Mães relatam necessidade de envolvimento na educação de seus filhos durante período de pandemia
“Foi muito legal ver o avanço da minha filha e saber que eu fui responsável por isso. Se eu não tivesse intervindo, hoje ela não estaria lendo.” Carolina Del Vecchio, de 37 anos, é auxiliar administrativa e mãe da Alice, de sete anos. Ela trabalhou o ano de 2020 inteiro de casa, o que permitiu que ajudasse a filha durante seu processo de alfabetização. Carolina é uma das muitas figuras maternas que precisam agir ativamente na educação de suas crianças, graças às dificuldades trazidas pela pandemia e pelo ensino online.
5,1 milhões de pessoas ficaram sem acesso à educação básica – ensino infantil, fundamental e médio – em 2020, conforme estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Esse número só não foi maior porque milhares de mulheres tiveram a chance de permanecer em casa, com internet, contribuindo para o aprendizado virtual de seus filhos. Acompanhando as aulas e tarefas, muitas mães perceberam pontos ruins no ensino remoto e passaram a agir para melhorá-los.
Apesar da falta de graduação em pedagogia, as mães têm dado conta do recado. Rodrigo Ratier, 42 anos, jornalista com doutorado em educação e professor da Faculdade Cásper Líbero, analisa o ano de 2020 para o setor: “Foi um ano muito difícil, mas não perdido. Criaram-se jeitos de ensinar”.
Mãe professora
De modo a garantir que seus filhos tivessem um bom rendimento escolar, muitas mulheres viraram as professoras de seus domicílios. Entretanto, diversos desafios vieram, e ainda permanecem, com essa nova função.
De acordo com Maria Belém Silva Sousa, 44 anos, problemas de conexão e dúvidas desesperaram sua filha Ana Heloísa, 11, e motivaram sua interferência. Contudo, nem o amor materno é capaz de superar a adversidade das perguntas. “Acaba sendo exaustivo pelo tempo que precisamos dedicar a algumas das tarefas”, desabafa.
Foram diversos os contratempos que complicaram a relação estabelecida entre professor e aluno. Segundo Carolina, a jornada tripla – de mãe, professora e trabalhadora – é árdua: “Ano passado [quando a filha efetivamente estava sendo alfabetizada], minha vida foi resumida em fazer lição. Eu mal tinha tempo de lavar roupa, de fazer uma janta mais elaborada. Houve dias em que eu não tinha paciência. ‘Não tem lição e pronto’, eu precisava lavar a louça, limpar a casa.”
O esgotamento mental levou a psicóloga Rose Vignola, 47 anos, e mãe de Pedro, 11, a usar válvulas de escape, como dirigir sozinha por pelo menos alguns minutos. Para ela, sua profissão facilitou a ciência da tensão. A busca por meios de controlá-la e obter os resultados que estavam ao alcance da família foi mais rápida. “O meu lema é ‘fazer o que é possível’, senão fica todo mundo doente”, completa.
Consequências do envolvimento materno
Apesar do lado negativo de exercer um cargo a que não estavam habituadas, as mães concordam que todo o esforço vale a pena ao ver seus filhos se desenvolvendo adequadamente. “Comigo guiando, eu percebi que as coisas começaram a fluir”, diz Rose.
Além disso, o relacionamento entre mães e filhos também foi beneficiado, já que elas podem acompanhar ainda mais a vida das crianças, como explica Maria. Segundo ela, a troca de conhecimentos com Ana Heloísa traz bons frutos: a mãe resgata seus aprendizados e consegue passá-los à filha.
Nem tudo são flores, e Rodrigo aponta que o novo método de ensino tende a causar prejuízos. Para o professor, a qualidade do aprendizado fica defasada com o maior envolvimento materno. Ele também defende que os aspectos mais voltados à socialização da criança são os mais prejudicados com a pandemia, uma vez que as mães estão exercendo, há mais de um ano, os papéis de familiar, amiga e professora de seus filhos.
*Redação Aberta é um projeto destinado a apresentar o jornalismo na prática a estudantes do ensino médio e vestibulandos. A iniciativa inclui duas semanas de oficinas teóricas e práticas sobre a profissão. A primeira edição ocorreu entre 17 e 28 de maio. O texto que você acabou de ler foi escrito por um dos participantes, sob a supervisão dos monitores do núcleo editorial e de professores de jornalismo da Cásper Líbero.
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