Do lamento à sofrência: por que gostamos de músicas tristes? - Revista Esquinas

Do lamento à sofrência: por que gostamos de músicas tristes?

Por André Schmidt, Davi Rocha, Eduardo Lima, João Marcelo Brandão e Mateus Andrioli : fevereiro 17, 2023

Canções melancólicas sempre estiveram em evidência no mundo das artes e estudos sugerem que músicas tristes ajudam a lidar com sentimentos ruins.

All my favorite songs are slow and sad/I don’t know what’s wrong with me (em tradução livre: “Todas as minhas músicas favoritas são lentas e tristes/Eu não sei o que há de errado comigo”). Assim cantava Rivers Cuomo, vocalista da banda Weezer, em “All My Favorite Songs”. Apesar de ele achar que “tem algo de errado” em adorar músicas tristes e lentas, o cantor está muito longe de ser único ou estranho por isso. Desde que música é música, existem composições tristes para expressar os sentimentos de seus autores, e o público em geral sempre teve uma adoração especial por esse estilo, usando as canções como trilha sonora para os momentos mais difíceis da vida.

Nos últimos anos, a música triste tem alçado voos ainda maiores, ocupando espaços de proeminência entre as mais ouvidas nos streamings, como no caso das baladas de corações quebrados cantadas por Marília Mendonça e Taylor Swift.

Mas, afinal, por que gostamos tanto de músicas tristes? E o que faz uma música induzir choro e outra induzir euforia e vontade de dançar? O maestro Ronnye Dias afirma que isso é muito mais um dado cultural do que musical. Na cultura brasileira, uma música triste é, normalmente, entendida como uma música lenta em tons menores. Dias ainda diz que essas músicas são principalmente “em tonalidades não muito agudas, para o intérprete poder não só cantar com muita emoção mas poder usar algumas questões técnicas que causam um efeito psicológico na hora de ouvir”, criando um senso de tensão e relaxamento.

Mas isso é uma visão brasileira e ocidental do que é uma música triste. Ronnye explica que o gosto musical tupiniquim é muito formado pelo fado, estilo português com letras melancólicas e tons menores. Mas, indo para o Oriente, isso muda bastante: “Se a gente vai pro Oriente Médio, para Israel, tem muitas melodias que para eles são alegres mas são em tons menores”. Mas o que é um tom menor? Abaixo, o maestro Ronnye Dias explica cantando:

Eduardo Lima · Maestro Ronnye Dias Explicando O Que É Um Tom Menor

Nem todas as músicas melancólicas, porém, seguem esse roteiro. “O Stevie Wonder tem uma música chamada ‘Overjoyed’ que eu gosto muito, com uma música bonita, harmonia bem bacana, mas quando você presta atenção na letra é um cara superando um amor que nunca deu certo, que nunca aconteceu, então não é uma letra feliz. A letra carrega muito da emoção”, diz o maestro Dias. Muitas das canções de sofrência que embalam as tristezas do brasileiro hoje em dia são em tons maiores, mas têm letras que arrasam qualquer um.

Combinar uma letra triste com uma música triste, então, é uma arma muito poderosa. “Eu estou mexendo com o coração e com o sentimento mas também com a razão, associada ao texto”, afirma Ronnye. Como o artista está falando de sentimentos universais, que todos sentem em algum momento, existe uma construção de empatia entre ouvinte e compositor.

Gustavo Bertoni, vocalista e compositor da banda Scalene, ao ser questionado sobre seu processo de composição, diz que ele compõe para si mesmo. Gustavo tenta gerar uma sensação para si próprio e quando percebe que conseguiu algo interessante tenta comunicar para os outros, pois “somos humanos, até certo ponto sentimos coisas muito parecidas”. Gustavo começou na composição desse jeito: “Minha primeira composição foi com 9 anos, quando meu avô faleceu, eu tive essa vontade e foi muito natural, tive vontade de compor uma música para tentar expressar aquela emoção”. Atualmente, muitas músicas do Scalene são tristes, como “Amanheceu”:

Bertoni estava, por meio de suas composições, tentando emular o que ele sentia ao ouvir as músicas de que mais gostava, principalmente do compositor inglês (e muçulmano) Yusuf, originalmente chamado de Cat Stevens. “[Era uma] vontade de expressar alguma coisa e de fazer as pessoas terem uma experiência, sentir alguma coisa como os músicos que eu gostava faziam comigo.” A composição funciona, para ele, como terapia, uma maneira de entender seus sentimentos e conseguir externá-los.

