Com programações nos dias 11 e 12 de junho, o Memorial da América Latina organizou uma festa junina repleta de diversificadas barracas e muito forró
O frio característico de junho estava presente. Mesmo sendo por volta de meio-dia, era impossível ver alguém sem agasalho. O cinza das nuvens contrastava com as coloridas bandeirinhas juninas, que não viam o céu há mais de dois anos. Era a primeira vez que o Memorial da América Latina, em São Paulo, realizava uma festa junina desde o início da pandemia, quando as atividades festivas foram canceladas e só agora, em 2022, puderam ser retomadas. Com apresentações no sábado e no domingo, o evento espera receber uma média de 40 mil pessoas por dia.
No amplo espaço aberto, barracas se estendiam até onde a vista alcançava, ofertando os mais variados tipos de comida: vinho quente, maçã do amor, milho verde, pastel, churrasco, pratos mexicanos e orientais, doces tradicionais, cerveja artesanal – com incríveis 13 barracas ao todo -, hambúrguer e até mesmo waffer e croissant.
‘A melhor época do ano’
Próxima à entrada do evento, uma mãe brincava de pega-pega com o filho, que marchava a passinhos lentos de quem acabara de aprender a andar. Com sorrisos estampados no rosto, Renata e o marido divagavam sobre os gostos do pequeno. Música, queijo coalho, ver o movimento e ficar correndo.
Para eles, é a melhor época do ano. E, em tempos de pandemia, ambientes como o do Memorial fazem muita diferença. “Nós somos uma família que ama festa junina. A gente adora vir pelas comidinhas, pelo ambiente… E ainda mais que o espaço aqui é aberto. A gente tem preocupação com esses detalhes”.
Um pouquinho mais distante, outras famílias se reuniam em torno de estandes de jogos e grandes brinquedos infláveis. No meio do falatório e gargalhadas infantis, um grito de incentivo chamava a atenção.
– Vai, Miguel, pula! Desce logo!
Miguel pulou e, risonho, desceu do escorregador correndo para voltar ao lado da mãe, Jéssica, de 27 anos. Ela e o amigo, Gilson, 38, foram com suas famílias ao Memorial aproveitar a festa que tanto sentiam falta. “Viemos comer e entreter as crianças. É uma idade que eles precisam muito de interação. A gente também precisa. Fez bastante falta”, diz.
Para Gilson, um dos pontos altos são os brinquedos. Junto de sua filha e enteados, não era difícil encontrá-lo próximo ao estande de tiro ao alvo. Até a metade do dia, as tentativas lhe renderam como prêmio um pirulito. Ele conta que a comemoração remete à sua infância e a valores importantes de família e humildade. “Você não precisa do mais caro para ser feliz. No simples, você pode encontrar valores tão grandes quanto em uma coisa super tecnológica”, conta.
Barraquinhas típicas
Em meio à amargura de tanta cerveja artesanal, um simpático estabelecimento adocicava a festa. Vendendo maçãs do amor e palitos de morango com chocolate, a frente da barraca Show de Frutas era decorada com bonecos de palha sorridentes e coloridos. Dona do próprio negócio, Jaqueline trabalha com a sua barraca há 35 anos.
O trabalho dura o ano inteiro, com a barraca marcando presença em eventos variados. Mas, se perguntar a ela, junho é seu mês predileto. “Eu gosto bastante de festa junina. Para mim é a melhor época do ano. É a mais festiva, a mais colorida, a mais alegre. E é a mais gostosa, porque você come várias coisas que você não come durante o ano”, explica em meio a risadas.
Durante a pandemia e o cancelamento dos eventos, Jaqueline ficou sem sua principal renda e não foi fácil aguentar a crise. Teve que procurar um emprego regular, com renda fixa mensal. Por dois anos, trabalhou em uma loja. Nas próprias palavras, para quem sempre trabalhou por conta própria, passar a trabalhar de empregada é muito difícil.
