Especialista explica desdobramentos da crise política gerada pela série de protestos no país
“Não podemos ficar calados, exigimos justiça”, declara a estudante colombiana Juana Villamil, 18 anos, moradora de Cali, cidade epicentro dos protestos que estão acontecendo na Colômbia.
No fim do mês de abril, milhares de pessoas iniciaram uma série de manifestações nas principais cidades do país, como Medelín e a capital Bogotá. O estopim da crise política foi a retomada da proposta de uma reforma tributária que aumentaria os impostos cobrados da população, mas os manifestantes também se queixam contra a situação de pobreza e miséria na qual a Colômbia se encontra.
Detentor da quarta maior economia da América Latina, o país enfrenta hoje uma grave crise financeira. O plano da reforma foi apresentado pelo governo ao Congresso no dia 15 de abril, como uma medida para financiar as dívidas e os gastos públicos feitos durante a pandemia da covid-19. O projeto continha pontos como aumento de impostos sobre a renda e produtos básicos, de forma a reforçar a arrecadação de tributos.
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“É inegável que a Colômbia atravessa hoje um problema fiscal muito grave”, diz Thiago Henrique Desenzi, professor de Relações Internacionais e mestre em Ciências Humanas e Sociais. Ele explica que a economia do país é muito dependente do investimento externo e, devido à pandemia da covid-19, encontra-se seriamente debilitada. Para Desenzi, a reforma tributária é economicamente necessária, mas o momento para a proposta foi “um dos piores possíveis” e ocorreu de forma desalinhada com o período que a população está enfrentando.
Protestos gerados pela insatisfação popular
De acordo com o Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE), o desemprego anual aumentou 14,2 pontos percentuais. Desde o início da crise sanitária, o número de pessoas pobres no país cresceu em 3,6 milhões. Neste contexto, o aumento dos impostos, que afetaria principalmente a população que menos ganha, acendeu a indignação popular. Sindicatos trabalhistas, professores, estudantes, indígenas, oposição e outras organizações da sociedade civil se juntaram e tomaram as ruas da Colômbia.
“Uma reforma tributária que incidiria fortemente em uma classe média já bastante pressionada e oprimida pelas políticas do país e a pobreza demasiada em consequência da covid foram vistas como a gota d’água”, afirma o professor.
Os primeiros protestos foram realizados na quarta-feira, 28 de abril. No dia, atos de violência, vandalismo e conflitos com a polícia foram registrados. “É muito assustador sair e pensar que só por querer se expressar eles podem te matar ou fazer você desaparecer”, diz o manifestante Juan Navarrete, de 19 anos.
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No dia do trabalho, 1º de maio, milhares de pessoas foram às ruas pela quarta vez consecutiva para expressar seu descontentamento. Houve confrontos entre policiais e integrantes dos atos nas principais cidades, com um saldo de mais de 330 policiais lesionados e 249 cidadãos acusados de vandalismo.
O Presidente Iván Duque classificou os atos como “terrorismo urbano de baixa intensidade”. Mas pressionado diante da rejeição popular generalizada, ele determinou a retirada da proposta da reforma tributária no domingo, dia 2 de maio, duas semanas depois de tê-la apresentado.
Duque propôs a elaboração de um novo projeto que descarta os principais pontos de discordância. Agora, pretende promover uma economia mais igualitária, uma reforma policial e desenvolver um processo de paz.
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Embora o governo colombiano tenha desistido do projeto tributário, a tensão continua nas ruas de todo o país. O que motiva as pessoas a continuarem os protestos é o sentimento de descontentamento guardado durante anos. “As pessoas estão insatisfeitas, magoadas com um governo corrupto. Sim, a reforma acabou, mas o Estado continua roubando do povo”, reforça Juana Vilamil. Para o professor Desenzi, as pessoas vão às ruas, pois enxergaram nesse movimento uma possibilidade de “lutar por uma real alteração da estrutura do Estado colombiano.”
O ministro da Defesa, Diego Molano, atribuiu a violência unicamente aos participantes das manifestações. Mas a Organização das Nações Unidas condenou o uso excessivo da força por parte do Poder Executivo e lembrou as autoridades administrativas de sua responsabilidade de proteção dos direitos humanos.
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Protestos em meio à pandemia
A multidão de pessoas reunidas nas ruas gera preocupação, já que a situação da covid-19 ainda é grave na Colômbia. Já em estado crítico, a ocupação das UTIs nas principais cidades supera 90% de sua capacidade. Os profissionais de saúde pedem que se evite o contágio para que não sobrecarreguem ainda mais os hospitais.
Mas, para os manifestantes, a crise política e social é tão grave quanto a sanitária. “Ambos nos matam. O vírus nos deixa doentes e o Estado nos faz viver na miséria”, protesta Juana Villamil.