Perguntado sobre o público que escuta e aprecia esse tipo de música, Gustavo respondeu que acredita que existe, hoje em dia, um espaço maior dentro da sociedade para o público jovem se conectar com esse tipo de letra, principalmente por meio do movimento emo. Porém, mesmo assim existe “uma galera mais velha, que tinha vergonha de falar que curtia tais sons, amadureceu e tem agora mais exemplos que validam seu lugar de expressão e hoje batem no peito afirmando ser quem são”.

A estudante Yasmin Junqueira, 17 anos, diz que gosta das músicas tristes porque “nós temos muita coisa internalizada que é difícil falar, então essas músicas falam o que nós não conseguimos dizer”. Essa identificação com canções carregadas de emoção é visível na história da música, principalmente por parte dos jovens. Os Beach Boys, uma das maiores bandas dos anos 60, tinham letras carregadas de melancolia por trás das melodias ensolaradas, e Billie Eilish, uma das maiores cantoras da atualidade, faz a cabeça da juventude com músicas tristes, tendo mais de trinta canções que já entraram no top 100 da Billboard, principal parada de sucessos do mundo da música.

The Scientist, escrita pelos membros da banda Coldplay, e “Someone Like You”, escrita por Adele e Dan Wilson, são as duas músicas tristes que mais estão presentes nas playlists populares. As duas obras ultrapassam 1,2 bilhão de streams no aplicativo Spotify e são possivelmente as músicas tristes que mais fizeram sucesso em toda a história. Olivia Rodrigo, artista jovem que alcançou o estrelato em 2021, também já passou a marca de 1 bilhão de streams. A música que a levou a esse nível? “Drivers License”, uma balada de coração partido sobre um antigo amor.

O sucesso e a popularidade das músicas tristes é inegável, mas isso ainda não explica por que as pessoas se sentem tão atraídas por canções que narram momentos ruins e sentimentos difíceis. A ciência tem algumas teorias para responder essa pergunta.

O artigo “Sad music induces pleasant emotion” (em tradução livre, “Música triste induz emoções prazerosas”), publicado em 2013 por um grupo de pesquisadores japoneses, tenta explicar o porquê de as pessoas sentirem emoções agradáveis ao ouvirem esse tipo de música. A hipótese inicialmente levantada pelos autores da pesquisa é de que a emoção sentida e percebida quando se ouvem músicas melancólicas não coincidem realmente. A música triste seria percebida como triste, mas a experiência de ouvir música triste evocaria emoções positivas.

Como forma de testar tal suposição sobre a diferença entre a percepção e sensação enquanto se ouve música, foi pedido a 44 ouvintes para classificassem as emoções percebidas e sentidas usando uma coleção de palavras ou frases descritivas. Foram utilizados três tipos de trechos musicais, cada um deles com aproximadamente trinta segundos. As peças usadas foram músicas em tom menor que não eram conhecidas pelos ouvintes, para que não houvesse uma relação de memória com a música e influenciasse na percepção inicial.

Os resultados da pesquisa revelaram que, embora a música triste fosse percebida como mais trágica, os ouvintes não experimentaram a emoção trágica (como melancólica e miserável) em um grau equivalente. Ademais, os participantes sentiram mais emoções românticas e alegres do que as perceberam ao ouvir as músicas tristes. Em suma, nas canções melancólicas as emoções percebidas foram classificadas como mais altas do que as emoções sentidas para a emoção trágica.

Em um artigo tratando do mesmo tema, a neurocientista Mariana Verzaro explica que as músicas tristes podem desencadear lágrimas e que as reações não são unicamente individuais quando se ouve este tipo de melodia. O sentimento produzido é semelhante para todos.

Esses achados podem fornecer respostas para a questão do porquê as pessoas ouvem músicas tristes. Os participantes do estudo realizado no Japão realmente experimentaram emoções sombrias e miseráveis ao ouvi-las, contudo, como mencionado anteriormente, essas emoções não foram as únicas sentidas, pois a emoção romântica e a alegre também foram sentidas pelos ouvintes. Desse modo, o artigo supõe que, ao ouvirem músicas tristes, as pessoas entram em um estado emocional ambivalente. Assim, pelo fato dessas canções provocarem emoções tristes e agradáveis em quem as ouve, as pessoas tendem a passar seu tempo escutando esse tipo de música e até gostando delas.

Questiona-se então o motivo desse estado emocional ambivalente tomar conta de quem escuta esse tipo de música. Como resposta a essa questão os autores do artigo levantaram as seguintes possibilidades a partir de três abordagens:

DOCE ANTECIPAÇÃO

Quando ouvimos música, estamos aptos a antecipar o que está por vir. De acordo com essa teoria da expectativa musical, os ouvintes experimentam emoção devido à violação, atraso ou confirmação de suas expectativas em relação a o que acontecerá enquanto se ouve a música. Além disso, acredita-se que o efeito de previsão afetaria a emoção que os ouvintes experimentaram. Ou seja, se o som que os ouvintes esperavam for ouvido, confirmando assim suas expectativas, os ouvintes experimentam emoções positivas. Então, mesmo que os ouvintes experimentem emoções negativas ao ouvir música triste, a doce antecipação ainda pode permitir que eles sintam emoções positivas.

