Tendências a preços populares: entenda a lógica por trás desse modelo de produção de vestuário que tem feito cada vez mais sucesso na atualidade
Marcas como Zara, Renner, Shein e Forever 21 são populares por produzirem e venderem roupas que são inspiradas em coleções de grifes renomadas a preços acessíveis. São uma ótima opção para aqueles que sempre buscam manter seus looks atualizados gastando pouco. É fashion, e é fast.
Mas, para atingir a demanda de fabricação rápida e barata de roupas em alta escala, essas marcas da chamada fast fashion, ou “moda rápida” em português, costumam terceirizar sua produção em países em desenvolvimento. A roupa que milhares no mundo todo vestem foi produzida com mão-de-obra barata e matéria-prima de baixa qualidade.
“A indústria do fast fashion lidera não só o número absurdo de produção de roupas, e consequentemente de lixo têxtil, mas também faz parte de um setor que possui muitas marcas mundialmente conhecidas por seus impactos negativos para o meio ambiente e pelas violações aos direitos humanos e trabalhistas”, diz a representante do Fashion Revolution Brasil e embaixadora do Instituto Lixo Zero Brasil, Antonella Pichinin, que conversou com a Factual900.
Apelidadas como “fábricas de suor”, oficinas de costura terceirizadas das marcas que seguem o modelo de produção apresentam infraestrutura precária, onde pessoas são obrigadas a trabalhar incessantemente para cumprir as metas de produção e garantir o lucro às empresas. Recebem salários inferiores a 1 real por dia. São em espaços como esses, com grande aglomeração, condições de higiene inadequadas e falta de instrumentos próprios aos funcionários, que se verificam casos de trabalho análogos à escravidão, em que direitos trabalhistas são violados.
Para Joana Contino, professora dos cursos de design da Universidade Estácio de Sá e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), no Rio de Janeiro, a precarização do trabalho é uma consequência do processo produtivo barato e veloz exigido pela “moda rápida”.
“Na indústria de confecção, cada pessoa opera uma máquina de costura e essas máquinas são baratas e pequenas. É barato você montar uma oficina caseira. E essa sempre foi uma característica da produção de vestuário, ela já tende a ser mais escondida. Também exige pouca qualificação profissional, qualquer pessoa pode fazer esse tipo de trabalho”, explica Joana. “Muitas vezes, imigrantes chegam às oficinas com poder de barganha nulo, não apresentam documentos, então sequer conseguem reclamar se vão ganhar 1 real ou 10 reais. É, portanto, um setor produtivo que está sujeito aos absurdos da exploração.”
As oficinas de costura do século 21 são resquícios de um modelo que surgiu na Revolução Industrial de fins do século 18. A criação da máquina de costura, por exemplo, foi fator essencial para aumentar a quantidade e a velocidade com que as roupas são produzidas. Assim, na década de 1990, com o barateamento das matérias-primas e da mão de obra inseridas na indústria têxtil, o termo fast fashion originou-se e tem ganhado cada dia mais popularidade no universo da moda, no qual muitas marcas aderem àquilo que ele propõe.
Autora da dissertação “Fast fashion: apontamentos sobre as transformações da moda na condição pós-moderna”, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Joana Contino frisa que esse modo de produção, hoje predominante no mundo da moda, pertence a uma dinâmica própria do sistema capitalista.
Retrato da mão-de-obra
Jornadas diárias de 12 até 14 horas, uso de mão-de-obra infantil, locais de produção com instalações degradantes e salários irrisórios são a realidade de muitos trabalhadores precarizados nas oficinas de costura da indústria do fast fashion.
De acordo com os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 85% dos empregados da indústria da moda são mulheres. Em sua maioria, são jovens de países em desenvolvimento, como Argentina, Bangladesh, Brasil, China, Índia, Indonésia, Filipinas, Turquia e Vietnã, entre outros. Há também muitos imigrantes que dependem desses empregos para garantir o mínimo para a sua sobrevivência — como moradia e comida.
No Brasil, após muitas denúncias, em 2014, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Assembleia Legislativa de São Paulo, para investigar possíveis casos de precarização do trabalho no setor têxtil. Chegou-se à conclusão, no relatório final, de que, em todo o estado, havia entre 12 mil e 14 mil oficinas com empregados em condições insalubres.
Para reduzir custos trabalhistas e tributários, muitas das empresas do setor terceirizam etapas da cadeia produtiva e contratam oficinas de costura em países em desenvolvimento. Enquanto as empresas continuam com o setor administrativo nos países de origem – as quais são responsáveis pelo desenvolvimento de novas coleções, acompanhamento da qualidade e análise dos lucros –, as fábricas de produção são deslocadas para outros locais onde as leis trabalhistas são frágeis ou não existe muita fiscalização. Para vencer a concorrência da terceirização, esses países cortam gastos, oferecem salários insuficientes e fazem vistas grossas para o desrespeito às medidas de segurança – formas que se tornaram comuns de fazer negócios no fast fashion.
Bangladesh é, atualmente, o segundo maior exportador de roupas, depois da China. A fabricação nesse país do sul da Ásia continua sendo muito barata e os sindicatos têm poder limitado. Apesar de trágico, não é surpreendente que um edifício de oito andares, conhecido como Rana Plaza, desabasse em Daca, capital do Bangladesh. Um total de 1.127 pessoas morreram naquele ano de 2013. O prédio abrigava cinco fábricas independentes de vestuário e empregava mais de dois mil funcionários, que produziam peças para marcas como Zara, H & M, Primark, Walmart, Carrefour, Benetton e The Children ‘s Place. O salário era de cerca de 360 reais por mês, com jornadas de trabalho de dez horas ao longo de seis dias da semana.
