Engenheira, economista e pesquisador explicam sucesso do agronegócio na pandemia; setor bateu recordes em 2020 com o aumento de produção das safras e câmbio
“O agro segurou a economia nacional no ano passado e deve repetir o feito este ano”, afirma Luciene Mendes, engenheira agronômica e professora de agronegócio da Universidade Federal do Vale do São Francisco. “Com todas as dificuldades, o trabalho no campo é menos concentrado que em outros tipos de empresas ‘urbanas’, o que permite a continuidade das atividades com certa segurança aos trabalhadores.”
O cenário de pandemia afetou vários setores da economia, mas alguns conseguiram apresentar resultados positivos. Enquanto o PIB encolheu 4,1% em 2020, puxado pela queda da indústria e serviços, o agronegócio cresceu 24,31%, de acordo com o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
Com a desvalorização cambial, o Brasil conseguiu um saldo superpositivo nas exportações agrícolas. Esse aumento significou um superávit de US$ 87,76 bilhões ao setor, em 2020, segundo dados do Ministério da Agricultura. Logo, com o crescimento da exportação e maior demanda de commodities agrícolas de países asiáticos, os preços no mercado doméstico começaram a subir.
“Se considerarmos a fruticultura irrigada do Vale do São Francisco, algo parecido ocorreu. Houve um aumento da demanda internacional e, pelo câmbio valorizado, a exportação foi o principal setor a ser almejado. O mercado nacional, por sua vez, teve sua oferta reduzida e os preços se elevaram”, diz Luciane Mendes.
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Dentre os produtos comercializados, a soja foi o principal exportado, seguido pelo milho. Grande parte desses grãos vira ração, com ênfase na produção de carnes. É o que explica Amélio Dall’Agnol, pesquisador da Embrapa: “A demanda mundial está elevada com o crescimento da economia, principalmente dos países asiáticos que estão aumentando a renda per capta. Com essa ampliação, diminui o consumo de grãos e, em troca, produzem mais carnes.”
Diferenças dentro do setor
No entanto, não são todos os segmentos da cadeia produtiva do agronegócio que estão em alta. A agroindústria por exemplo, teve índice negativo. O setor é dividido em dois: de um lado os produtos não alimentícios, que registraram uma significativa contração de -6.1%; de outro, os alimentícios e bebidas, que apresentaram crescimento de 3.3%.
“O lado da demanda explica o resultado para ambos os segmentos. A restrição de circulação adotada para conter a disseminação da covid-19 derrubou a busca por produtos não alimentícios, mas alavancou o consumo de alimentos. Como isso vale tanto para o mercado interno quanto para o setor externo, foi possível perceber traços semelhantes nas exportações”, explica o economista Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV.
Segundo ele, não existe o risco de o aumento das exportações prejudicarem a manutenção do abastecimento do mercado interno e o oferecimento de matérias primas para indústria.
“Se os preços internacionais forem muito maiores do que os praticados internamente, a tendência será sempre exportar mais. Na prática, isso quase nunca ocorre porque as bolsas do exterior e o mercado global acabam determinando os preços em todos os países. No entanto, uma oferta menor do que a demanda mundial, aliada a um dólar muito valorizado em relação ao real pode sim, estimular exportações.”
Nesse cenário, Serigati diz que a única saída é o planejamento das safras e dimensionar com precisão a demanda e ofertas globais. A partir disso, estimular com crédito e preços de garantia a maior ou menor produção de determinados setores.
“A pior medida seria uma intervenção de governo do tipo proibição de exportações ou taxação elevada das mesmas, eliminando a competitividade interna. Isso destrói o sistema produtivo além de gerar insegurança jurídica”, afirma o especialista.