Buscando a realização de um sonho, Caique Barral, o “Tuzzy FIFA”, faz lives diárias e criou campeonato e time profissional de FIFA 21
A pandemia certamente proporcionou a ascensão de heróis improváveis. Quando o caos deixou alguns jovens desamparados, em longos hiatos de trabalho e sem perspectiva de normalização de seus empregos, quem emergiu para ajudá-los foi Tuzzy FIFA.
Caique Barral, ou “Tuzzy”, como preferir, reluta em contar sua idade, mas aparenta possuir algo em torno de 30 anos. Tem a barba bem-feita, cabelo levemente bagunçado e está sempre trajando camiseta de futebol, preferencialmente do Palmeiras, seu time do coração. Foi por esse engraçado apelido que o publicitário paulista ficou conhecido no meio dos esportes eletrônicos.
O rapaz decidiu preencher uma lacuna realizando campeonatos para jovens jogadores profissionais do game FIFA 21, que, com os principais torneios interrompidos na pandemia, estavam há meses sem jogar em nível competitivo.
Essas competições são apenas uma parcela de algo muito maior. Caique não esconde que sempre teve o sonho de trabalhar com videogames. Nadando contra a maré, em meio ao caos que se tornou a sociedade com a covid, investiu muito em busca de realizar-se profissionalmente.
De manhã Caique. À tarde Tuzzy.
Dividido em dois empregos, Caique encontrou tempo durante a pandemia de covid para se empenhar em projetos que antes não conseguia. Prefere não dar detalhes da sua principal fonte de renda, resumida como “um negócio familiar”, ao qual se dedica nas manhãs.
Nas tardes, começou a fazer livestreams de partidas de videogame, comentando jogos ao lado de um colega narrador, ao melhor estilo transmissão da Globo. No mais, joga casualmente para entreter seu público fiel.
Suas raízes de criador de conteúdo vêm de 2016, pois desde então administra uma página no Instagram com publicações informativas sobre FIFA. “Tuzzy FIFA” é o nome da conta, daí o famigerado apelido.
A rotina foi fator essencial para a ressignificação do trabalho, que com a pandemia sofreu transformações positivas. O publicitário detalhou como era seu dia a dia: “Eu entrava na empresa às oito e meia. Na verdade eu entrava às nove, mas sempre gosto de chegar uma meia horinha antes nos lugares. Saía às 18h para entrar na aula de noite e chegava em casa às 23h”.
O tempo era o principal inimigo de Tuzzy, que recentemente conseguiu transformar seu hobby em trabalho. Quando adolescente, foi empregado na empresa da família: “Eu trabalho desde os 14 na empresa, então nunca tive muito tempo para chegar da escola e ficar jogando videogame à toa”.
Com horários flexíveis e muita disposição, o sonhador Caique conseguiu fazer com que suas ideias saíssem do papel e fossem colocadas em prática durante a permanência em casa. De home office e cumprindo quarentena à risca, agora consegue conciliar os dois trabalhos.
Conversa com a câmera no conforto de seu escritório, se escondendo por trás de dois monitores. O cenário diz muito sobre seus gostos e personalidade, com pelúcias dos mais variados desenhos animados e camisas de futebol penduradas nas prateleiras. Não expõe seus preciosos bonecos dos Cavaleiros do Zodíaco, que ficam encaixotados. Em estantes, alinha a vasta coleção de bonecos Funko.
Os meninos do Tuzzy eSports
No final de 2019, quando iniciou um protótipo de time amador, Caique não imaginava que, hoje, contaria muito com seus “meninos”. É assim que chama carinhosamente os jogadores que vestem a camisa da equipe profissional Tuzzy eSports.
“Eles (o time) estavam em um momento que talvez poucos saibam, mas não iam dar continuidade do FIFA”. A revelação é do carioca Matheus Andrade, de 19 anos, que foi acolhido pela equipe no segundo semestre do ano passado, período conturbado segundo o próprio.
Na época, o time estava desesperançoso e esboçando um possível fim. Com a chegada de Andrade, a Tuzzy eSports ganhou sobrevida e se firmou de vez como um time competitivo: “A Tuzzy cresceu bastante no cenário. O Tuzzy em si cresceu bastante no cenário. Então acho que um dos objetivos, que era de se firmar, foi conquistado. Fico muito feliz por isso”.
