Novidade no sistema eleitoral brasileiro, modelo de mandatos coletivos está em vigor na campanha de 2022; país soma 213 candidaturas coletivas
No Brasil, vigora o sistema da democracia representativa. A distribuição das cadeiras é feita no modelo de proporcionalidade, que divide o número de vagas por meio de um quociente eleitoral pós-estabelecido. A própria mecânica das eleições no Brasil acaba por reger um caráter personalista e individualista aos representantes eleitos. Para sanar a disparidade e assegurar maior representatividade de grupos minoritários no congresso, políticos e ativistas têm impulsionado a campanha de mandatos coletivos.
Críticos do sistema proporcional alegam que a população não é devidamente representada devido à inacessibilidade de minorias e suas pautas ao Congresso. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, dos 513 parlamentares, apenas 125 são pardos e 77 são mulheres, o que corresponde a 24,3% e 15% do total de deputados. No país, entretanto, ambos os grupos compõem mais da metade da população.
Por meio dos mandatos coletivos, o registro da candidatura ainda é vinculado a um único candidato, mas que, em compromisso com outros representantes de uma bancada, forma uma chapa entre “co-parlamentares” que dividem a vaga no Congresso.
Pelo “déficit de representatividade” que a democracia representativa promove, o mestre em ciência política pela FFLCH/USP, Márcio Juliboni, aponta que “os mandatos coletivos são uma crítica ao modelo predominante, em que o mandato pertence a uma única pessoa”.
Juliboni indica que o descontentamento com esse modelo tem crescido não só no Brasil pela baixa participação que ele garante à parcelas marginalizadas da população, como as mulheres, os negros e pardos, o público LGBTQI+ e os indígenas.
Crescimento dos mandatos coletivos
Ainda que não haja nenhuma lei que regulamente os mandatos coletivos, seu registro tem ganhado maior legitimidade e apoio ao longo dos anos. Com o crescimento da demanda por representatividade, o número de registros desta modalidade aumentou. Segundo levantamento do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV) foram registradas 16 candidaturas coletivas nas eleições de 2012 e 2016. No pleito de 2020, o registro de 257 mandatos coletivos chegou às urnas.
O pleito de 2022 conta com 213 registros, sendo 64% para deputados estaduais ou distritais, 34% para deputados federais e 2% para o Senado. Apesar da queda no número se comparado com as eleições municipais, esta eleição geral ganha um diferencial, pois representou, enfim, a legitimação do registro dessas candidaturas.
No ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou uma alteração no artigo 25 da Resolução 23.609/2019, permitindo que o candidato registre em seu título o movimento o qual representa, assim colocando lado a lado o nome do candidato registrado com a sua bancada de co-parlamentares.
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Por que apoiar os mandatos coletivos?
Aos 29 anos, o estudante de Geografia Renato Assad participa ativamente das eleições de 2022. Não como eleitor ou ativista, mas como co-candidato pela Bancada Anticapitalista (PSTU). Junto dos outros componentes da bancada, o professor e entregador defende a luta contra o golpismo, a carestia, a fome e o desemprego.
Para Assad, “a candidatura coletiva expressa no coletivo um objetivo em comum”. Juntando as percepções e realidades diferentes entre si, que se combinam entre si por esse objetivo, trazendo um caráter mais diverso e menos personificado”.
Desde os precursores na iniciativa de candidaturas coletivas, como os mandatos de vereança de Gabriel Azevedo, João Yuji, Ricardo Antonello e “Gabinetona”, a proposta tem promovido maior inclusão da comunidade na política. Durante debates da PEC da Reforma Política, a relatora Renata Abreu defendeu a legitimação das candidaturas coletivas por “fortalecerem a cidadania e inclusão no Congresso das pautas de grupos marginalizados”.
Renato acredita que vai além de simplesmente inclusão de minorias, com a introdução de um grupo ocupando a vaga de parlamentar, enquanto um dos co-deputados trabalha no Congresso, os outros podem atuar em outras frentes: “Uma candidatura coletiva possibilita uma rotatividade entre as atividades parlamentares e extraparlamentares. Estar presente ao mesmo tempo em uma sessão plenária e a bancada estar representada numa luta direta, numa greve, numa paralisação, numa manifestação pelas ruas”.
Desafios e prospecção
Na visão de Márcio Juliboni, o maior desafio que as candidaturas enfrentam no momento é o estranhamento e resistência. “Como tudo que ameaça o status quo, o surgimento de candidaturas coletivas também é uma resposta ao engessamento da máquina partidária.”, endossa o mestre em ciência política. Por parte da sociedade, não são observadas grandes oposições, mas por parte dos políticos tradicionais e caciques dos partidos, o pé atrás fica mais visível.
Recentemente introduzido na política, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil) é relutante quanto à participação dessas candidaturas. No ano passado, o membro do Movimento Brasil Livre (MBL) tentou propor um projeto que impugnasse os mandatos coletivos. Rubinho alega que os mandatos coletivos “são figuras inexistentes que consistem em um verdadeiro estelionato eleitoral e tumultuam o ambiente legislativo ao confundir assessores com parlamentares”.
Nunes relembra que registro da candidatura é feito sob um único CPF, do qual o indivíduo registrado seria o único parlamentar de fato. “Apesar de usarem do pseudo-argumento de pluralidade, consiste, na prática, em um mandato individual”, complementa Rubinho.
Contudo, Márcio considera que o argumento do vereador leva a lei ao pé da letra e ignora que nem os políticos em mandato solo tem 100% de autonomia em suas decisões. Além de representarem o credo de seus eleitores, que confiaram seus votos no seu candidato, os parlamentares representam seu partido e aliados, por tanto não votam sozinhos em determinadas situações.
Tanto os mandatos coletivos quanto os outros parlamentares estão sujeitos às decisões tomadas pelo partido. E quando se trata das decisões tomadas dentro do próprio coletivo, existe uma organização entre os próprios coparlamentares para tomarem decisões juntos baseado na premissa que apresentaram em campanha.
Rubinho acredita que o dono do CPF registrado eventualmente teria a voz efetivamente mais forte dentro do mandato, mas Renato Assad assegura que dentro de seu mandato coletivo há uma deliberação: “o alinhamento entre nós é extremamente democrático. Debatemos para entrar em consenso, mas quando as divergências não chegam a um acordo, votamos. O que a maioria de nós decidir é levado adiante”.
Ainda tramitam na Câmara projetos para reformar a Constituição e permitir o registro definitivo de um coletivo como candidato. Um movimento que entra em acordo com o descontentamento da sociedade com uma democracia que não é exatamente plena para que minorias sejam representadas. Juliboni delibera que ainda há ajustes e trabalhos a ser feito para que essas candidaturas se legitimem no futuro.
As eleições gerais acontecem neste domingo (2). Os colégios eleitorais estarão abertos das 8 às 17h para a realização da votação.