Marcelo Rocha afirma que foi impedido de circular livremente pelo local por um policial militar, que não acreditou que o rapaz era fotógrafo
A crise política que o Brasil enfrenta em plena pandemia ganhou novos contornos no domingo, 31 de maio. A Avenida Paulista foi palco de uma expressiva manifestação antifascista, organizada por integrantes de torcidas de futebol sob a bandeira da defesa da democracia no país. O movimento se opunha a um evento de apoio ao presidente Jair Bolsonaro que acontecia no mesmo lugar, a pouco mais de um quarteirão de distância. O fotógrafo e ativista Marcelo dos Santos Rocha, de 22 anos, estava presente no local, filmando e documentando tudo que ocorria durante os protestos. “Foi um ato bem atípico, a gente não esperava. Eu tenho feito a cobertura de manifestações há quase um mês, tanto dos atos bolsonaristas quanto da resistência antifascista. Ontem a mobilização cresceu muito, motivada pela onda global contra o fascismo e o racismo”, opina.
Marcelo usou suas redes sociais para denunciar um caso de racismo durante a manifestação. Segundo ele, ao tentar entrar na manifestação bolsonarista para fotografar, foi barrado por um policial militar — outros fotógrafos circulavam livremente pelo espaço. De acordo com o ativista, houve uma pequena discussão entre ele e o policial, registrada pelo colega Rogério Santis. Ainda assim, Marcelo não conseguiu atravessar o cordão de isolamento da PM.
Para o profissional, houve preconceito racial. “Quando a gente é fotógrafo, principalmente negro, existe uma disputa narrativa de quem conta a história. Sempre vemos esses conflitos em que alguém desacredita do fotógrafo porque ele é negro”, argumentou. “Ao ver um fotógrafo negro, ele automaticamente identificou como um fotógrafo de esquerda ou como ‘arruaceiro’ — o próprio policial usou esse termo”.
“Enquanto todos os outros fotógrafos e jornalistas circulavam, ele me seguia. Achava que eu não era fotógrafo, mesmo portando o equipamento e todas as identificações possíveis. É uma situação muito constrangedora ter que provar o seu trabalho e ser restringido de algo que todos os outros comunicadores não são”, relatou Marcelo, que criticou a repressão violenta da PM ao final dos atos.
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O fotógrafo também opinou sobre o racismo na sociedade. Segundo ele, os negros têm de enfrentar uma questão histórica e sistemática, já que no Brasil o povo vindo da África foi escravizado por muito tempo. “Ninguém vai ver um moleque negro e imaginar que ele é cineasta, fotógrafo ou documentarista. A opinião sempre vai vir carregada de um estigma social, de uma imagem já criada sobre nós. Hoje, parte da nossa luta enquanto comunicadores é também para dar possibilidades aos jovens negros”, explicou.
Professor de fotografia no Instituto Moreira Salles, o profissional ambiciona multiplicar o número de fotógrafos negros. “É importante que esse número aumente para que a gente pare de passar por situações como essa e possa contar nossa história, mudando os olhares da sociedade”, contou.
O ativista defendeu os atos pró-democracia, com o argumento de que as manifestações de extrema direita precisam de reações. “Deixar que o discurso extremista tome conta da população faz com que as cenas que vemos se tornem cada vez piores no país. Apesar de nossa democracia falhar e deixar de atingir todas as pessoas, principalmente as negras, o fascismo e o autoritarismo não são soluções. Os movimentos bolsonaristas e seus discursos de ódio são um mal para a sociedade e podem destruir todo o processo democrático, além de muitas vidas”, explicou.
Por fim, o fotógrafo comentou sobre a pandemia e a crise que o país enfrenta atualmente. “Eu não concordo com o discurso de alguns que falam ‘ainda bem que veio a pandemia’, mas acho que ela mostrou que nossa sociedade é muito desigual e escancarou diversas necessidades da população. Durante as manifestações da última revolta chilena, os manifestantes diziam que não queriam voltar ao normal, porque também era mau”, disse.
Ele comparou a situação do Chile com a do Brasil e afirmou que o mundo antes da pandemia também não era ideal.
“Ainda morriam jovens como eu, ainda deixavam pessoas com fome na periferia, ainda havia mulheres sofrendo violência doméstica. O ‘normal’ era desigual e matava pessoas da mesma forma. Espero que a gente possa criar um mundo novo após a pandemia e ter realmente uma nova sociedade”, concluiu Marcelo.