Com uniforme próprio, Tuzzy eSports já possui identidade visual. A camisa é preta, com gola vermelha e duas listras da mesma cor, atravessando-a na vertical. O escudo que a estampa recebe as iniciais do clube: TF, de Tuzzy FIFA. Nas costas, cada jogador carrega um número, com o apelido na barra.
Constantemente recebe elogios dos colegas de trabalho e alcança cada vez mais relevância. Mesmo assim, o paizão Caique prefere manter os pés no chão. Somando 6 meses de lives e pouco mais de um ano de equipe profissional, afirma que tem um longo caminho pela frente.
Conquistando aos poucos seu espaço, ainda não consegue se sustentar apenas com os videogames, mesmo que a questão monetária não pareça atrapalhá-lo: “Financeiramente para mim ainda não vira, com certeza, porque não tenho patrocinador, não tenho nada. Até porque eu estou começando também”.
Com muita humildade, reconhece que está começando, mas Tuzzy já fala da comunidade que está construindo em tom de orgulho. De forma alguma pensa em abandonar o que já alcançou e, inclusive, um episódio da última semana o deixou muito contente: “Se for pelo lado de interatividade das pessoas e como elas estão aceitando as minhas lives, aí sim está virando. Estou até feliz porque essa semana a gente conseguiu ter a média de mais ou menos 100 pessoas”.
Tudo tem um começo
Entrar em um cenário de eSports já consolidado não é nada fácil. Guilherme Brambilla quem o diga. Coincidentemente publicitário em formação, o garoto de 18 anos administrava uma equipe amadora de FIFA, que atualmente está inativa.
O percurso rumo à profissionalização é árduo. Os perrengues que Guilherme passou confirmam isso: “A gente não sabia se quando se inscrevia em campeonatos ia tomar calote ou se eles realmente iam funcionar”.
O amadorismo sempre é o começo. Entre a equipe e o organizador do torneio, estabelece-se uma relação de confiança. “Com campeonatos sem qualquer licenciatura, você tem que literalmente confiar no cara que está fazendo o campeonato”, afirma o estudante de publicidade, ressaltando, ainda, que a comunidade é respeitosa e que casos de desentendimento são isolados.
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Tuzzy iniciou da mesma forma, mas do outro lado da moeda. Nos primórdios da página do Instagram, já organizava campeonatos amadores. Essas experiências do passado o auxiliaram no ano de eclosão do vírus, quando decidiu acudir a comunidade.
“É aquilo, enxergar a brecha, essa oportunidade de mercado e vamos fazer”. Arregaçando as mangas, Caique fez uma primeira edição do campeonato, convidando jogadores renomados do cenário. Em sequência, com o sucesso imediato, engatou uma segunda copa.
A princípio, teve medo da ideia não ser bem aceita. “A gente não se acha uma equipe grande, a gente tem consciência de que estamos começando”. Pensava que, pelo time não ter tanta relevância, seriam escanteados.
Para sua surpresa, a ideia foi muito bem recebida. Os jogadores, que pouco estavam testando suas habilidades em alto nível, abraçaram a iniciativa. “Foram super agradecidos por terem ficado no ritmo, e a premiação com certeza ajudou eles também”, afirmou Tuzzy.
Futuro do Tuzzy FIFA
A princípio, Caique pretende manter ambos empregos simultaneamente, apesar de enfatizar que gostaria que as lives fossem protagonistas: “Hoje em dia o principal é o trabalho da família e a live é a secundária. Mas se pudesse inverter e por a live como principal, com certeza faria”. A justificativa de trabalhar em dobro é a conexão forte com sua família: “Não largaria 100% para não deixar na mão os meus pais e meu irmão e continuar ajudando eles”.
Mergulhando de cabeça na busca pelos sonhos, em plena pandemia, Caique conquistou muito em pouco tempo. Campeonatos para profissionais, uma própria equipe de eSports, trabalhar no conforto do escritório conversando com o público que diariamente aparece para prestigiá-lo. Certamente não vai parar por aí.