Com mais da metade da população completamente vacinada, Israel mostra como combater a pandemia - Revista Esquinas

Com mais da metade da população completamente vacinada, Israel mostra como combater a pandemia

Por Melissa Charchat : abril 6, 2021

“A cada milhão de pessoas que eram vacinadas, era feita uma comemoracão”: brasileiros em Israel e especialista explicam o sucesso israelense no combate à pandemia

Localizado no Oriente Médio e com cerca de nove milhões de habitantes, Israel tem chamado a atenção de todo o mundo no que diz respeito à sua campanha de vacinação. Ela começou em 19 de dezembro de 2020, e hoje, quatro meses depois, o país já tem 55% de sua população vacinada com as duas doses. Os israelenses são seguidos pelos chilenos (18%) e estadunidenses (16%).

Na contramão dos países que aceleram sua imunização inclusive para barrar o avanço de novas variantes, o Brasil começou a vacinar em janeiro deste ano e até agora imunizou menos de 9% da população com a primeira dose. Até 1º de abril, 2,47% dos brasileiros haviam tomado as duas doses da vacina. A população brasileira é mais de 23 vezes a israelense, mas o atraso do País tem outras explicações.

ESQUINAS conversa com brasileiros que vivem em Israel e foram vacinados no país e com um cientista político especialista em Oriente Médio para entender os fatores que explicam o sucesso israelense e a defasagem do Brasil.

Foco na vacinação

Fábio Ajbeszyc, 51 anos, vive em Israel desde 2016 e trabalha como autônomo. “A logística de combate à pandemia aqui foi o lockdown desde o início, visando impedir totalmente a disseminação do vírus. Além disso, a obrigatoriedade do uso de máscara, do distanciamento social e do uso de álcool gel”, diz.

Fábio recebendo as duas doses da vacina.

Ele considera que o país foi muito bem-sucedido na contenção da pandemia, tanto em relação às restrições quanto no auxílio à população. “Para mim, que sou autônomo, o governo colocou à disposição um recurso financeiro calculado comparativamente ao maior faturamento obtido em 2018 ou 2019. Era possível ter acesso a esse cálculo no site do governo, fazendo um cadastro e solicitando o auxílio”.

Israel apostou na vacina da Pfizer e ostenta mais doses do que de fato precisará para imunizar toda a sua população. O programa de imunização foi organizado: a vacina “foi destinada, primeiro, aos profissionais da saúde. Depois disso, foram os professores, já que o funcionamento das escolas e universidades foi um dos pontos de maior discussão e prioridade ao longo da pandemia. Então, passaram a vacinar as pessoas por idade, em levas, dos mais velhos para os mais novos”, explica Fábio. “Eu me vacinei na metade de janeiro”, diz.

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A pesquisadora Flávia*, 42 anos, mudou-se para Israel aos 30, e trabalha em uma startup de Cannabis médica. Ela tomou a primeira dose da vacina no final de janeiro, quando “a vacinação começou para valer”. “Bastava agendar no aplicativo e chegar na hora marcada, não tinham filas. Depois da segunda dose, recebemos o passaporte para ter livre acesso em lugares como academias e hotéis”. A maioria absoluta da população entendeu que a vacina é segura e aprovada pelo FDA, um órgão de fiscalização sério e rígido, e necessária para voltar à rotina e recuperar a economia”, diz.

Segundo André Lajst, doutorando em Ciências Políticas e especialista em assuntos do Oriente Médio, o governo israelense não teve grande influência sobre a organização técnica da vacinação. “Israel tem um sistema público de saúde dividido em quatro empresas que têm o cadastro de toda a população. As pessoas se vacinam de acordo com as campanhas de cada uma dessas empresas. O que o governo fez foi incentivar as pessoas a se vacinarem através de propaganda e de exemplo”, explica.

“O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi o primeiro a ser vacinado, e o presidente foi o segundo. A cada milhão de pessoas que eram vacinadas, era feita uma comemoração. O combate às fake news foi levado muito a sério, e o foco agora é trazer informação ao público mais relutante à vacina, que são os ultraortodoxos e os árabes, e isso tem funcionado devido à diplomacia com as lideranças dessas comunidades”, afirma André.

Em constante contato com amigos e familiares brasileiros, Fábio comenta: “A pandemia no Brasil nunca foi encarada com a seriedade com que o governo israelense e outros pelo mundo a encararam, e isso se traduz na vacinação que agora está em andamento. Ou seja, a falta e o atraso na vacinação é um reflexo direto da atuação falha do governo ao longo de toda pandemia”.

O cientista político concorda e, ao comparar o combate à pandemia nos dois países, enfatiza que “absolutamente tudo foi contrastante”. “O posicionamento de Jair Bolsonaro em relação ao do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu no que diz respeito aos cuidados e prevenção ao vírus, e a seriedade atribuída à doença, visto que aqui no Brasil o descaso foi evidente. Inevitavelmente, isso teve consequências. O projeto de vacinação encabeçado por Netanyahu partiu do pressuposto de que só através disso Israel conseguiria sair da pandemia, que é o que está acontecendo agora”.

André afirma que o Brasil só sairá da pandemia por meio da vacinação, que foi liderada por muitos governadores e prefeitos, e não pelo presidente. “A vacina só começou a ser enxergada com a devida importância pelo presidente agora, e caso isso tivesse acontecido antes, não teríamos chegado ao ponto em que estamos hoje”, conclui.

Para Flávia, o maior problema do País é a polarização e a confusão de assuntos políticos com assuntos científicos – estes últimos impassíveis de discussão. “No Brasil, todos os assuntos são divididos entre ‘nós e eles’. Tudo é polarizado como um jogo de futebol. Conseguem ser contra ou a favor de uma informação científica, baseando-se no espectro político. Aqui em Israel, os cidadãos podem discordar em muitas coisas, mas é muito claro para todos quais são os assuntos relevantes para o bem estar de todo o povo”, conclui.

O cientista política explica que a divisão entre esquerda e direita em Israel é mais voltada a questões de segurança nacional. Já no Brasil, essa diferença se estrutura a partir de pautas sociais e econômicas.

“O governo de Israel era a favor de todas as medidas de segurança para conter a pandemia. As críticas da oposição sempre foram às consequências dessas políticas restritivas, como desemprego e necessidades da população mais vulnerável. É curioso e paradoxal que, por ser um governo de direita, a maior parte da oposição é composta pela esquerda israelense, e lá a esquerda era mais crítica ao fechamento, enquanto aqui é o contrário”.

 

*Nome fictício a pedido da entrevistada para preservar sua identidade.

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