Nicole Pinho de Andrade, pesquisadora de moda, diz que celebridades tratarem pautas sociais como uma trend de redes sociais é preocupante
O envolvimento de celebridades com pautas e movimentos sociais e políticos não é recente. Desde a ascensão da cultura da fama, tornou-se comum que personalidades reconhecidas usassem sua voz para dar luz a questões que elas considerassem importantes. Em uma entrevista ao The New York Times, o sociólogo e autor do livro “Celebrity Influence: Politics, Persuasion, and Issue-Based Advocacy”, Mark Harvey, afirma que, desde que existem celebridades amplamente reconhecidas, essas celebridades têm se envolvido na política.
Apesar de ter sido observado antes, o fenômeno de pessoas famosas advocando pessoalmente por determinadas causas ganhou maior força nas décadas de 60 e 70 do século XX com o fim das cláusulas morais e o sistema de contratos com estúdios. Celebridades como Jane Fonda começaram a protestar contra a Guerra do Vietnã, por exemplo. Com a popularização da televisão, as personalidades famosas começaram a ganhar mais espaço para se colocar a favor ou contra certas conjunturas.
Mais recentemente, as redes sociais intensificaram o processo de engajamento ativista de celebridades. Para Nicole Pinho de Andrade, formanda em ciências sociais e pesquisadora de moda, gênero e raça, celebridades usarem seu alcance para dar voz a movimentos sociais pode, sim, ser efetivo. No entanto, essas figuras precisam reconhecer a responsabilidade do discurso em suas plataformas.
O crescimento das redes sociais como meio de difusão de informação traz uma discussão conhecida como “ativismo performativo”. O termo slacktivism, em inglês, se refere ao ativismo digital que requer pouco esforço da pessoa pública e promove uma fácil sensação de contentamento.
“É preocupante ficar querendo engajar em cima do tema como se fosse só uma trend de rede social e não um assunto sério, como se não correspondesse a um problema que afeta a vida de milhões de pessoas há anos, tratando de forma rasa e sem responsabilidade, sem busca por conhecimento”, afirma Nicole.
O ativismo performativo une a confiança que o público deposita nas opiniões das celebridades – mesmo que nem sempre sejam baseadas em fatos – ao ativismo digital que não necessariamente gera ou tenta gerar mudança real. “O virtual deveria ser uma ferramenta, como a arte e a escrita, para alcançar as pessoas, mas ele pode ser nocivo no caso do ativismo virtual que estamos vendo crescer, porque ele pode se reduzir àquilo sem construir algo, fica raso”, opina Nicole.
O Met Gala, evento de angariação de fundos para Costume Institute do Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, que teve sua edição de 2021 no dia 13 de setembro, pode servir de exemplo para o debate. Reunindo diversas celebridades, a cerimônia tem um tema diferente a cada ano e serve como uma espécie de vitrine dos rostos mais conhecidos da atualidade, que buscam sempre o melhor look temático.
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Na edição deste ano, foram vários os casos de celebridades que fizeram, ou quiseram fazer, demonstrações políticas no tapete vermelho. Nicole acredita que a moda pode servir de ferramenta política. “Mesmo sem performances, no dia a dia a moda já indica como as coisas estão socialmente e politicamente, ela projeta futuros possíveis”, ela diz. Sobre o Met Gala, ela afirma: “Achei que pouquíssimas roupas foram efetivas nesse sentido político, de realmente passar um ativismo”.
A congressista Alexandria Ocasio-Cortez vestiu um traje branco no qual, em letras vermelhas marcantes, lia-se a frase “tax the rich”, traduzido como “taxem os ricos”. O look gerou várias discussões a respeito do assunto da taxação das grandes fortunas, mas Nicole acredita que “não foi um vestido com uma super performance ou com um super significado. Ela passou batido em muitos sentidos, foi mais uma tentativa de performance política, mas não efetiva.”
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A modelo e atriz Cara Delevingne optou por se apropriar da luta feminista, em uma roupa com o escrito “peg the patriarchy”, ou “derrube o patriarcado”, que foi considerado por muitos mais uma forma de feminismo corporativo. Nicole ressalta que a roupa tentou passar uma ideia de submissão do patriarcado, como se fosse uma punição, tendo sido um “ativismo” que acabou saindo pela culatra. “Às vezes, é melhor se enquadrar no tema da festa e não tentar fazer nenhum tipo de crítica do que fazer uma crítica que sai com pobreza de conceito e de política, ou uma tentativa de apenas gerar uma reação nas redes sociais, uma trend e não um debate”.
Trazendo uma proposta de ativismo que ela acredita ter sido efetiva, Nicole fala sobre o look do ator Jeremy Pope, que fez referência às plantações de algodão dos Estados Unidos, base da indústria da moda americana, e ao sistema escravocrata que as sustentou. “Ele trouxe história, crítica e um ativismo de fazer com que as pessoas se lembrem de como a história dos Estados Unidos e a história da moda americana foi construída, como isso se reflete até hoje”.
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Nicole acredita que, sem a busca pelo debate, não existe ativismo. “Quando você realmente tem algo para expressar naquilo que você está fazendo, você tem um indignação, um histórico, uma dor, uma revolta, uma opinião, o ativismo realmente acontece. Se você só quer causar uma impressão, nem sempre isso funciona como ativismo. Você não está causando um impacto real e você não está gerando um debate. A proposta de qualquer ativismo é você gerar debate”, ela diz.