A quebra de recordes da produção sul-coreana é reflexo do processo de valorização das produções culturais do país
A história é conhecida: 456 pessoas endividadas recebem um convite para participar de um jogo misterioso e ganhar um prêmio milionário no final. Cada jogo é composto por uma brincadeira infantil típica da Coreia do Sul, porém eles não sabem que a morte é a consequência para os que falharem no desafio. Essa é a premissa de Round 6, série sul-coreana da Netflix e que quebrou recordes de audiência se tornando a série mais assistida da plataforma.
A combinação de diversos fatores contribui para a disseminação fervorosa da série ao redor do mundo. Além do enredo peculiar e personagens bem construídos, o tom político presente na história gerou interesse no público por apresentar uma visão crítica da vida real, algo muito característico do cinema coreano.
Segundo Marina Rodrigues, cineasta e produtora executiva com foco em políticas regulatórias para o audiovisual, tanto Round 6 quanto o filme Parasita, vencedor do Oscar de melhor filme em 2020, fazem muito bem a discussão política do país: “Os dois falam do colapso do capitalismo na região e como isso afetou negativamente a vida da população”.
Mas o fator mais importante para esse sucesso foram os 30 anos de investimentos nesta indústria por parte do governo sul-coreano.
O processo de valorização das produções até Round 6
Tudo começou com um fracasso. A exibição do filme Jurassic Park em 1993 durou 4 meses, quando se tornou a única película exibida nos cinemas do país durante esse período. “O governo percebeu que precisava fazer uma política mais enérgica, visando a valorização do mercado local antes de se pensar na exportação do produto, para que todas as empresas pudessem crescer juntas”, disse Marina.
Assim nasceu a Hallyu, ou Onda Coreana, uma estratégia de desenvolvimento econômico que visava desenvolver a Coreia por meio da valorização da cultura e se tornou a grande força econômica da nação. Grandes empresas, como a Samsung, passaram a investir no audiovisual e, conforme essa política de impulsionamento dava resultados, a proteção do que era produzido também passou a ser algo de grande preocupação.
Também surgiram as cotas de tela, determinando que os produtos nacionais deveriam constituir 80% do que passasse na televisão. Aos poucos, as pessoas começam a ver sentido em valorizar o que está sendo feito dentro do país. “Hoje é difícil achar na Coreia um campeão de bilheteria que não seja de lá, provando que você consegue construir o olhar do público para a valorização do nacional”.
Essa tática deu tão certo que o Produto Interno Bruto (PIB) coreano triplicou entre 2000 e 2018, com ajuda do foco na cultura. Era hora de pensar em como exportar esse material para o mundo. Um exemplo disso é o BTS, banda de kpop, que passou a cantar músicas em inglês após já fazer sucesso com letras do próprio idioma dentro e fora da região, tornando-se um fenômeno mundial.
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No entanto, não é só o kpop que estourou. Os filmes e séries da Coreia já seguem esse mesmo caminho e a procura é tamanha que fez com que a Netflix investisse por volta de 500 milhões de dólares nessas obras direcionadas ao entretenimento. “O sucesso de Round 6 vem dessa perspectiva”, completa Marina.
Outros setores são também impactados. Agora com Round 6, essa influência fica clara: o crescimento da procura do biscoito que aparece na série permitiu um lucro maior para os produtores autônomos que já vendiam esse doce há muito tempo, o aumento da procura por hotéis devido ao turismo, a mobilização de figurinistas, motoristas e equipamentos para gravação. “Tudo isso gera investimentos e impostos”, afirma a cineasta.
Aos poucos o país caminha para se tornar uma potência internacional nessa área e quebrar com a hegemonia hollywoodiana nesse mercado. A cineasta avalia que os Estados Unidos massificaram suas obras e que o cinema coreano surge mostrando propostas diferentes e que chamam a atenção do público.