Com 4 criações diferentes, Paulo Gannam, inventor independente, relata dificuldade no processo de comercialização dos produtos
“Não temos capital”, “já temos nossos próprios projetos”, “a crise está feia” e “não queremos ter de buscar clientes para seu invento”. Essas são algumas das frases mais ouvidas por Paulo Gannam, inventor independente brasileiro desde 2010, quando busca parcerias para seus projetos. Gannam já desenvolveu quatro criações e todas permanecem sem patrocínio ou financiamento. “Para um inventor independente brasileiro, conseguir parcerias é quase como ter as mesmas chances de se ganhar na loteria”, desabafa.
As invenções
O mineiro, que rói as próprias unhas desde criança, tem dois projetos destinados para a saúde das unhas das mãos. Um deles é uma lixa “três em uma”, que serve para nivelar, polir e lixar o contorno das unhas. A ideia veio das reclamações de seus familiares, que diziam que as lixas para unhas machucavam e não se adaptavam bem à anatomia das unhas.
View this post on Instagram
Já o outro é um protetor para quem já tem o hábito de roer as unhas. Até 30% da população mundial convive com a onicofagia (termo médico para a prática), que tem diversas causas e traz complicações emocionais e fisiológicas. Segundo Paulo, o protetor ainda ajuda a “identificar que tipo de pensamento ou emoção estão envolvidos no processo de roer as unhas”. Ambos conseguiram a carta-patente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
View this post on Instagram
As outras duas invenções de Paulo são para o trânsito. Uma delas é um “sensor lateral de estacionamento para proteger pneus, rodas e calotas junto ao meio-fio” e a outra, um dispositivo de comunicação off-line entre motoristas no trânsito que aponta mensagens sobre portas abertas, farol apagado, queimado e outros problemas do automóvel.
View this post on Instagram
Os obstáculos enfrentados por um inventor independente
A lei que fomenta a inovação no país somente incentiva e integra os inventores independentes às atividades das Instituições de Pesquisa Científica e Tecnológica (ICTs), órgãos ou entidades da administração pública ou entidades privadas sem fins lucrativos que tenham como missão institucional, dentre outras, executar atividades de pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico. Porém, mesmo os núcleos de inovação, “negam a possibilidade de uma parceria para proteção intelectual, desenvolvimento do produto e aproximação deste produto com o meio empresarial. E quase 100% dos programas de aceleração inseridos em supostos ecossistemas de inovação sequer mencionam o nome ‘inventor independente’ em seus editais”.
Ano passado, foram apresentados 611 pedidos de averbação de contratos de transferência de tecnologia no Brasil, sendo 90% por empresas de médio e grande porte e 8% por MEI, microempresa e EPP, conforme levantamento do INPI. Os inventores independentes, pessoas físicas, portanto, são invisíveis nessas estatísticas.
Leia mais em ESQUINAS
“Não temos bilionário negro”: recorte racial explica o perfil dos 11 novos superricos do Brasil
Segundo Luzia Braga, representante da Secretaria de Empreendedorismo e Inovação (SEMPI) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), não existe no momento nenhuma proposta de mudança da Lei de Inovação. “O marco legal foi revisado em 2016 e regulamentado em 2018. Assim, é necessário tempo para se avaliar os resultados das últimas mudanças, bem como para dar segurança jurídica a todos os atores do ecossistema.”
Soluções para um inventor independente
Como saída, os inventores independentes podem optar pelo financiamento coletivo, que ocorre quando várias pessoas que se identificam com o projeto resolvem contribuir financeiramente para que ele saia do papel, ou pela divulgação mais tradicional, como faz Paulo. “Não objetivo – assim como quase todo inventor independente – constituir empresa para alavancar os projetos que idealizei”, ele explica. “Objetivo transferir as tecnologias para que outras empresas estabelecidas ou emergentes possam desenvolver os produtos finais, fabricá-los e comercializá-los em seus mercados de atuação”.
O incentivo aos inventores independentes seria uma ferramenta para alavancar o país, que carece de infraestrutura e inovação. Segundo Paulo, caso houvesse um “empurrão” do Estado, muitos empregos poderiam ser gerados, o que aumentaria o fluxo de renda e as relações comerciais no país. “A percepção de valor sobre a atividade de um inventor e a cultura de inovação se fortaleceriam e não dependeríamos somente do que se cria no exterior. A população teria acesso a muitos outros bens e serviços, e maior possibilidade de escolha neste ou naquele produto. As empresas sairiam da acomodação com a aparição de concorrentes e seriam motivadas a constantemente inovar.”
Embora suas 4 invenções não estejam sendo utilizadas, Paulo continua fazendo o que sabe fazer de melhor: desenvolvendo sua criatividade em busca de soluções para problemas que identifica no cotidiano. Para se sustentar, ele se mantém por meio de outras atividades que o permitem fazer economias para dar o andamento possível em seus projetos, sobretudo, na área de patentes e no desenvolvimento das provas de conceito. “O que me move é a possibilidade de um dia eu conseguir algum resultado, deixando como legado algum produto bom para a sociedade, além de ter uma vida mais confortável e um patrimônio maior.”