Pediatra explica os riscos da doença para pessoas com síndrome de Down
Quem vê a personalidade comunicativa de Jamille Adriano Rosa, 25 anos, não imagina que, há sete meses, a covid-19 tornou-se uma batalha em sua vida. A luta contra o vírus agravou-se ainda mais porque a jovem já convive com uma condição genética, a síndrome de Down.
Nos dias 27 e 28 de agosto de 2020, quando o País já registrava uma média de 3,8 milhões de casos confirmados da doença, a auxiliar de cabeleireiro sentiu os primeiros sintomas. O que aparentava ser apenas uma forte dor de garganta, silenciosamente escondia uma queda brusca dos leucócitos, responsáveis pela defesa do organismo contra infecções. No dia 30, a jovem foi internada.
“Ela teve vários momentos muito difíceis”, lembra a enfermeira Gizella Rosa, mãe de Jamille. Ao longo de 16 dias de internação, cinco desses na UTI, o combate ao vírus deixou Jamille bastante abatida, com dificuldades para se locomover e se alimentar. Por conta disso, ela perdeu 10kg. Sua intubação só foi impedida pelo uso de um cateter nasal de alto fluxo, alternando o tratamento com a utilização de uma máscara CPAP (Pressão Positiva Contínua das Vias Aéreas).
Apesar de Gizella e seu marido, Pericles, também terem contraído o coronavírus, os pais puderam se revezar durante o acompanhamento da filha no hospital, por conta da síndrome de Down. “Eu não quis saber se poderia ou não. Eu falei que eu não ia embora, que eu não ia deixá-la”, diz a mãe. Jamille manteve a postura firme: “Disseram ‘sua mãe vai embora, eu fico’, mas não. Queria minha mãe comigo.”
“Quando cheguei em casa, minha perna estava muito bamba”, recorda Jamille, que começou a se recuperar por volta da terceira semana de alta. Sua rotina agitada logo foi retomada. Mesmo afastada desde o início da pandemia do salão em que trabalha, na zona Norte de São Paulo, ela assiste a lives e coloca em prática tudo o que aprende no projeto Beleza em todas as suas formas, do Grupo Alfaparf, que visa incluir jovens com deficiência intelectual no mercado de trabalho voltado à beleza.
Pessoas com síndrome de Down em risco
Embora Jamille não tenha diabetes e cardiopatia congênita, fatores agravantes para a covid-19 e comuns em pessoas com síndrome de Down, sua faixa etária pode representar um alerta por conta do resultado de pesquisas realizadas no exterior sobre a ação do vírus nessa população. Como afirma Ana Claudia Brandão, pediatra do Hospital Albert Einstein com atuação voltada à síndrome de Down e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre a Criança e o Adolescente com Deficiência da Sociedade de Pediatria de São Paulo, ter acesso aos dados brasileiros é essencial para observar se as nossas estatísticas são semelhantes às de outros países.
Entre abril e outubro de 2020, Ana Claudia coordenou a participação do Brasil em um estudo internacional realizado pela Trisomy 21 Research Society, que envolveu países como Reino Unido e Estados Unidos, e foi publicado pela EClinicalMedicine. Baseada na coleta dos dados de 1.046 pacientes que tiveram covid-19, a pesquisa apontou que estar obeso, ser do sexo masculino e ter mais de 40 anos também aumentam as chances de hospitalizações.
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“Temos que considerar essa população muito vulnerável, tanto para quadros mais graves, quanto para mortalidade”, ressalta a médica. O estudo constatou que um adulto com síndrome de Down tem uma taxa de letalidade três vezes maior do que a população geral, aproximando-se das condições de um idoso na faixa dos 70 anos.
Além disso, com o conhecimento de que pessoas com síndrome de Down apresentam uma incidência maior de doenças infecciosas virais e bacterianas, sobretudo respiratórias, o grupo foi priorizado desde o início da vacinação em países como Reino Unido e Holanda. Porém, no Brasil, a luta pela inclusão no plano nacional de imunização ainda é grande.
“Não queremos tirar vacina de ninguém, a gente quer que todo mundo que foi priorizado continue sendo priorizado. Queremos incluir essa população, porque nesse último ano construímos esse conhecimento de que realmente é uma população vulnerável à covid”, enfatiza Ana Claudia. “Aqui no Brasil, se tivéssemos a vacina, teríamos imunizado que nem Israel. A gente tem capacidade de vacinar milhões por dia, a gente faz isso nas campanhas de gripe, de influenza.”
Após mais de um ano de pandemia, a pediatra ainda ressalta que informar a pessoa com síndrome de Down é tão necessário quanto protegê-la por meio do distanciamento social. Para ela, a compreensão não deve ser subestimada: “Mesmo que você tenha que repetir diariamente se for necessário, é importante, porque isso pode ser a diferença para essa pessoa se contaminar ou não.”