O episódio, relatado no documentário The True Cost (disponível no Facebook), mostra que, dias antes do desastre acontecer, os trabalhadores chegaram a indicar sinais de desabamento para os patrões, como rachaduras nas paredes do prédio, mas foram obrigados a continuar trabalhando normalmente.
Segundo Joana Contino, hoje em dia é mais fácil driblar o sistema de fiscalização e o Ministério do Trabalho, justamente por existir pouco policiamento, principalmente nos países que são potências na produção e confecção de roupas como Bangladesh e China. “No Brasil, em São Paulo, por exemplo, existem sweatshops, “fábricas de suor”, que são escondidos, os trabalhadores não têm contrato e não é legalizado”, relata a professora.
De acordo com ela, na cadeia de produção da moda sempre houve essa precarização. Além disso, o fato de as máquinas de costura serem baratas e não exigirem qualificação profissional para seu uso é algo que também colabora para que seja possível despistar a fiscalização, afinal cada trabalhador pode ter seu próprio ateliê e produzir roupas em casa.
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O ciclo do fast fashion
É possível caracterizar o ciclo dos produtos do fast fashion em três fases: compra, uso e descarte.
No contexto em que marcas querem obter o máximo de lucro e entregar a seus clientes os produtos que procuram de forma rápida e atendendo às tendências do momento, as peças de roupa produzidas por essa indústria são, muitas vezes, de baixa qualidade e pouco duráveis, apresentando falhas no caimento e no acabamento. São também desenvolvidas a partir de tecidos sintéticos derivados de combustíveis fósseis e metais pesados, como o petróleo, acetato, acrílico, poliuretano e poliéster, o que as torna facilmente descartáveis. Logo, o ciclo de se desfazer de uma roupa e comprar uma nova transcorre de forma mais veloz, pois elas estragam mais rapidamente.
No entanto, há muitas marcas, inclusive caras, que aderem ao fast fashion, não necessariamente tendo uma qualidade ruim em seus produtos, mas tendo produções menos sustentáveis e realizando hiper exploração de trabalhadores, por exemplo.
“A lógica está em toda a cadeia. Começa com as grandes redes de varejo, mas hoje em dia marcas de todos os tamanhos e preços utilizam essas mesmas estratégias para obter mais lucro sobre o trabalho das pessoas”, explica a professora Joana. Logo, essa moda rápida não deve ser vinculada somente a preços baixos e qualidade inferior se comparada à confecção do slow fashion, mas também a vários outros aspectos característicos do fast fashion.
Uma nova forma de consumir
Com o isolamento social, impulsionado pela pandemia do covid-19, e a redução de consumo na maioria dos setores, a maneira de comprar foi ressignificada. A venda de produtos online já vinha sendo muito utilizada, mas, quando se tratava de roupas, havia muita insegurança por parte dos consumidores, sobretudo por não poderem experimentar os modelos no próprio corpo.
Porém, com os comércios fechados e o impedimento de sair de casa, não houve outra alternativa senão o consumidor realizar compras online, assim, causando um impacto positivo no setor de e-commerce da moda. O Relatório e-commerce no Brasil realizado pela Conversion, consultoria de performance e SEO, evidencia que o setor da moda cresceu 52% do ano passado para 2021. E a tendência é que, nos próximos anos, esses números cresçam em torno de 36,6% anualmente.
Com a crise causada pela pandemia e o aumento das vendas de roupa online, surgiu uma nova onda de consumidores: aqueles que começaram a comprar apenas o essencial e a se preocupar com os impactos econômicos e sociais da indústria da moda fast fashion. Mas, mesmo com essa leva de clientes do chamado slow fashion, “As empresas que fazem isso [slow fashion] por ideologia e por convicção, têm uma intenção boa. Ainda assim, não muda a forma de produção. Essa é uma dinâmica que é essencial para o funcionamento do sistema”, diz Joana.
Comprar de marcas da “moda rápida” online, como a chinesa Shein, virou tendência, sobretudo entre os mais jovens. A marca é conhecida por fornecer modelos descolados e baratos. O consumidor é seduzido pelo intenso bombardeamento de propaganda da marca, apesar da qualidade das peças. Empresas que aderem ao modelo de produção tendem a sempre ter conhecimento das tendências do momento, vendendo, para seus clientes, a imagem de que a compra trará grande satisfação e inclusão no padrão do momento — deixando-os com uma vontade insaciável de realizar mais e mais compras.
Dentre as suas principais estratégias, o fast fashion também conta com a aceleração da quantidade de coleções, que estão cada vez mais desconectadas das estações do ano. “A gente tem hoje uma série de coleções ao longo do ano, que as marcas lançam justamente para dar essa ideia de novidade e estimular o consumidor a comprar de novo. Ao fazer isso, elas diminuem a quantidade de peças por modelo, para dar justamente uma sensação de escassez. A Zara, por exemplo, faz isso muito bem, sempre muda os modelos de roupa que estão nas lojas, com o intuito de estimular o consumo imediato”, observa Joana.
Embora haja muitas pessoas que, preocupadas com os impactos ambientais e sociais de suas próprias escolhas, estão dispostas a buscar formas mais sustentáveis e conscientes de viver, “há quem ainda não tem conhecimento e acesso às informações necessárias e permanece ‘enfeitiçado’ pela falsa sensação de poder que o consumo desenfreado de tendências traz”, ressalta Antonella Pichinin.