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Retorno às vendas
Para Nick, a situação também foi complicada. Trabalhando na área de brinquedos para eventos desde 1982, o senhor de 68 anos se viu em apuros durante a pandemia. Ele e Márcio Alvarez, 42, organizador do evento pela empresa Art Shine, trabalham juntos há mais de vinte anos. A parceria sempre foi positiva. Márcio gerenciava a alimentação, a segurança e as atrações culturais, enquanto Nick era responsável pela área kids.
Porém, com a paralisação dos eventos, os dois tiveram que cortar gastos, e Nick precisou até vender alguns pertences para poder se manter. “Dois anos e quatro meses nós ficamos parados. Eu vendi tudo. Vendi caminhonete, vendi tudo que eu consegui em uma vida. Se eu não morrer de Covid, eu vou morrer de fome. Essa é a realidade”, relembra ele. Mesmo com as dificuldades, nenhum dos dois demitiu funcionários.
Agora, com o retorno de suas atividades, Márcio conta que a retomada dos eventos é muito importante, pois ajuda várias áreas. Com um largo sorriso, ele diz que a festa junina do Memorial da América Latina está empregando mais de 200 pessoas, com parceria de empresas de gastronomia, do setor de arte e de prestação de serviços como segurança e limpeza.
“Tá todo mundo bastante animado com a volta, mas ainda tomando um pouco de cuidado, porque a gente sabe que a pandemia não acabou. Mas acho que a gente precisa retomar. Olha quanta geração de emprego, quanta geração de renda isso é. Também é muito importante para o apoio e incentivo à cultura, à arte, aos artistas”, complementa Márcio.
Hora do show
E não só para ele. Os músicos Will Santos, 33, e Anderson Anjos, 40, do grupo Balaio de Baião, também estavam ansiosos com a volta dos shows presenciais.
Durante dois anos, o quarteto, composto também por André Moita e Luisinho Sales, realizou uma série de vídeos e lives musicais online por conta do isolamento social. Em parceria com a casa de música Canto da Ema, organizaram um projeto beneficente que ajudou mais de 40 bandas a manterem a renda durante o período difícil.
“Ano passado a gente teve outra conexão com o público. Pelas lives. A gente viu que o pessoal estava querendo, até por estarem reclusos em casa, e eles participaram só que de outra maneira”, diz Anderson.
Enfim, a quadrilha
Mas nada comparado à emoção que tiveram naquele dia. Já com o sol se pondo, a frente do palco, que estava sendo pouco povoada pela manhã, começava a encher. Casais apaixonados dançavam por todos os lados, pais e mães brincavam com os filhos e solitários balançavam o corpo timidamente. Tudo isso ao som do forró do Balaio de Baião. A alegria da banda de estar tocando presencialmente após tanto tempo contagiava o público. Se aproximando do fim da apresentação, foi anunciado o momento mais esperado do show: a quadrilha.
Apesar do grande espaço disponível, a roda de participantes era tão grande que tinha que se moldar pelos obstáculos, desde bancos até barracas e paredes. Para Will, a quadrilha é essencial para essa festividade, visto que ele cresceu em Minas Gerais e sempre esteve ligado a esse costume. “A gente tem que juntar esse pessoal. Porque às vezes o pessoal curte, mas fica cada um na sua. Então, quando tem esse movimento de quadrilha, o pessoal dá a mão, às vezes até sem se conhecer, faz par e dança. Por isso é fundamental ter quadrilha”, Anderson adiciona concordando.
Com o fim da dança, chegava também o fim do dia. Sorrisos estampavam os rostos dos dançarinos, agora esgotados. Abraços e beijos eram distribuídos entre os pares, ao passo que aplausos para Will, Anderson, André e Luisinho tomaram conta do pátio. “Agora a gente não quer voltar atrás mais”, Will conta com um sorriso vibrante. “Só quer ir pra frente”.