Mario Mantovani critica a falta de incentivo para a elaboração de políticas ambientais e comenta sobre como a pauta sofreu uma defasagem dentro do legislativo
Nos últimos anos, as discussões a respeito das mudanças climáticas e outras questões ambientais têm ganhado espaço na mídia e na opinião pública. No entanto, no campo da política, em particular no Brasil, é raro que iniciativas pró meio ambiente sejam discutidas e aprovadas. No dia 15 de agosto, a Repórter Brasil, por meio do lançamento da ferramenta “Ruralômetro”, revelou que 68% dos deputados federais possuem mandatos contrários à agenda socioambiental.
De acordo com analistas consultados pela Repórter Brasil, a inclinação ruralista da Câmara já era uma realidade, mas que o governo de Jair Bolsonaro (PL) “desequilibrou o tabuleiro político com o enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente”. Para Mario Mantovani, que atua na área ambiental há mais de 40 anos, trabalhou na Fundação SOS Mata Atlântica por mais de três décadas, e atualmente ocupa o cargo de presidente da Fundação Florestal do estado de São Paulo, o Brasil está passando por um momento de retrocesso civilizatório, mas que é importante lembrar o papel de protagonista que o País já exerceu nas questões de legislação ambiental.
Entendendo a história do Brasil no movimento ambiental
Recuperando o contexto do Brasil na questão das políticas ambientais, Mantovani, relembra a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, que aconteceu em 1972, em Estocolmo, sob o tema “pensar global e agir local”. O ambientalista relembra a posição do País, que, na época, ainda estava vivendo uma ditadura com poder intenso dos militares, no evento e aponta: “o mundo já estava controlando [a poluição] e o Brasil escolheu a poluição, porque achava que era um jeito de crescer”.
Com a redemocratização, os movimentos sociais, inclusive os ambientais, começam a ganhar mais espaço. Mantovani menciona a luta contra as usinas nucleares, a poluição de Cubatão e as multinacionais que despejavam em território brasileiro suas piores indústrias e afirma que todos esses movimentos levam à criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente, em 1981. “As leis mais importantes em relação ao meio ambiente acontecem nos anos 80”, afirma o ambientalista, destacando o documento Nosso Futuro Comum, feito com a ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland em 1988, e o primeiro capítulo de meio ambiente criado em uma constituição no mundo.
Juntando os movimentos sociais e ambientais, o Brasil realiza, nos anos 90, a ECO-92, onde surgem a Convenção do Clima, a Convenção da Biodiversidade, a Carta da Terra, e outros documentos que são referência até os dias de hoje. A partir desse momento, o país se consolida como protagonista das políticas ambientais e Mantovani lembra a importância da ECO-92 para a entrada da ciência nesses movimentos: “todos os debates de clima começam a se associar muito à ciência”, aponta ele.
A perda de protagonismo das questões ambientais
Pensando no cenário que vivemos atualmente no País, Mantovani afirma que “tudo isso que nasce no Brasil vem sendo negado e sistematicamente desmontado”. Em um momento em que o Brasil deveria estar se consolidando como o grande protagonista nas políticas ambientais, entramos em um “desgoverno que nega tudo isso para poder cobrir crimes”, diz ele.
O ambientalista destaca, principalmente, a postura anti-ambientalista do Congresso Nacional e a presença de deputados que “chantageiam o governo e chantageiam a sociedade com um crédito agrícola de 320 bilhões de reais”. Segundo ele, esse grupo tem como objetivo manter o status do atraso nas políticas ambientais, se beneficiando da ausência do Estado nos locais de crime ambiental. “Quanto mais o governo for refém, melhor.”
“Eu estou há 25 anos dentro do Congresso Nacional, e sempre o mesmo pessoal, que tem mais espaço ou menos espaço”, diz Mantovani, se referindo ao “centrão”, que, segundo ele “sempre esteve ali governando, buscando oportunidades de destruir aquilo que fosse regramento contra o crime”. No cenário político atual, esse grupo tem ganhado cada vez mais espaço, destruindo o código florestal e afrouxando as leis ambientais, que exigem transparência, participação e controle social.
“É isso o que esse pessoal vem fazendo”, afirma Mantovani, “e agora acharam o pior do mundo: abriram a porta do inferno para esses caras que estão drenando recursos que são de todos os brasileiros.” Para o ambientalista, relembrar a história do país no movimento ambiental é extremamente importante. “É importante fazer essa linha do tempo, se não fica parecendo que é agora, mas não, tem coisa que já vem e coisas que foram pioradas”, diz ele.