Mariana Verzaro fala sobre algo parecido ao tratar das apoggiaturas, um tipo de nota ornamental que se choca com a melodia apenas o suficiente para criar um som dissonante. Quando várias dessas ocorrem uma após a outra em uma melodia, é gerado um ciclo de tensão e libertação que provoca uma reação ainda mais forte, o choro, e depois nos faz sentir bem. Um experimento realizado pelo psicólogo britânico John Sloboda pediu que algumas pessoas identificassem os trechos das músicas que poderiam gerar o choro, e foi observado que, de vinte trechos, dezoito contavam com appoggiaturas.

Olhando para um lado mais científico é possível ver que quando as músicas quebram seu padrão de repente nosso sistema nervoso simpático fica em estado de alerta, o coração passa a palpitar rapidamente e, dependendo do contexto, esse estado de excitação pode ser negativo ou positivo, feliz ou triste. Músicas intensas liberam dopamina no nosso centro de prazer e recompensa do cérebro. Isso traz um sentimento bom que faz com que se queira repetir o comportamento. Seja uma música feliz ou triste, o nível de dopamina liberada é o mesmo, e isso mostra que quanto mais intensa a música, mais as pessoas querem ouvi-la.

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A MÚSICA TRISTE NO CONTEXTO DA ARTE

De acordo com uma pesquisa bem anterior, de 1966, as pessoas devem ser capazes de compreender suas próprias situações ao experimentarem músicas. Assim, o contexto em que o ouvinte escuta a música é de extrema importância para se fazer uma avaliação do processo mental de seus ouvintes. Quer a emoção que percebemos seja agradável ou desagradável, pode-se experimentá-la como agradável por meio de um processo de avaliação de percepção que reconhece que uma emoção é evocada em um contexto estético.

Consequentemente, mesmo que a música em si seja percebida como negativa, e emoções negativas sejam despertadas nos ouvintes em parte, existe uma tendência a experimentar emoções ambivalentes ao nos sentirmos satisfeitos em virtude da avaliação do contexto em que se escuta. Assim, a experiência de ouvir música triste pode, em última análise, provocar emoções agradáveis.

EMOÇÕES VICÁRIAS 

Aqui, levanta-se a seguinte pergunta: as emoções desagradáveis (como a tristeza) experimentadas são realmente desagradáveis? Como foi observado pelos pesquisadores Eerola e Vaskoski em 2011, embora seja geralmente considerada uma emoção desagradável, a tristeza no contexto da música pode não ser classificada como desagradável de maneira equivalente. Assim, a tristeza que experimentamos ao ouvir música triste pode ser diferente daquela que vivenciamos em nosso cotidiano.

Nas emoções que experimentamos na vida cotidiana, a pessoa tem uma relação direta com o objeto ou situação que desperta essa tristeza. Em contraste, quando ouvimos música, o ouvinte está a salvo de qualquer ameaça ou perigo que a música representa. Assim, as emoções que experimentamos quando ouvimos música podem ser caracterizadas como propriedade vicária.

Quando sentimos um certo tipo de emoção ao ouvir música, não há nada que atue como causa para induzir esse tipo de emoção como acontece na vida cotidiana. Em vez disso, o compositor, intérprete ou a própria música que expressa a emoção pode ser a entidade que desfruta da relação direta com a situação originária. A emoção sentida da música pode ser considerada uma emoção vicária, levando-se em conta que a experiência da emoção, que se originou com o compositor, intérprete ou a própria música, ocorre através de um mecanismo como a simpatia.

É importante considerar que nem todas as emoções evocadas enquanto se ouve uma música podem se enquadrar na definição de emoção vicária. Quando a música está ligada a uma memória pessoal, como um amor perdido ou a morte de alguém, o ouvinte pode experimentar uma emoção triste acompanhada de sofrimento, semelhante à forma como a emoção é vivenciada na vida cotidiana ou pelo autor ou intérprete da música. No entanto, a emoção que tal ouvinte experimenta decorre da memória e não da música em si. Nesse caso, a música desencadeia a criação da emoção, e a memória é considerada o agente indutor direto da emoção.

Adicionando doce antecipação e o reconhecimento da música como experiência estética, conforme descrito acima, os ouvintes podem experimentar a qualidade emocional da tristeza ao mesmo tempo em que experimentam emoções agradáveis​, criando-se assim um estado emocional ambivalente.

