A “Gualín do TTK”, ou seja, a “Língua do Catete”, é um dialeto que faz parte do cotidiano do bairro do Catete, na zona sul do Rio de Janeiro
A linguagem Gualín consiste na alteração da ordem das sílabas das palavras, com a intenção de dificultar a compreensão do discurso. Por exemplo, a palavra favela vira lavefa, casa vira saca, e assim por diante.
Até a mudança da capital federal para Brasília, em 1960, o bairro do Catete abrigava a sede do governo, localizada no antigo Palácio do Catete, atualmente conhecido como Museu da República, o que explica a forte atuação política na área. Dito isso, o bairro foi, durante a ditadura militar, centro de diversos protestos contra a forte repressão do regime.
Dessa constante luta, originou-se a Gualín do TTK, que teve como objetivo driblar a censura instaurada pelo AI-5, maior ato de censura durante os vinte e um anos de ditadura. A linguagem servia como protesto contra a privação da liberdade de expressão e facilitava a comunicação entre os habitantes locais. De acordo com Bárbara de Abreu, museóloga formada pela UFRJ, durante esse período a Gualín também era utilizada por estudantes presos em protestos, visando evitar a compreensão das suas conversas pelos policiais.
Ainda segundo a museóloga, não se pode afirmar ao certo como esse movimento nasceu, mas existem algumas teorias sobre a sua origem, “no século XIX surgiu na França um movimento conhecido como ‘Verlan’, que também é o inverso da palavra francesa ‘lanver’. Existe uma teoria que defende que a Gualín se derivou desse movimento que chegou no porto do Rio de Janeiro no século XX, mas não se pode afirmar com certeza”, conclui.
@laracanro8 A periferia também tem suas linguagens. Falar de línguas nunca foi e nunca será se restringir à normal culta padrão. #fy #fypシ #fyp #ret #filiperet #bk #ttk #linguagem #lingua #rap #periferia ♬ som original – Lara Canro
Portanto, a origem oficial do dialeto é desconhecida, e, apesar do tempo, a Gualín do TTK persiste até os dias de hoje. Embora não seja mais utilizada exclusivamente para fins políticos, a língua ainda é muito familiar para os moradores da região.
Gualín no século XXI
“No dia a dia não se fala o tempo todo na Gualín, mas se usa palavras específicas do dialeto”, explica João Vitor Pimentel, morador do bairro há 16 anos. “Por exemplo, você pode falar para um amigo que ele é a sua ‘pladu’ preferida. Ou seja, sua dupla preferida. Só se fala na Gualín efetivamente quando tem alguém por perto que você não quer que entenda o que você está falando.”
Robson Nunes dos Santos, também é morador do Catete e fluente no dialeto. “Aprendi a Gualín do TTK na comunidade, na praia, na escola, conversando com os amigos e conversávamos bastante assim. No meu cotidiano, fora da comunidade, não uso a Gualín, mas dentro da comunidade todo mundo entende.”
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O dialeto foi popularizado por todo o Brasil quando alguns rappers cariocas crescidos no bairro, como Filipe Ret, Sain e BK, começaram a compor canções embaralhando as sílabas das palavras. O “Tributo ao TTK”, por exemplo, é uma música colaborativa desses artistas, que gerou um mini documentário na Amazon Music com o mesmo nome, no qual eles compartilham a cultura do Catete e explicam suas histórias.
“A Gualín se expandiu principalmente na galera do Grafitti ou do ‘charpi’, ou seja, ‘pichar’, e do pessoal do Rap”, explica Bárbara de Abreu. “Esse movimento começou nos anos 80, e até hoje existem rappers que cantam em TTK e continuam a divulgar essa língua. No entanto, antes era uma forma de comunicação decodificada, concentrada em grupo, e hoje em dia, é uma forma de expressão artística.”