Sociedade civil armada de informação
Conforme a situação política caminha para o lado da destruição, Mantovani nos lembra que, ao mesmo tempo, vivemos um movimento contrário muito importante e forte de mobilização da sociedade civil, cada vez mais informada.
Recuperando a própria história da Fundação SOS Mata Atlântica, na qual atuou como diretor até março deste ano, Mantovani reforça a importância da informação científica para a mobilização social e as negociações políticas: “A gente foi usando isso e construindo argumentos que fossem muito fortes. Atualmente, a mesma coisa está acontecendo com a Amazônia.”
De acordo com ele, a informação é um contraponto da sociedade em lugares nos quais o Estado não se mostra eficiente. Hoje, várias organizações, cada uma se especializando em questões ou biomas determinados, reunindo conhecimento e mobilizando a sociedade civil. “Você tem a comprovação dos fatos, e aí você tem espaço”. No caso do Brasil, em que esse espaço não se concretiza na política, Mantovani ressalta a importância das conferências internacionais e lembra que “o mundo está cada vez mais monitorado.”
Veja mais em ESQUINAS
Hortas urbanas em terrenos ociosos são alternativa para alimentar São Paulo
“Nada é fácil para um ambientalista no Brasil”, diz coordenadora do Perifa Sustentável
“Desmonte ambiental deve piorar”, afirma presidente da SOS Amazônia
As políticas ambientais transformadas em econômicas
Para além do movimento social e a disseminação das informações pela sociedade civil, Mario Mantovani fala sobre as novas faces do movimento ambientalista, que, segundo ele, “não é mais como eu comecei: abraçando árvore, falando com samambaia, papo de doido. Hoje, você está falando de economia.”
O ambientalista menciona Davos, o encontro de empresários, figuras políticas e outras personalidades influentes organizado pelo World Economic Forum que, este ano, teve como um dos temas principais a discussão a respeito das mudanças climáticas. Além disso, ele destaca a presença histórica de empresas privadas na COP26, a convenção da ONU que aconteceu no ano passado em Glasgow. “Eu nunca tinha visto tanta empresa privada junta olhando [para a questão ambiental], porque isso agora pode ser um risco para o negócio.”
Ao redor do mundo, vemos acionistas pressionando empresas por posicionamentos mais sustentáveis, um crescimento em práticas de compensação de pegada de carbono e uma menção quase que desenfreada do termo ESG – governança ambiental, social e corporativa – no universo empresarial.
Ano de eleições – chance de mudança?
Refletindo sobre o cenário atual do Brasil, que passa um ano de eleições extremamente importantes, Mantovani não se mostra muito esperançoso em relação a mudanças na postura ambiental da política do país. “Eu não acho que vai ter muita diferença”, diz ele, “mas o que não pode ter é uma frustração e as pessoas deixarem de se mobilizar.”
Para ele, os membros da política contrários ao movimento socioambiental vão continuar com fôlego para continuar sabotando as políticas ambientais, mas que precisamos de um bom presidente para poder, pelo menos, tentar negociar com eles e impor certos limites. “Não dá para um deputado ir lá e financiar uma frente de garimpo com dinheiro público”, afirma.
“O congresso vai ser difícil”, confessa Mantovani, se referindo ao próprio ambiente de trabalho como uma questão de insalubridade. “Por isso eu falei que abriram a porta do inferno”, continua, “Não é só do ponto de vista ambiental, qualquer aspecto da sociedade hoje está ruim, indo para o desastre.”
Mesmo com um quadro de estagnação e frustração, o ambientalista relembra que ele pode também levar a uma questão importante de maior mobilização e pressão por parte da sociedade civil que, segundo ele, não pode deixar de fazer barulho. “Nós nos apresentamos, levamos propostas e fomos sabotados por essa política velha atrasada, corporativa e corrompida. Mas vai chegar um momento em que vai se acordar para isso”, diz ele.
Mantovani ressalta, nesse momento, o aumento da mobilização de jovens em relação às pautas sociais. “Eu nunca vi tantos jovens indo para a política”, diz ele, se referindo ao número histórico de jovens eleitores registrado este ano – foram 2 milhões de novos eleitores entre 16 e 18 anos ganhados entre janeiro e abril de 2022. Segundo o ambientalista, esses jovens devem trazer um debate muito mais plural para a política, com grupos fortes que tiveram indignação com a política atual e estão tentando apresentar novas propostas.
“Eu acho que a gente vai ter uma mobilização muito grande para poder fazer uma nova política”, diz Mantovani. “Talvez não agora, nesses próximos quatro anos. Mas tem um caldo de cultura aí para que a gente possa fazer transformações”.