Saber da explicação por trás do fenômeno, nesse caso, não tira a magia de tudo. As músicas tristes têm sido e continuarão sendo grandes companheiras dos seres humanos, seja para se entender melhor, para traduzir um sentimento, para se sentir bem ou só para ouvir uma boa canção. Agora, um pouco de história

Músicas tristes ao longo da história

LAMENTO: Salmo 137 (século VI a.C.). Um dos exemplos mais antigos de música triste se encontra na Bíblia. Este poema, que data do século VI a.C., foi escrito para ser cantado pelo povo de Israel como um lamento comunal pelo exílio na Babilônia, terra onde eram cativos. “Junto aos rios da Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião” é o primeiro verso desta canção, que trata da saudade de um povo por sua terra. A letra da canção, que teve sua melodia perdida, foi apropriada por movimentos contra o racismo e o colonialismo. Aqui, um exemplo dela sendo cantada em hebraico:

ROMÂNTICA: Nocturne Op. 9 no. 2 (século XIX). A música romântica, característica do século XIX, é considerada um dos gêneros mais emocionantes tocados ao piano. Tem como principais elementos a estética, o uso de ferramentas musicais ligadas à emoção e a liberdade dada aos seus intérpretes para a improvisação dentro de suas melodias e harmonias. Seu principal expoente e mais aclamado compositor é o polonês Chopin, e seu “Nocturne Op.9 nº 2” é considerado o lume do romantismo:

CHORO: Lamento (1928). O nome não é por acaso, pois as músicas do gênero, apesar de não serem objetivamente tristes, se apoiam muito nas interpretações instrumentais, as quais usavam a técnica musical para fazer essas interpretações choradas, cheias de tecnicidades, de arpejos. O choro é uma manifestação popular e brasileira de tocar as marchas europeias, o tango argentino e outros ritmos do Caribe com o “tempero brasileiro”. Pixinguinha se destaca dentro dos artistas do choro e sua música “Lamento” é o retrato definitivo de todas as emoções transmitidas pelo gênero:

DOR-DE-COTOVELO E FOSSA: Ninguém Me Ama (1952) e Meu Mundo Caiu (1958). Continuando na leva de música triste e popular, o samba-canção foi muito importante para a sociedade brasileira no século XX, especialmente com seus subgêneros fossa e dor-de-cotovelo. A ultrarromantização, a exaltação do tema “amor-romance” e o sofrimento por um amor frustrado criaram uma ramificação no samba-canção, a fossa. A música “Meu Mundo Caiu”, de Maysa, é um dos principais expoentes do subgênero e o sintetiza perfeitamente.

Alegoria criada que faz alusão a quem se encosta ao balcão de um bar para esquecer o amor perdido e se embriaga, a famosa dor-de-cotovelo teve como seu principal difusor o compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, o qual popularizou o subgênero com suas letras extremamente melancólicas, que remetiam à embriaguez como cura das mágoas. Aqui, um dos exemplos mais famosos de dor-de-cotovelo, na voz de Nora Ney: “Ninguém Me Ama”, de Antônio Maria.

EMO: Never Meant (1999). O movimento emo nasceu nos anos 80, como uma subcultura do punk que evoluiu para algo completamente diferente. Não é um estilo musical definido, mas um jeito de expressar suas emoções por meio de letras pessoais e honestidade cortante. Essa subcultura é, essencialmente, um movimento jovem, com bandas novas sempre aparecendo e uma identificação especial com os sentimentos adolescentes. São Paulo é casa para um bloco de Carnaval emo, que toca muitas das bandas que marcaram a juventude de quem cresceu nos anos 2000.

Numa eleição da revista norte-americana Vulture, a banda American Football foi agraciada com o título de criadora da melhor música emo de todos os tempos. Esses roqueiros são parte de um subgênero chamado midwest emo, que tem um jeito diferente de tocar a guitarra e é um pouco mais melódico do que o hardcore, outro dos subgêneros mais famosos:

SOFRÊNCIA: Todo mundo vai sofrer (2019). A sofrência é extremamente popular, especialmente no Brasil. O termo surge juntamente com o arrocha, no interior da Bahia, para designar músicas tristes. Porém, foi com a ascensão desse gênero e sua popularização que a sofrência ganhou um caráter mais relacionado com sofrimentos amorosos. Um fato interessante, que precisa ser destacado, é o espaço ganho pelas mulheres dentro desse gênero musical, principalmente para Marília Mendonça. Antes um estilo dominado por homens, passou a ter mulheres como seu grande expoente:

Por fim, aqui vai uma playlist no Spotify com as músicas tristes favoritas dos entrevistados e dos jornalistas. Aproveite a fossa:

 

Editado por Juliano Galisi

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