram com os ex-jogadores Robinho e Daniel Alves, e com o treinador Cuca. Foto: Reprodução/Freepik

Cultura do estupro no ambiente esportivo descarta sensibilidade com as vítimas e apaga ética jornalística; profissionais da área discutem

No primeiro trimestre deste ano, casos de estupro no futebol marcaram os espelhos dos principais jornais do país. Em março, o ex-lateral Daniel Alves, que atuou por equipes como São Paulo, Barcelona e Seleção Brasileira, e que desde janeiro de 2023 estava preso, deixou a prisão na Espanha após decisão da Justiça que, em maioria, aceitou soltar o ex-jogador enquanto a defesa aguarda a sentença definitiva. A liberade provisória só foi concedida mediante pagamento de uma fiança de 1 milhão de euros (à época R$ 5,4 milhões).

“Apesar de todas as provas, é triste você ver um culpado podendo se safar de sua sentença pagando. É muito triste, cansativo, assustador”, desabafa Mariana Neves, criadora de conteúdos do São Paulo Futebol Clube.

No Tribunal de Barcelona, em dezembro de 2022, o brasileiro foi condenado por estuprar uma mulher de 23 anos em uma boate espanhola. A sentença determinou uma pena de 4 anos e meio de prisão, seguida por liberdade supervisionada de 5 anos e 9 anos de afastamento da vítima.

A influenciadora do time paulistano relata que, como mulher e torcedora, as situações recentes a assustam, principalmente o julgamento do caso na Justiça. À época, não houve manifestação do clube tricolor.

daniel alves

Apesar de condenado em dezembro de 2022, o ex-jogador foi solto em março deste ano.
Foto: Reprodução/Instagram @danialves

Além de Daniel, o também ex-jogador Robinho, que jogou por equipes como Milan e Santos, foi “capa” do Jornal Nacional em março deste ano após ser detido pela Polícia Federal na cobertura onde morava em Santos, no litoral de São Paulo.

Há 11 anos, Robinho, à época jogador do Milan, foi acusado de estupro coletivo em uma boate em Milão. Quando houve a decisão em última instância, em janeiro de 2022, Robinho já estava no Brasil. Como o país não extradita seus cidadãos, a Itália pediu o cumprimento da pena em território brasileiro. Com isso, o ex-atacante, hoje, se encontra no presídio Tremembé 2 – conhecido também por receber presos famosos. Pela decisão da Justiça brasileira, o ex-atleta deve cumprir a pena de nove anos de prisão pelo crime ao qual foi condenado na Itália.

“Todas nós já passamos por isso alguma vez na vida, e uma mulher falar sobre esse tema quebra diversas barreiras internas e na sociedade”, relata Marielle Rojas, do SBT Sports. A repórter completa que a predominância de homens nas redações, por mais conscientes que sejam, nem sempre entendem o peso da cobertura de casos de estupro. “Muitas vezes eles não sentem na pele o que é um abuso e a importância de falar disso no futebol. Acaba se tornando só mais um tema.”

“É preciso falar”

Apesar de trazer consigo uma grande repercussão, os casos de Daniel Alves e Robinho não podem ser considerados regra absoluta. Alguns se desvanecem, como o do ex-treinador do Atlhetico Paranaense, Cuca. Ele que já foi jogador e teve passagens por Grêmio, Internacional e Palmeiras, no ano passado, precisou deixar o posto de treinador do Corinthians devido a repercussão negativa de sua contratação.

Há 37 anos, Cuca, à época jogador do Grêmio, e mais dois atletas praticaram violência sexual contra uma jovem de 13 anos, que foi ao hotel onde os então jogadores do clube gaúcho estavam hospedados pedir autógrafos e brindes. Uma investigação feita pelo jornal suíço Der Bund dá conta de que no processo há a acusação da presença de sêmen de Cuca no corpo da menina.

Rojas esperançosa acredita que, com a cobertura desses três casos recentes, no Brasil, a cultura do silêncio está mudando, mas “é preciso falar”.

“Para a mulher falar de futebol já é extremamente difícil. Então uma mulher ‘peitar’ e falar de estupro, um crime, é pior. Você tem que ‘peitar’ os seus próprios traumas com o assunto de abuso e ainda tem que estar pronta para receber ‘porrada’.”

Em junho de 2018, o instituto Women in Sport, constatou que, na indústria do esporte, 30% das mulheres se sentem menos valorizadas. Entre algumas das sensações de subserviência, o estudo pontua que o gênero feminimo recebe menos pelo o que faz, enfrenta mais dificuldades para crescer profissionalmente, são julgadas injustamente e sofrem discriminação no ambiente esportivo. 

Por estar inserida no meio, a influenciadora Mariana Neves afirma que já se sentiu assediada moralmente em diversas vezes nas arquibancadas e nas produções de seus conteúdos sobre futebol na internet.

“Acredito que, graças a cada mulher que não desiste, todas nós ganhamos mais força de vontade para mudar essa situação e não deixarmos mais nos agredir moral e fisicamente.”

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Ainda poucos

O Esporte Clube Bahia, primeiro clube de futebol profissional de Daniel Alves, publicou um vídeo nas redes sociais em forma de protesto contra a violência sexual após a polêmica envolvendo o ex-jogador. O time foi o único que se posicionou nas plataformas, em decorrência dos casos criminais envolvendo atletas.

“O Esporte Clube Bahia levanta sua voz contra a cultura do estupro e convida o mundo do futebol a ingressar nesse debate. A culpa é sua, o corpo não”, em nota na rede social Instagram.

 

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O capitão da Seleção Brasileira, Danilo, também se posicionou ao expressar sua opinião sobre os últimos casos de abuso sexual e machismos dentro do futebol. O lateral-direito comentou sobre a possibilidade da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) iniciar um projeto de conscientização para jovens jogadores.

Iniciativas como o projeto de conscientização da CBF e o compromisso do São Paulo Futebol Clube com a campanha “São Paulo Por Todas” representam passos importantes, ampliando a visibilidade de políticas públicas femininas como rede de proteção e acolhimento. Entretanto, a mudança não é apenas responsabilidade dos líderes e da mídia. Os torcedores também desempenham um papel crucial na promoção de uma cultura mais inclusiva nos estádios.

O @nacaofemininatricolor, movimento divulgado no Instagram, exemplifica como as torcidas podem se unir para desafiar a norma e criar um ambiente onde todas as vozes sejam ouvidas e respeitadas.

Editado por Luca Uras

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