Em entrevista para o CAVH e o projeto Universidade Vai às Urnas, economista uspiano conversa sobre possíveis cenários econômicos para o próximo ano e eleições para presidência
Coordenador do Centro de Pesquisa de Macroeconomia das Desigualdades, na FEA-USP, Matias Cardomingo traz a perspectiva que os motivos de voto nas eleições para presidência vão muito além do fator econômico, apesar desse ser a maior preocupação dos brasileiros de acordo com a pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha.
Para Cardomingo, devemos pensar sobre o modelo de sociedade que queremos para o próximo período. “É fundamental a gente olhar, primeiro, de que maneira as autoridades políticas se referiam às pessoas. A gente estava discutindo em 2012, se não me engano, a PEC das domésticas em equiparação de direitos, e agora a gente discute se elas podem viajar para o exterior ou não”, comenta o economista.
Além das autoridades, ele acredita que é importante todos termos consciência da atual situação do país. “O Brasil é o primeiro país que retorna ao mapa da fome, em menos de 10 anos, depois de ter saído, sem ter passado por uma guerra, e nós fizemos isso durante um período de enorme expansão do gasto público via assistência social, por causa da pandemia. É um grau de descoordenação das políticas públicas.” Esses indicativos, para Matias, devem ser pontos fundamentais para definição do voto.
Quando questionado sobre o cenário econômico de uma possível segunda candidatura do atual presidente, Matias entende que Jair Bolsonaro, no discurso, provavelmente irá defender o liberalismo, porém executar políticas econômicas conforme a conveniência.
“O governo Bolsonaro nunca foi uma caracterização simples”.
– Matias Cardomingo
Ainda nesse caso, o economista não acredita que o atual governo implementou o liberalismo. Em sua visão, o governo tem hoje uma orientação liberal, nos termos de Estado mínimo e segurança máxima. Sendo assim, um estado mínimo nos direitos e segurança máxima nos gastos com militares e em tudo aquilo que representa repressão.
“PEC Kamikaze” e a realidade brasileira
No dia 13 de julho, foi aprovada na Câmara a “PEC Kamikaze”, que concede benefícios sociais, mesmo há três meses das eleições. Para contornar quaisquer possíveis acusações, o Governo Federal decretou estado de emergência. No ponto de vista do coordenador do Centro de Pesquisa de Macroeconomia das Desigualdades, essa medida foi feita de maneira absolutamente oportunista, apesar de concordar com a atual situação de calamidade.
“Na verdade, o grande debate que nós temos que fazer sobre as regras fiscais no Brasil é o fato delas não cumprirem com aquilo que o Estado deveria cumprir como função mínima: a garantia de direitos”, opina.
O Brasil atualmente passa por um momento delicado. O cenário apresenta em torno de 33 milhões de pessoas passando fome. Além disso, a inflação e o aumento dos preços dos produtos de cesta básica contribuem para o desespero da população.
Em relação ao fim da PEC Kamikaze, previsto para dezembro, Matias acredita que como sociedade civil devemos explicitar a importância de estabelecer um programa de assistência social com previsão dos futuros pagamentos, a partir de janeiro.
“Nós precisamos que o novo Governo eleito estabeleça qual vai ser a sua prioridade, de que maneira vai endereçar esse assunto. Mas a gente precisa, eu acredito pelo menos, lutar por alguns parâmetros mínimos”, diz o economista.
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Cardomingo sobre a alterações no Teto de Gastos
Em relação ao Teto de Gastos, Matias pensa que ele deve ser revogado. Assim como outros economistas, recomenda um novo conjunto de regras fiscais que nos permita definir qual vai ser a trajetória do comportamento fiscal, considerando a dívida pública em longo prazo. Para ele, soluções imediatistas, como zerar o déficit no primeiro ano, como diz Paulo Guedes, não são o ideal, e sim usar o fator de previsibilidade.
“Nós temos um perfil de dívida que vem se deteriorando, mas isso é também fruto dessa insegurança que estamos vivendo hoje de regras que são alteradas conforme a conveniência.” Desde 2019, o Teto de Gastos sofreu cinco alterações. Como citada antes, a “PEC Kamikaze” ilustra a decisão que só pôde ser aplicada através de uma mudança do próprio regimento da câmara.