Especialista explica por que ter uma conversa clara, sem termos técnicos nem teorias fantasiosas é a melhor maneira de falar sobre sexualidade com crianças e adolescentes
“Nós nascemos com sexualidade, então devemos saber o que é isso”, afirma Jennifer Garrido, de 22 anos. A professora viralizou nas redes sociais através de um vídeo em que ensinava quais partes do corpo podem ou não serem tocadas. Em Volta Redonda (RJ), a jovem criou o Centro de Educação Integrada Jennifer Garrido, onde ministra aulas de reforços para alunos com transtornos de aprendizado.
Mas o que é educação sexual?
Educação sexual é o processo que esclarece dúvidas sobre temas relacionados à sexualidade. Desde as partes físicas até as emocionais e sociais, são abordados temas como: ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), experiências traumáticas (como abusos e assédio) e gravidez na adolescência.
Apesar de a educação sexual ser, de acordo com a ONU, um direito de crianças e jovens, polêmicas sobre o assunto são comuns. A temática ainda é retratada como um tabu, sendo até mesmo julgada como imprópria por quem acredita que ela está vinculada à “educação” do ato sexual propriamente dito.
O projeto “Escola Sem Partido” propõe que a educação sexual e moral aconteça dentro de casa, não nos ambientes escolares. Em 2018, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que educar sexualmente deveria ser exercido “apenas pelo papai e mamãe”. No entanto, segundo dados do próprio Governo Federal, 70% dos casos de abuso sexual são cometidos por algum integrante da família. Além disso, de acordo com a UNICEF, na maioria dos casos, a violência sexual contra crianças e adolescentes é cometida por um conhecido das vítimas. Ou seja, se a educação sexual for ensinada apenas pelos pais, são grandes as chances de o abuso ser naturalizado pela criança.
“Se uma criança está sendo abusada pelo pai, por exemplo, ele não vai ensiná-la onde pode ou não tocar. Quem vai fazer esse papel? Quem será o porto-seguro dela? Onde ela passa a maior parte do tempo? Na escola”, afirma a professora.
Programas de educação sexual nas escolas
A criação de hábitos saudáveis e noções de cuidados com a saúde, como lavar as mãos, por exemplo, devem ser incentivadas desde a infância. Por que não incluir neste rol a educação sexual, uma vez que ela está relacionada com questões que afetam a saúde reprodutiva, sexual e mental de jovens, como a gravidez, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), violência sexual etc?
“É claro que para cada faixa-etária existe uma maneira diferente de abordar o assunto. Com uma criança você não fala sobre o ato sexual, mas introduz o assunto sobre os cuidados com o corpo e higiene, explicando como respeitar o corpo do amiguinho, limites, consentimento, etc.”, explica Jennifer.
Se a sexualidade é parte natural da vida humana e da convivência social, não haveria razão para a exclusão do tema nos ambientes de ensino. Muito pelo contrário: a educação sexual ajuda jovens a compreender e a lidar melhor com experiências naturais como a puberdade, a menstruação e a virgindade. Sendo assim, sua importância para a prevenção de abusos está na necessidade de a criança entender quais são os limites de qualquer pessoa sobre o seu corpo.
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Prática sexual vs educação sexual
Os especialistas não acreditam que a educação sexual possa ser uma forma de erotização ou um “degrau precoce” para a introdução da prática sexual. Essa distorção pode afastar a informação e o conhecimento e gerar ainda mais tabus e preconceitos.
Afinal, por que não falar sobre sexualidade?
Em sites pornográficos, não é difícil encontrar o “ato sexual”. Nesse caso, não se trata de educação, e sim, de relação, o que é lidado com um sexólogo. Cabe à educação sexual o enfoque educacional, com um viés instrucional e voltado para a saúde, o cuidado e o entendimento de funções e questões do corpo. Ou seja: educação sexual não é ensinar sexo.
A abordagem destes temas na maioria das escolas restringe-se às matérias de Ciências e Biologia. Para Jennifer, deixar o assunto velado, de certa forma, trará futuras consequências e constrangimentos ao “falar sobre”. “Acredito que deveríamos abordar a educação sexual desde os primeiros anos da escola, não só no 5°ano quando se fala sobre reprodução e pronto. Ela já pode começar a ser ensinada desde o começo. A maneira que eu converso com uma criança de um ano não é a mesma que com uma de quatorze. Porém, é essencial saber a diferença de abordar o assunto sem deixar algo importante passar”, afirma.
Educação lúdica é a melhor opção para a introdução da educação sexual?
As crianças têm relação com o seu corpo desde muito cedo. Isso faz parte da construção humana. Ter curiosidade sobre ele e sobre a sua origem é inevitável durante o processo de desenvolvimento. No entanto, por que ainda é tão difícil não entrar em pânico quando surgem perguntas sobre os órgãos genitais ou a reprodução humana, por exemplo? E por que é mais fácil inventar milhões de historinhas fantasiosas e nomes “bonitinhos” para explicar o que realmente acontece? A verdade é que por mais criativa e segura que essa alternativa pareça, o melhor é informar as crianças respondendo às suas perguntas de forma clara e realista.
“Se nos referimos à orelha pelo o seu próprio nome, por que não fazemos o mesmo com a vulva e o pênis? Inventar histórias como a da cegonha só contribui para o surgimento de dúvidas e desinformação, além de confundir a criança na construção da sua sexualidade. Não são os órgãos genitais o problema, nós que erotizamos a criança. Ela vê como só mais uma parte do corpo que ela está descobrindo. Afinal, se tem nome, por que chamar de “borboletinha?”, exemplifica a professora.
Jennifer também ressalta que, com a internet, a criança e o adolescente podem ter acesso a toda essa informação, mas sem filtro. Por isso, é importante esclarecer as dúvidas. “Sendo assim, ter uma conversa clara, sem termos técnicos nem teorias fantasiosas é a melhor maneira de falar sobre sexualidade com as crianças e adolescentes”, complementou.
Autocuidado e responsabilidade
Para as crianças, é preciso exaltar a instrução em relação à descoberta dos “toques no corpo” como forma de produzir um diálogo. A falta de informação sobre a estrutura física desde o nascimento pode ser a causa de um futuro constrangimento.
Com isso, pode-se desenvolver um tabu na criança com o seu próprio mecanismo de defesa. Muitas delas, além de não terem noção do próprio corpo, não se sentirão a vontade para conversar sobre o assunto. Isso tende a se agravar na adolescência.
Estudar sobre sexualidade não antecipa a vida sexual. Segundo pesquisa realizada em 1999 e em 2015 pela OMS, a maioria das pessoas que participaram de programas de educação sexual iniciaram a sua vida sexual mais tarde. Além disso, pessoas sexualmente informadas iniciaram sua vida ativa com maior responsabilidade, utilizando preservativos e anticoncepcionais para prevenir doenças e gravidez.
A educação sexual não tem idade
Ao se tratar da ideia de “educação sexual”, o pensamento popular imediatamente se volta para as crianças. Tanto é assim que são inúmeros os argumentos contrários à sua realização em razão da ideia de que seriam elas as corrompidas ao estudarem sobre o assunto.
Contudo, como mencionado anteriormente, a disseminação dos saberes sobre a educação sexual produz vários benefícios. Com as crianças crescendo, os adultos se desenvolvendo e os idosos aproveitando os últimos momentos de sua vida, nada os impede de conhecer coisas novas. O aprendizado é eficaz independente do momento que você vive. Conhecimento é sempre conhecimento. Afinal, a educação sexual (assim como qualquer outra) é indispensável para uma vida de qualidade.
Ouça o podcast da Factual900 sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.