Promessas do novo ensino médio, Projeto de Vida e melhor abordagem psicológica não correspondem às expectativas dos alunos das primeiras turmas do formato inédito
É na jornada escolar que o estudante forma a sua personalidade e cria suas primeiras relações interpessoais. No ensino médio, a formação do aluno está em etapa mais crucial ainda. A pressão na hora de escolher rapidamente uma carreira e a sobrecarga curricular comumente levam os estudantes a transtornos de ansiedade e quadros relacionados a estresse e déficit de atenção. Para a solução desses problemas, o novo ensino médio era uma esperança – quem experimenta o formato, que conhece suas primeiras turmas em 2022, no entanto, não sente tanta diferença.
A mudança viria com a introdução do Projeto de Vida, espaço no qual os estudantes dialogam com uma equipe especializada sobre as opções de futuro pessoal e profissional, norteando-se em suas competências socioemocionais. Também se anuncia que a nova abordagem do ensino terá um viés direcionado ao mercado de trabalho, uma vez que se cede ao aluno o direito de eleição das disciplinas, incluindo também uma eventual formação técnica.
O que muda
Outra novidade é que 40% do currículo escolar será composto por itinerários formativos, que consistem na formação complementar eletiva que o estudante fará de acordo com suas inclinações de carreira e gostos pessoais. As opções de escolha do aluno são: Linguagens e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; e Ciências Humanas Sociais e Aplicadas. Todas essas mudanças seriam de certa forma uma preparação maior para a vida adulta profissional e até mesmo emocional, minimizando a pressão sofrida pelos alunos durante os últimos três anos escolares decisivos com mais diálogos e a inclusão nas escolas.
Além de modificar a grade disciplinar, as mudanças propostas visavam aliviar as tensões extracurriculares entre estudantes do ensino médio. A transição, que já seria conturbada, ficou ainda mais difícil em um contexto de volta ao ensino presencial após 2 anos na modalidade. Nesse cenário, as primeiras turmas acabam não sentindo os efeitos positivos prometidos pela reforma.
Mudou, mas continua igual
Para quem está estreando o novo modelo, impera um estranhamento quanto ao que está por vir. João Antônio Ribeiro, 16, estava cursando o 1º ano do ensino médio em 2021, mas acabou reprovado. “Eu acho que repeti por falta de comprometimento mesmo, até pelo EAD”, conta Ribeiro.
A repetência gerou um efeito inusitado: João estava na turma derradeira do formato anterior, mas saltou para a estreante do novo. A expectativa do estudante era de melhorias no quesito amparo emocional: “Eu gostava do ensino médio antigo, mas o novo trouxe uma mudança para o lado bom. O Projeto de Vida tem atividades para melhorar nossas relações com os colegas de turma”. A promessa, entretanto, não se fez presente até agora. “As conversas sobre o que você quer para o seu futuro ainda não aconteceram. Em geral, eu não vi mudança na abordagem psicológica do ensino médio antigo para o novo, continua tudo igual”, afirma João.
Já a estudante do primeiro ano do ensino médio Isabella Borbalan, 15, conta que sua turma está muito sobrecarregada, porque além de estarem voltando às aulas presenciais estão carregando a responsabilidade de ser a turma pioneira no novo ensino médio. “As médias caíram muito, mas é óbvio que cairiam, nós saímos de dois anos de cola na pandemia. A escola quer que nós saiamos de notas falsas para notas boas e verdadeiras em um passe de mágica e não nos dão a ajuda necessária”, conta a estudante.
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Padrões e pressão
A expectativa era por uma mudança que libertasse a grade escolar de certos padrões e desse mais voz aos alunos. Adalton Diniz, professor universitário, pondera que “o currículo escolar é pautado pelo o que o vestibular cobra. Com isso, não há espaço para outras formas de expressão e o aluno é colocado em uma caixa, não havendo a possibilidade de abrir outros leques e ocorrendo a restrição da formação, o que é desastroso”.
Quem comprova é quem experiencia na pele. Isabella sente que o corpo docente não está ciente do que os alunos precisam em matéria de amparo psicossocial: “Os professores estão preocupados em completar o currículo e não na nossa saúde. Eu acho que todos os professores, diretores e coordenadores deveriam ter um preparo psicológico para lidar com os alunos, porque nós somos todos diferentes. Devia existir uma relação de suporte entre o professor e o aluno”.
Tempo da reforma
Segundo a psicoterapeuta Camila Etter, a escola está completamente inserida na formação psicológica do adolescente, influenciando sua autoestima, interações sociais e deveres como um cidadão. “Hoje em dia, a saúde mental e as questões socioemocionais estão tendo a devida atenção. A escola tem que acolher o aluno e interagir com ele, sabendo lidar com as diferenças e identidade de cada um. Considero que a implementação do novo formato resulte dessas necessidades”, ressalta Camila.
Ainda que as reformas caminhem no sentido de mais amparo no ambiente escolar, vale lembrar que apenas em 2024 o novo ensino médio terá todas as suas mudanças completas, com a inserção total das turmas na grade atualizada. Rodrigo Ratier, professor universitário e jornalista, reforça que, apesar da urgência de certas mudanças, é preciso esperar pelos resultados.
“Eu vejo o nosso momento educacional atual como muito dramático, à espera de uma mudança. A educação brasileira está navegando às cegas, porém é preciso entender que a mudança é possível com o tempo”, assinala Ratier. Enquanto as mudanças não se demonstram efetivas, restam as inquietações de quem estreia o modelo ainda incipiente.