Com o aumento do consumo de cigarros entre brasileiros na pandemia, organizações disseminam informações sobre os malefícios do tabagismo
Se você conhece uma pessoa adepta ao tabagismo ou intensificou o uso de cigarros durante a pandemia de covid-19, saiba que esse comportamento é considerado algo “normal”. Segundo uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), realizada ano passado, 34% dos fumantes brasileiros (que representam 12% da população) começaram a fumar mais durante a pandemia.
O estudo relaciona a alta do tabagismo com os impactos emocionais que a pandemia e o isolamento social provocaram na sociedade brasileira: solidão, tristeza e nervosismo. A pesquisa também aponta a má qualidade de sono e a perda de rendimentos como algumas das justificativas para o aumento na quantidade de cigarros.
Reconhecido com uma doença crônica, o tabagismo causa dependência à nicotina presente nos produtos à base de tabaco. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o tabaco mata mais de 8 milhões de pessoas por ano. Mais de 7 milhões de mortes derivam do uso direto do produto, enquanto 1,2 milhão vêm dos fumantes passivos, aqueles que fumam por estar perto de alguém que usa o cigarro.
O vício causado pelo tabagismo
Ana Carolina Carratu, de 39 anos, começou a fumar com 15 anos pois achava “bonito”. Sua avó fumava muito e, por isso, ela achava que era algo “legal e normal”: “quando minha avó acordava, a primeira coisa que ela fazia era fumar. Eu pensava: ‘isso deve ser muito bom!‘, confessa a ex-fumante.
Depois disso, o cigarro foi uma saída para ansiedade crônica que tinha. Ana Carolina revela que, na época em que começou a fumar, não tinha noção do que o cigarro poderia causar em sua vida.
Quem busca combater essa falta de informações sobre os prejuízos do tabagismo é a ACT Brasil, organização que tem como objetivo a promoção da saúde na sociedade brasileira. Em uma de suas frentes de atuação, o Projeto Tabaco, ela já está a quase quinze anos produzindo e compartilhando conteúdos técnicos e informativos, auxiliando em pesquisas, mobilizando campanhas e redes de suporte e apoiando a tomada de decisões sobre políticas públicas relacionadas à temática do combate ao tabaco no país.
Criada em 2006 durante as discussões do tratado internacional Convenção-Quadro – primeiro tratado de saúde pública da Organização Mundial da Saúde –, a ACT passou a acompanhar as legislações e políticas públicas adotadas pelo Brasil no combate à epidemia do tabaco que preocupava o mundo. Desde então, ela ampliou o seu escopo de atuação para abranger a luta contra outros fatores que são prejudiciais à saúde do brasileiro, como o consumo de bebidas açucaradas, o sedentarismo e a obesidade infantil.
Mariana Pinho é coordenadora do Projeto Tabaco e trabalha desde 2001 no controle do tabaco em instituições governamentais e do terceiro setor. Ela conta que um dos marcos da atividade da organização foi durante a discussão acerca da Lei Antifumo em São Paulo, na qual “a ACT participou ativamente subsidiando e mobilizando a sociedade, fazendo pesquisas de opinião e apoiando o governo do estado nessa medida”.
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Segundo a coordenadora, para a diminuição do número de fumantes no Brasil é importante não só o estímulo a indivíduos que querem deixar de fumar, mas principalmente a mobilização sobre aquilo que está por trás da indústria do tabaco no país – desde a comercialização de cigarros até a incidência tributária sobre tais produtos.
Ela afirma que “[As produtoras de cigarros] são grandes corporações que têm interesse em ter mais e mais clientes e que fazem de tudo para isso” e que, por isso, é importante mostrar “que existem formas e políticas públicas efetivas para se avançar e proteger a saúde das pessoas, para que elas tenham a possibilidade de fazer escolhas”.
Particularmente em relação ao apoio a pessoas fumantes que desejam iniciar o processo de parar de fumar, Mariana aponta que o cuidado na forma de abordagem desses indivíduos é fundamental. “Para uma organização que trabalha com o controle de tabagismo, a gente entende eles como dependentes e de que aquela situação não é de responsabilidade deles”.
A importância desse acompanhamento, de acordo com a especialista, vai além de buscar uma maior chance de êxito para a pessoa que quer largar o cigarro, mas, principalmente, é mostrar para ela que “a gente não quer o fumante longe. A gente não quer que fumante fique lá fora, a gente quer que ele fique aqui sem fumar”.
As dificuldades de controlar o tabagismo
Depois de doze anos longe do tabaco, Ana relembra as dificuldades que enfrentou ao longo de sua trajetória para parar de fumar. “Eu engordei muito, nunca consegui voltar à mesma forma física de antes. Eu nunca percebi que eu usava o cigarro como uma muleta, como algo que eu utilizava para minha ansiedade; então, foram muito difíceis os efeitos colaterais que eu senti por falta da nicotina”.
Devido a complicações médicas, Ana começou a sentir os primeiros danos que o cigarro acabou trazendo para sua saúde após contrair H1N1 – vírus causador da doença popularmente conhecida como gripe suína. Ela se viu obrigada a fazer uma grande mudança em sua rotina, na qual deixar de fumar os cigarros então fortemente presentes em seu dia a dia se tornou um de seus maiores desafios. No entanto, ela declara que hoje essa transformação é um de seus grandes orgulhos.
Com apenas acompanhamento médico pelo método medicamentoso, ela também conta como o apoio de outras organizações que tratam do combate ao tabaco ou de pessoas que estão enfrentando a mesma situação podem vir a ser de grande ajuda durante o processo. “Ele [o tabagismo] é banalizado, é visto como algo comum e não como doença; então, acho que poderia existir uma organização assim onde as pessoas pudessem ir, se encontrar e trocar experiências para receber essa ajuda”, conta a ex-fumante.
Ana, assim como muitos daqueles que conseguem abandonar o vício, resume o sentimento de livrar-se do tabagismo em alegria. Através da atuação de novos projetos no combate ao tabagismo, as estatísticas sobre o uso do tabaco podem diminuir gradualmente em relação às décadas anteriores.
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Outras organizações no combate
Além do trabalho da ACT, estados como Rio de Janeiro e São Paulo já possuem tratamentos gratuitos para auxiliar pessoas a pararem de fumar disponibilizados pelo SUS através do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) – os quais continuam funcionando mesmo com a ascensão da pandemia. Os programas trabalham de forma complementar aos objetivos da ACT, levando um tratamento pessoal e médico aos fumantes de forma acessível.
Com o compromisso da ACT, a mobilização nacional do controle ao uso do tabaco acaba se destacando pela notoriedade internacional e a aprovação de leis antifumo no território brasileiro. Além das propostas normativas, a organização leva o impacto pessoal diretamente àqueles que possuem o desejo de largar o vício do cigarro e, através de programas, atividades e campanhas, a ACT vem trabalhando com o propósito de fortalecer a defesa do meio ambiente e da saúde pública.